2 anos de Rua de Baixo

5 Perguntas + 8 Convidados = Especial sobre o estado da nação.

Já passaram dois anos desde que a rua de baixo lançou a sua primeira edição. Se podemos afirmar que a cultura em Portugal evoluiu durante este período de tempo, temos também que admitir que continuam a existir muitas deficiências no apoio à actividade cultural nacional.

Registou-se um maior número de concertos. Alguns dos maiores nomes da música mundial visitaram Portugal. Apostou-se nos grandes eventos e produções internacionais. Surgiram fenómenos de popularidade. Então e o resto? Parece que o País continua a menosprezar uma enorme quantidade de valores em praticamente todas as áreas de acção cultural. Não pretendemos ser os donos da verdade, mas temos o dever de indicar um caminho e abrir alguns horizontes.

A rua de baixo nasceu com esse propósito: mostrar e divulgar aquilo que para muitas pessoas não existe. Porém, não funcionamos por catálogo e não deixamos de lado tudo aquilo que pode ser considerado “mainstream”, mas que tem qualidade e precisa de ser divulgado. Vamos continuar fiéis aos nossos princípios e apresentar todos os meses uma edição cheia de novidades, através de uma escrita simples, à imagem de todos aqueles que nos lêem.

Para comemorar o nosso segundo aniversário, decidimos desafiar algumas personalidades, de diferentes áreas, a responder a cinco questões sobre o estado da cultura nacional e sobre a rua de baixo. Opiniões diferentes e muitas sugestões para reflectir sobre aquilo que se passa em Portugal.

1 – Qual a tua opinião sobre o estado da cultura em Portugal?
2 – O que achas que se alterou nos últimos dois anos na actividade cultural nacional?
3 – Achas que projectos como a rua de baixo contribuem de uma forma fulcral para essa dinamização?
4 – O que melhorarias na rua de baixo?
5 – Na tua opinião, de que forma é que a rua de baixo pode contribuir ainda mais na dinamização cultural portuguesa?


Vítor Afonso aka Kubik – Músico

www.kubik.com.pt

1 – A atenção que os sucessivos governantes têm dado à cultura e às suas distintas manifestações tem sido displicente. As instituições de apoio às artes do espectáculo – dança, música, cinema, teatro, artes plásticas, criação multimédia e audiovisual, entre outras – funcionam dependentes das parcelas orçamentais que cada orçamento anual do Estado prevê para as mesmas. O cinema e o teatro são as áreas que mais necessitam do apoio financeiro do Estado, tanto mais que são as áreas mais onerosas de todas. Sem compreender isto, não há política cultural que aguente. As empresas privadas e públicas ainda estão relutantes (salvo honrosas excepções) em apoiar eventos de índole cultural, por acharem que os benefícios a médio ou longo prazo não justificam o investimento. Esta é uma visão errada. Em Portugal, falta apostar com convicção e empenho no desenvolvimento cultural, o qual passa também pela implementação de um sistema de ensino que privilegie a educação para a arte e para a sensibilidade estética. Só assim se pode esperar que as novas gerações de estudantes saíam das escolas com uma formação cultural geral bem constituída, com um espírito crítico desenvolvido e não como meros reprodutores mecânicos do saber escolástico instituído. Na área específica da música há ainda muito a fazer, que passa também por uma maior ousadia na política de apoio à divulgação da música portuguesa, um maior investimento na rádio e nas televisões. Veja-se o caso do último programa decente sobre música portuguesa – o “Ultra Sons” da RTPN que foi extinto.

2 – Nos últimos dois anos mudou pouca coisa. O Ministério da Cultura e instituições dele dependentes navegam ainda em incertezas directivas e em atrasos insustentáveis no que se refere aos subsídios às artes do espectáculo. A comunicação social afunda-se cada vez mais em mediocridade e superficialidade. Apesar de haver bons criadores nacionais – em todas as áreas – há casos gritantes de ineficácia. As Câmaras receiam cada vez mais apostar na promoção de eventos culturais, paradoxalmente, num tempo em que são cada vez mais inauguradas salas de espectáculo e teatros municipais.

3 – Claro que sim. A Internet tem sido um meio de comunicação privilegiado no apoio à arte e à cultura. A proliferação que tem acontecido ultimamente de sites, portais, fóruns de discussão e blogues, tem sido muito positiva para a divulgação e promoção de artistas, músicos, eventos, etc. Mais do que a rádio ou até a imprensa escrita. O panorama cultural do país tem de ser dinamizado por projectos arrojados que lancem novas ideias, que invistam na divulgação de novos valores, que se empenhem na discussão de temas importantes. Tal como outros exemplos, a Rua de Baixo tem conseguido isso, até pela forma abrangente como aborda diferentes áreas de acção cultural. Não remeter a cultura a apenas um nicho específico, é positivo. É bom que se divulgue o que de positivo se está a fazer em Portugal em termos de cinema, teatro, artes performativas, música, moda, festivais, etc…

4 – Em dois anos apenas de actividade, creio que não mudaria nada. Ainda é cedo para efectuar mudanças. A linha editorial parece-me a correcta e gosto do trabalho gráfico do site. Para mais, os conteúdos são diversificados e de qualidade.

5 – Talvez fosse positivo que houvesse mais espaço para artigos de opinião e fóruns de discussão

Tiago Gomes – Revista Bíblia / Co-fundador da ZDB
www.werbehure.com

1 – A cultura em Portugal vive momentos de incerteza, nomeadamente no que toca aos apoios estatais, que estão congelados. A total falta de rumo do Estado em relação às diversas artes é total… A desorientação dos diversos institutos segue o mesmo caminho. Só a vitalidade de diversos projectos, alguns destes mais alternativos, tem permitido alguma vitalidade nas artes em Portugal, mas é preciso que nós, os produtores de cultura, pressionemos de forma a ver a nossa profissão mais respeitada e promovida.

2 – A actividade cultural nacional nos últimos dois anos continua a viver de focos localizados. Felizmente existem muitos artistas, que debatendo-se com a falta de apoios e de uma política global e de incentivo, tem com muito esforço e dedicação, levando a cabo os seus projectos.

Na minha área de acção, como é sabido, o Instituto das Artes e o Instituto do Livro e das bibliotecas, estão moribundos, sendo que a Câmara Municipal de Lisboa, também está em quase falência, o que se tem traduzido numa quase quebra total de apoio nos últimos anos. Viva a imaginação e o “desenrasco” dos artistas!

3 – O projecto da Rua de Baixo, e outras iniciativas diversas, apostando no que de mais actual e arrojado se faz nas diversas áreas, dá um contributo muito grande na divulgação e promoção da cultura contemporânea, de uma forma rigorosa e bem apresentada. (Parabéns e continuem!)

4 – Creio que a Rua de Baixo tem evoluído, muito positivamente, tem alargado o leque de actividades e tem coberto diversas áreas, de forma interessada e com entusiasmo. Talvez vocês mesmos, com mais apoios, poderiam tornar essa divulgação mais alargada…

5 – Penso que estão no bom caminho, que fazem uma boa selecção de eventos, e estão atentos ao que de mais actual se faz no nosso País.

Rui Miguel Abreu – Co-responsável pela Loop Recordings / Responsável pela Nação Hip Hop da Antena 3 / Colaborador no Blitz, Op e Dance Club / …
www.looprecordings.com

1 – Do ponto de vista da criação acredito que estamos cada vez melhor, sobretudo na área da música. Há cada vez mais projectos interessantes a surgirem e penso estarmos a afastar cada vez mais o fantasma tão português do “desfasamento”: normalmente as mais significativas correntes musicais só chegavam a Portugal com alguns anos de desfasamento, mas os criadores nacionais parecem estar cada vez mais sintonizados com as grandes correntes externas (veja-se, por exemplo, toda a actividade em torno da ZdB ou o crescente impacto do Hip Hop). Mas se ao nível da criação há melhorias, ao nível da distribuição e do consumo o cenário é exactamente oposto. Fazer música em Portugal – qualquer tipo de música – é uma actividade inglória a vários níveis e no entanto há quem a faça com cada vez mais relevância.

2 –O que se alterou foi o mercado – vendem-se menos discos e é mais difícil dar-lhes visibilidade (aumentaram, por exemplo, as ofertas para concertos não remunerados). Por outro lado, a crise económica em que todo o País está mergulhado tem reflexos dramáticos ao nível cultural que, como se sabe, é tradicionalmente o primeiro a sofrer cortes orçamentais. Se as autarquias têm menos dinheiro, os festivais, as salas e as iniciativas que dependem directamente de dinheiros públicos sofrem cortes drásticos. Os reflexos disso estão à vista de todos.

3 – Projectos como a Rua de Baixo contribuem pelo menos para contrariar o status quo. E são um apoio importante na área da divulgação de novos projectos.

4 – Não melhoraria nada porque não me compete a mim emitir juízos de valor sobre os vossos conteúdos. Mas se eu fizesse algum projecto semelhante tentaria pelo menos fazer tanto quanto o que o Ruadebaixo faz e talvez aproveitar a plataforma de Internet para fazer mais algumas coisas – ter uma versão bilingue dos conteúdos, ter áudio e vídeo associado ao site, etc… Infelizmente para quem aposta em projectos deste tipo os obstáculos devem ser muitas vezes inultrapassáveis.

5 – Muito simplesmente: existindo. Não deixando de existir. E continuando a apostar em áreas que normalmente não são as mais beneficiadas pela generalidade dos media. Já há muitos a falarem do mesmo. É necessário que os poucos que restam saibam pensar pela sua própria cabeça e não tenham medo de apoiar projectos mais marginais, mais “alternativos”, mais “invisíveis”.

Rita Rolex – Xnfashion / Moda Lisboa
www.xnfashion.com / www.modalisboa.pt

1 – Penso que a cultura enquanto produção de autor se encontra de boa saúde em Portugal, pena é que não existam apoios estatais a essa produção sejam eles nas áreas da Moda, Artes Plásticas, Cinema ou Música; por outro lado, assistimos a uma oferta massiva de produtos de entretenimento completamente “estupidificantes ” e de efeito letárgico consumidos avidamente pelo grande público e que o impedem de produzir pensamento.

2 – O aparecimento de novos talentos / novas iniciativas independentes (em diversas áreas) resultantes da reflexão sobre temas contemporâneos.

3 – Com toda a certeza.

4 – Um maior desenvolvimento dos temas abordados.

5 – Na reflexão idónea e séria dos temas que aborda. Na descentralização da opinião. No interesse por assuntos pouco mainstream.

Alexandre Camarão – Músico

http://www.myspace.com/looprecordings

1 – Em relação à parte musical, e mais especificamente dentro dos géneros em que me movo, acho que existe um fenómeno do qual já falo há uns 12 anos e que me parece atingir também grande parte de quem cria em Portugal (designers e artistas plásticos principalmente): existe uma espécie de meta invisível de se pretender criar algo que se assemelhe ao “bom” ou o que é “hype” que se faça “lá fora”. Ou seja, não existe vontade de criar por criar. Parece que há sempre uma necessidade de identificação para que não fiquemos para trás… Não podemos ser aqueles que estão desligados dos outros e que só nos ligamos a eles se os imitarmos. Temos que ser, talvez, mais genuínos, sem sermos necessariamente inovadores. Há pouca descontracção nos criativos portugueses.

2 – A evolução das tecnologias de informação mas também das tecnologias ligadas à composição musical veio, por um lado, permitir expor, apresentar, distribuir, obras artísticas com cada vez maior fluidez e rapidez e, por outro lado, permitiu a qualquer um, no caso da música (mas não só) ter um estúdio em casa ou até um estúdio portátil, fazendo do acto de criação algo mais democrático e acessível. Isto é: já ninguém pode dizer: “ai se eu tivesse as condições para fazer isto ou aquilo”. A escolha de quem tem mais qualidade torna-se mais justa e verdadeira (se bem que mais trabalhosa).

3 – Sim, claro.

4 – Sendo talvez um risco, acho que se deveria tornar mais específica, mais orientada para um tema, género, público. Arriscava mais no design gráfico sem nunca o tornar ilegível. Sempre achei que se se quer ser inovador deve-se apostar na mudança de métodos de trabalho e conceitos e não no puro exercício de figuras de estilo.

5 – Organizando eventos, talvez… Criando parcerias com várias instituições
e/ou empresas.

Isabel Lindim – Le Cool Magazine
www.lecool.com/lisboa

1 – De vento em popa. Não falta vontade e talentos. E com o nascimento de revistas como a rua de baixo e a le cool, ainda ficou melhor.

2 – Vieram de pessoas de fora, estudantes portugueses que estiveram no estrangeiro e agora voltam, artistas e talentos a refrescar a cultura. Nova energia.

3 –  Evidentemente.

4 – Mudaria o layout.

5 – Continuem a fazer o bom trabalho. Persistência é o melhor conselho. Nada de amolecer. You have to believe, brother! Não se rendam ao convencional. Apostem na qualidade. E façam mais entrevistas, ficam em arquivo, é bom.

Raquel Viana – Musa Collective
www.musacollective.com

1- Existe uma maior consciencialização para o problema, sem dúvida. Uma maior preocupação em relação a tudo o que tem a ver com cultura – mais actividades, mais formação, mais oferta principalmente. Em relação ao design muito tem sido feito. Como é óbvio, por várias razões, a cultura visual em Portugal ainda é muito fraca a vários níveis, mas pensamos que tem melhorado de dia para dia e neste momento começamos a estar ao nível de muito do que se faz “lá fora”.

2- Alterou a oferta e a postura. Existe uma onda hoje em dia mais empreendedora, mais dinâmica, existe mais vontade de fazer coisas e uma maior confiança em nós próprios e nas capacidades que temos. Estava na altura também das novas gerações despertarem, isso foi muito visível nos últimos anos. Tivemos um período de adormecimento colectivo, quase como País, e nos últimos anos, devido a variadíssimos factores, isso nitidamente mudou. No design então, isso foi bem visível com o aparecimento de muita gente nova com novos projectos.

3- Claro que sim. Aliás qualquer projecto é sempre bem-vindo, é preciso é que apareçam mais.

A iniciativa é muitas vezes uma característica que falta aos portugueses, falta-nos o espírito empreendedor, acreditarmos em nós. Nesse sentido, qualquer projecto que apareça tem sempre um lado positivo, mesmo que seja para olharmos e vermos que não tem qualidade ou não trás nada de novo. Serviu pelo menos para isso, para estimular o meio. Para quem o fez foi um acto muito importante, assim como um estímulo, seja ele qual for, para quem o recebe. Projectos como a ruadebaixo têm um papel fundamental na dinamização da cultura portuguesa, e o facto de ser um projecto online tira imenso partido e proveito disso mesmo. É uma ferramenta de fácil acesso.

4- A internet é um meio que permite uma relação directa com o utilizador. Talvez haver maior dinamização a esse nível, um intercâmbio mais directo. Na prática poder haver mais participação das pessoas, mais dinâmicas de grupos, assim como acções que estimulem isso. Os passatempos e concursos são sempre apostas ganhas a esse nível.

5- A maneira de poder contribuir mais é tornar-se mais visível ainda e com maior dimensão a nível de notoriedade e divulgação, tanto nacional como internacional. Acho que uma versão em inglês para poder divulgar “lá para fora” poderia ser uma boa aposta. Haver maior divulgação “cá dentro”. É um projecto que merece ser lido por mais pessoas, assim como se tornou a DIF por exemplo, uma revista quase de “culto”, ou como a Neo2 em Espanha. Ficamos à espera de ver do que eles vão falar – produtos emergentes, novos talentos, novas tendências, etc. Um objecto de actualização e divulgação a um nível cultural mais urbano.

Nuno Rosa aka Pink Boy – Músico

1 – Acho que de uma forma geral, havendo claro excepções, vivemos num País com uma cultura musical bastante medíocre.

2 – Consumimos mais música portuguesa, feita por uma “nova” geração de músicos coisa que já não acontecia com esta força desde os anos 80. No que respeita à cultura de dj e clubbing acho que vivemos num período de “democratização” dos mesmos.

3 – Projectos como a rua de baixo contribuem de uma forma muito positiva para a divulgação de culturas emergentes.

4 – Há muito que deixei de ter pretensões de ser editor ou jornalista! :)

5 – Crescendo e chegando a mais pessoas.

Quanto à ruadebaixo, promete-se continuar a fazer mais e melhor na esperança de que este seja apenas um dos muitos aniversários a comemorar. Contamos com a vossa leitura e intervenção sempre que necessário. Não se esqueçam… este é um projecto verdadeiramente aberto a tudo e todos. Até breve.



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