ANDANDO
Mais um marco do género nobre do cinema nipónico.
– O meu pai também adoeceu quando eu era criança, por isso quis ser médico.
– E ficou melhor?
– Ele morreu antes de eu ser médico.
Ninguém explora tanto nem tão profundamente o tema do drama familiar como os japoneses. Poderia dizer-se que é o género nobre do cinema nipónico, sendo bastante comum ver realizadores que ganham nome com filmes de terror ou de yakuzas a explorar o tema da dinâmica geracional e hierarquia familiar, como tentativa de estabelecer a sua credibilidade enquanto cineastas.
“Andando”, a mais recente proposta do realizador Hirokazu Kore’eda, pretende oferecer um retrato naturalista de uma família que, como todas as outras, tem os seus conflictos internos, ressentimentos e formas de se comportar. Neste caso, seguimos Ryoto (Hiroshi Abe) e Chinami (You), irmão e irmã, numa visita a casa dos seus pais para celebrar o aniversário da morte do seu irmão mais velho, Junpei.
Desde logo vemos que a relação entre as duas gerações tem os seus problemas. O patriarca, Kyohei (Yoshio Harada), um médico reformado, não consegue evitar mostrar o seu ressentimento em relação a Ryoto, a quem o destino decidiu deixar sobreviver ao contrário de Junpei, seu filho favorito e herdeiro da clínica que construiu o seu lar. O facto de Ryoto se ter casado com uma mulher divorciada (e com um filho do antigo casamento) não ajuda a tornar mais fácil a sua aceitação por parte do seu envelhecido pai.
O encontro familiar, que se prolonga durante um fim-de-semana, é passado entre a preparação das refeições e a brincadeira das crianças, aproximando todos os membros da família excepto Kyohei. Este nunca conseguiu superar a morte do seu filho favorito, vendo assim a sua restante descendência como fracos substitutos para o seu verdadeiro herdeiro.
“Andando” é assim um relato prolongado sobre as tensões existentes no seio desta família, sobre ressentimentos que se guardam durante anos sem se falar, sobre diferentes maneiras de superar a tragédia. Hirokazu Kore’eda pinta um quadro de emoções subtis e complexas, que o espectador descobre capa por capa, à medida que se familiariza com os rituais, hierarquias e opiniões dos personagens que compõem a família. Há drama e humor, sarcasmo e honestidade, respeito e desdém: um retrato emocional tão complexo que talvez seja necessário ser japonês para o entender na sua plenitude.
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