Cinema Paraíso

Million Dollar Baby - Sonhos Mais que Alcançados

Antes de mais, deixem-me dizer-vos que toda a vida, não sei porquê, detestei o Clint Eastwood. Penso que desde o Detective machão de Dirty Harry que o homem sempre me irritou. Também é verdade que vi esses filmes quando era mais nova e não compreendia a acutilante crítica à sociedade ocidental que os mesmos se revertiam camufladamente, mas não sei porquê desde aí que os filmes de Eastwood nunca me entusiasmavam…

Até que surgiu Mistyc River e o seu desesperante papel de fugir da própria vida, do próprio destino, fugir dos erros que temos de cometer, porque a vida nos prepara ciladas. Aí Eastwood conquistou-me! Alguém que eu achava profundamente americano, no mau sentido do termo, conseguiu comover-me e dirigir actores de uma forma sublime, como quem verdadeiramente sabe o que faz e sabe fazer cinema!

E depois de Mistyc River já me ter conquistado, eis que surge Million Dollar Baby. Se já existia perfeição na linguagem cinematográfica, para mim esta foi levada ao extremo com a união do argumento de Paul Haggis, o jogo de sombras da fotografia de Tom Stern e a sublime mão de Clint a orquestrar tudo, inclusive duas actuações brilhantes de Hilary Swank e Morgan Freeman.

Revi o filme há uns dias na RTP e o impacto foi o mesmo do primeiro dia. O filme conquista-nos com uma estória de boxe, de um sonho que se alcança, de sonhos que se alcançam, depositando a esperança numa pessoa que amamos e depois transforma-se em muito mais do que isso.

Como Eastwood disse, esta é estória de amor! A contenção dos actores, a luz que só muda quando o filme sofre a sua reviravolta e passa desta feita a iluminar mais as personagens, pois os sentimentos são mais visíveis, estão mais à flor da pele, o amor transparece em cada gesto, em cada lágrima contida, em cada grito que não se ouve.

Numa breve referência às magnificas interpretações do filme, gostaria de dizer que Morgan Freeman faz um dos melhores papeis da sua vida, usando o underacting da forma mais inteligente que já vi, quase não actua, vive, respira, pouco fala e rouba cada cena, sem que tenhamos a visão de como ele consegue fazer isto. Já Clint Eastwood afasta-se completamente da imagem de Durão, de herói dos seus filmes clássicos e é aqui o anti-herói mais anti-herói que podemos imaginar. Um homem perseguido pelos seus pecados, que afasta o amor, com medo de que este o deite abaixo na sua arrogância que é apenas uma capa para as suas feridas. Hilary é Maggie, é a menina da roulotte, que tem um sonho, que luta por ele, que, tal como Morgan refere quando apresenta a sua personagem, grew up knowing one thing: she was trash, mas emerge do seu destino e toma-o nas suas mãos, deitando-nos por terra em cada round.

Um filme magnifico, que a Academia teve, finalmente, a coragem de premiar condignamente. Nada me deixa mais feliz do que um bom filme, aquele em que não é preciso dizer muita coisa para que o espectador perceba tudo! Tomem particular atenção aos jogos de sombras quando Maggie e Scrap se encontram, assim como quando Frankie se rende a Maggie.

Mo cuishle! Assim se faz bom cinema!

Ah e já agora, não poderia deixar de fazer um breve comentário à tradução do titulo do filme para português. O filme chama-se, no original, Million Dollar Baby e algum esperto ou esperta, não sei, se lembrou de lhe chamar Sonhos Vencidos, como subtítulo, claro, para não ferir as susceptibilidades de quem gosta dos nomes originais dos filmes, porque são os próprios dos envolvidos na criação destes que os escolhem… Enfim… Aqui não há sonhos vencidos, nem existem vencedores, existe apenas a concretização de um sonho, a luta incessante pelo mesmo e a certeza de que este foi cumprido!



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