“Mommy”
A força impiedosa da esperança
Assistir a Mommy é aceitar afastarmo-nos do mero papel de espectadores para sermos antes testemunhas de uma implacável sequência de cenas dramáticas, brutais e impactantes, bem típicas da estética realista vigente.
A premissa inicial lança-nos de imediato para um lugar conturbado: tudo se passa num Canadá onde impera uma lei que permite aos pais de jovens problemáticos ‘ver-se livre deles’, internando-os em hospitais psiquiátricos sem qualquer dificuldade ou entrave moral. Aqui começa a história que aborda a vida da viúva Diane (Anne Dorval) e do seu filho Steve (Antoine Olivier Pilon), um jovem que sofre de hiperatividade e DDA: Distúrbio de Défice de Atenção. Este último imprime uma atroz agressividade ao seu comportamento, característica que o incapacita de desenvolver uma relação saudável com o mundo.
Assim se enquadra o enredo principal do filme que, artisticamente, se projeta numa janela 1:1, quadrada, que serve não só para brincar com as nossas concepções de cinema, mas sobretudo para que no vazio existente no grande ecrã possa aflorar em nós toda a claustrofobia, sufoco e aperto vividos pelos próprios personagens. Uma estética irrepreensível que impacta, hipnotiza e chega a ferir pelos detalhes que nos obriga a engolir sem que nos seja oferecido um copinho de água a acompanhar.
Isto implica voltarmos a dizer que este filme não é para espectadores. E sentimos isso logo nos momentos iniciais, quando caminhamos sobre a água para resgatar Steve da expulsão da clínica onde inicialmente estava internado. A mãe, mesmo estando desempregada, resolve aceitar tomar conta dele, ainda que sob o pré-aviso da vincada faceta comportamental violenta e autodestrutiva de Steve. Da urgência do amor nasce um sentimento de esperança e se de quando a quando assistimos a um atenuar da resistência do filho em aterrar pacificamente na margem certa da vida, noutros momentos somos visceralmente impactados com o som dos paraquedas que se fazem eclodir no ar.
A ajuda chega de onde menos esperamos. Do outro lado da rua, corre uma brisa que inicialmente nos desconcerta e incomoda pela estranheza que a envolve. Ela é Kyla (Suzanne Clement), a vizinha que sofre de gagueira e que sublimemente deixa adivinhar que em tempos experienciou um trauma semelhante ao da família da casa em frente. Esta decide tomar as rédeas da árdua missão de educar Steve e é então que o filme nos leva por uma aventura onde a sequência de capítulos parecem agora dialogar com onírico e o surreal, realçando o encantamento e o poder transformador que ainda conservam as (verdadeiras) relações humanas.
Um profundo poder transformador é também o que podemos atribuir a este Mommy, através do qual Xavier Dolan nos atropela violentamente com a força impiedosa da esperança e com isso a que chamamos amor de mãe.
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