Playlounge | “Pilot”

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Anos 90: ainda mal acabaram e já aí estão outra vez

Se por um lado a ideia da história ser cíclica é romântica e nietzscheziana, por outro lado não passa duma desculpa preguiçosa para a repetição. No respeitante à música, o caso é ainda mais grave, já que cada vez mais alastra o número de bandas novas, na maioria facilmente “esquecíveis”. Certamente não estaremos longe do dia em que haverá mais “músicos” (uso o termo levianamente) do que ouvintes.

Se nos últimos anos sofremos a recuperação musical dos anos 70 na área do rock, e dos anos 80 na área do pop e da electrónica, recentemente tem-se assistido a uma recuperação descarada dos anos 90. Só por si, isto poderia não ser um facto negativo, nem mesmo implicar nada de específico, mas dos anos 90 dificilmente veio algo que se possa considerar um som típico. A menos que o grunge seja considerado, mas as diversas bandas associadas com este som pouco ou nada têm em comum, ou não existisse durante anos uma clivagem marcada entre fãs de Nirvana e Pearl Jam, tantas vezes materializada na forma de pregões do extinto jornal Blitz.

No entanto, a haver uma característica comum às diversas bandas que se formaram e atravessaram a década, será sem dúvida a parede de guitarras, muitas vezes lo-fi, que mascarava a delicadeza das melodias. Essa descrição seria tanto aplicável a bandas shoegaze, como os My Bloody Valentine, como aos Nirvana. De forma mais ou menos marcada, essas bandas tinham também em comum um certo charme punk, do qual seria certamente impossível escapar, na era em que a música possuía significado profundo, muitas vezes devido ao esforço envolvido tanto da parte de quem tocava como de quem ouvia.

Já cantava José Mário Branco “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, e aqui estamos, volvidos mais de 20 anos desde o início de 1990, a assistir a uma recuperação da sua história musical. E isso traz-nos ao assunto em causa; uma banda, formada há 4 anos, baptizada Playlounge. Se para descrever uma banda o ideal é recorrer a adjectivos ao invés de comparações, neste caso cairei na minha própria armadilha, já que a primeira coisa que os Playlounge me fizeram recordar foram os No Age, que por si só já me recordavam os anos 90, mas que pelo menos tiveram o mérito de serem dos primeiros a viajar até esse período. Será isso negativo? Sim e não. Sim, porque a música deve inspirar e não recuperar directamente, e não, porque todos os dias novas pessoas começam a ouvir música e necessitam de um ponto de partida.

Tal não significa que os Playlounge sejam uma má banda ou não saibam tocar, mas implica que caíram nos mesmos erros da maioria dos grupos musicais da actualidade. Em primeiro lugar, recuperaram somente a estética, sem apreço pelo espírito da época, o que será mais sintomático da era em que vivemos do que das pessoas que compõem a banda; mas quem quer ficar para a posteridade deve ter uma identidade vincada, independentemente do preço a pagar. Outro dos problemas, também recorrente na música do século XXI, é claramente a impossibilidade de fugir do sentimento digital que preenche a audição, algo que acontece sobretudo porque as bandas perderam a capacidade de errar quando gravam. Não erram porque raramente se utilizam métodos de gravação que não envolvam computadores, e sobretudo porque existe uma obsessão pela perfeição e limpeza. Mesmo quando o som pretende ser sujo, como é o caso, a sujidade é apenas uma camada superficial; não chega ao coração e alma da banda. E a verdade é que a imperfeição empresta humanidade à música, e para sobreviver ao teste do tempo há que viver na corda bamba, não no conforto da era digital.

O lugar de Banda do século XXI, como os Radiohead, Nirvana ou Guns’n’Roses o foram no século passado, ainda está por preencher, mas parece cada vez mais difícil que tal venha a acontecer.

Não obstante, “Pilot”, o disco de estreia dos Playlounge, é uma audição válida, particularmente para quem não está familiarizado com as últimas décadas do rock, e sobretudo com bandas mais obscuras dos anos 90. Para os outros, não passará certamente de mais uma banda, que no espaço de alguns meses terá caído no esquecimento, para dar lugar ao novo sabor da semana.



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