“Gosto Disto Aqui” | Kingsley Amis

“Gosto Disto Aqui” | Kingsley Amis

Portugal pelos olhos de um brit

Em 1975, numa entrevista ao “The Paris Review”, Kingsley Amis confessava que “Gosto Disto Aqui”, romance saído da sua pena no ano de 1957, tinha sido escrito por maus motivos. “Uncertain Feeling” havia chegado às prateleiras dois anos antes e, talvez temendo a aproximação de um bloqueio criativo, Amis pegou nas suas memórias sobre o tempo passado em Portugal, juntou-lhe uns pozinhos de mistério policial e avançou para a escrita do terceiro romance, que foi recebido com desinteresse por parte dos críticos: “it`s really a very slipshod, lopsided piece of work”, referiu Amis nessa mesma entrevista concordando de certa forma com o que então se escreveu.

A história reza mais ou menos assim. Garnet Bowen é um antigo jornalista, autor de um único e obscuro livro, que trabalha como freelancer escrevendo artigos avulsos e dando algumas conferências pagas. Quando a mulher e a sogra o convencem a aceitar um trabalho que implica passar uma bela temporada num País do sul da Europa, depressa fica acertado o local de destino: o sul de França é demasiado caro, em Espanha há demasiadas touradas e arrogância e, quanto a Itália, está pejada de velhas igrejas e museus e galerias de arte a cair de podres. Sobra então Portugal, descrito desta forma por Hyman, o empregador de Bowen: “Tem montes de sol, não está invadido por ianques e ingleses. E é barato como o raio. E o poeta nacional deles foi posto na gaveta já no século dezasseis ou coisa que o valha e desde então não se passa nada”. A verdadeira missão de Bowen é, porém, bem diferente de escrever apenas um moderno artigo de viagem. Cabe-lhe investigar a identidade de um escritor misterioso, em vésperas de ser editado o seu mais recente livro, para confirmar se não se trata de um embuste.

Para um leitor português, mesmo que este não seja um dos livros mais recomendados da obra de Kingsley Amis, é deveras curioso ver a forma como um inglês de boas maneiras, com a sua dose bem servida de snobismo, xenofobismo cultural e alheamento pela causa familiar, olhava para a Lusitânia em meados do século XX, com Salazar no poder e a ditadura num dos seus pontos mais altos.

Bebe-se ginginha – “uma espécie de aguardente de cereja cheia de octanas” -, critica-se o português que se torna rico – “limita-se a gastá-lo com o maior espalhafato, enchendo a mulher e a amante de diamantes e casacos de peles, e coisas assim, e transformando os filhos em fedelhos mimados…” – e as suas manobras em fazer os filhos escapar à tropa – “… irão subornar um médico qualquer em voga para lhes arranjar um certificado de inaptidão. Imaginem se isso acontecesse em Inglaterra. Até a vossa rainha entrou para o serviço militar feminino” – ou, para descomprimir, discute-se um objecto estranho, que parece habitar em quase todas as casas-de-banho portuguesas – “Há uns anos surgiu uma nova lei que determinava que todas as casas-de-banho e lavabos tivessem um bidé. Penso que Salazar deve ter tido um amigo que os fabricava”.

Por muito que o tempo ande para a frente, há coisas que não mudam (pelo menos neste rectângulo à beira-mar plantado).

Uma edição Quetzal



There are no comments

Add yours

Pin It on Pinterest

Share This