“Terras do Demo” | Aquilino Ribeiro
Há um pote de ouro no final da travessia
Na carta a Carlos Malheiro Dias, que serve de prólogo a “Terras do Demo” (reedição pela Bertrand este ano), Aquilino Ribeiro trata de preparar o leitor para o que se vai seguir, contando que «a acção decorre naqueles lugares onde a lenda se exprime ainda deste jeito: “Uma vez um homem travou do bordão e partiu a correr as sete partidas do Mundo. Andou, andou, até que foi dar a uma terra de que ninguém faz ideia: a gente comia calhaus e ladrava como os cães”.»
Aquilino quis, neste livro, homenagear as «aldeias montesinhas que moram nos picotos da Beira, olham a Estrela, o Caramulo, a cernelha do Douro e, a norte, lhes parece gamela emborcada o monte Marão. O vale, que as explora, trata-as dispicientemente por Terras do Demo.» O resultado é um livro denso, onde a um perfume vocabular se juntam palavras trazidas do mundo regional. Porém, para aqueles que forem mais persistentes, será como encontrar o pote de ouro depois de uma longa travessia por uma cordilheira montanhosa com o arco-íris à espreita.
Muitas vezes, a voz do narrador confunde-se com as das personagens, como se o próprio escritor se assumisse como um aldeão entre aldeões, descrevendo, narrando ou comentando os assuntos mundanos que vão na cabeça de todos. As referências a entidades divinas são uma constante, ainda que essa religiosidade seja vivida através do seu lado popular, reflectido na tradição e em muita crendice.
«…Barulhenta, valerosa, suja, sensual, avara, honrada, com todos os sentimentos e instintos que constituíam o empedrado da comuna antiga», descreve desta forma Aquilino Ribeiro a vida numa aldeia serrana. Agora que 1918 está quase a um século de distância, terão estas «terras bárbaras», situadas longe do tumulto civilizacional, abandonado o seu lado primitivo?
Uma edição Bertrand
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