10 anos da Mala Voadora e do Mundo Perfeito
Uma primeira semana em Boas Companhias!
‘Um dia vamos poder assistir gratuitamente a 10 horas de cultura, música, teatro…’. No dia 26 de Outubro isto aconteceu, mesmo. Uma maratona cultural que serviu o propósito de comemorar os 10 anos da Mala Voadora e do Mundo Perfeito/ Tiago Rodrigues, que teve lugar no Teatro Maria Matos por também este ter 44 bons motivos de comemoração. Isso mesmo, já são 44 anos de MM!
Uma proposta ambiciosa para um aniversário que não se quis deixar passar despercebido, já que nos dias que correm os apoios ao teatro são uma parte bastante reduzida do orçamento do Ministério da Cultura. E este segundo, o ‘orçamento para a cultura’, também não é particularmente redondo. E por isso, estas duas companhias, que em tanto têm contribuído para o panorama do teatro contemporâneo português, quiseram ter, contrariamente ao orçamento, um aniversário bem redondo. E, como prova das enormes maratonas que correm e a partir das quais têm conseguido singrar dentro e fora de portas lusitanas, ofereceram-nos isso mesmo. Uma maratona, que em nada teve a ver com esforço, e que até teve direito a um tecto cheio de balões!
Entre as 16h00 e as 2h00 estiveram em palco mais de 60 artistas, numa maratona performativa que multiplicou o Teatro Maria Matos por tão mais do que 10 palcos e recebeu artistas das áreas da performance, da dança, da música, do teatro, e até das artes visuais. Peças inteiras, outras em fragmentos, instalações, arte, concertos e karaokes, projecção de vídeos, jogos de raquetes, campistas em fato-de-banho, leituras, espectáculos de dança, espectáculos de magia… De facto, se inicialmente esta podia parecer uma ideia louca, o resultado foi mais que isso. Muito mais.
O(s) espectáculo(s) tiveram início com o subir ao palco de 15 artistas da Companhia Maior que, do topo dos seus orgulhosos mais de 60 anos, revisitaram a história e os marcos relevantes da última década e dos 10 anos de vida das duas aniversariantes. A história das Companhias foi sendo introduzida por entre episódios que nos iam roubando gargalhadas como é exemplo a já eternizada frase ‘¿Por qué no te callas?’ ou o (importante) facto de os Morangos com Açúcar terem liderado o top de audiências, bem como se foram contando pormenores da vida política portuguesa com apontamentos de inteligência e sarcasmo, como é exemplo o facto de as escutas de Sócrates terem sido eliminadas do processo Face Oculta ou ainda a nacionalização do BPN.
Gonçalo Waddington cozinhou panquecas durante 10 horas (!), Isabel Abreu cantou fado em modo karaoke com o próprio Tiago Rodrigues e até Rui Horta regressou aos palcos com um momento forte e marcadamente emocional. Em palco estiveram ainda a dupla de actores Ana Borralho & João Galante, o designer Jerónimo Rocha, os escritores Jacinto Lucas Pires e José Luís Peixoto, o dramaturgo Chris Thorpe e mais actores e mais cantores e mais artistas e tantos mais que seria absolutamente esquizofrénico estar aqui a recapitular um-por-um.
E o mais emocionante de tudo isto? É que foi um dia, único. Nada do que ali aconteceu, em palco e fora dele, se repetirá. Fez-se arte. Num registo único, intenso, e irrepetível.
E porque a ambição das aniversariantes não encerra aqui, ao longo de 5 semanas o Teatro Maria Matos será (está a ser) invadido por programa vastíssimo de espectáculos das duas companhias, que arrancou com a exibição do espectáculo ‘Tristeza e alegria na vida das girafas’ no dia 30 de Outubro. A Rua de Baixo foi assistir, e pode-se dizer que a peça pode estar bem orgulhosa pela sala cheia que a esperava!
‘Tristeza e alegria na vida das girafas’ conta a história de uma menina de 9 anos que não é bem uma criança. É antes protagonizada por uma actriz adulta que entra na idade mental de uma criança dessa idade tendo como suporte um texto brilhantemente bem escrito. A isto junta-se-lhe a particularidade de falar como se fosse um dicionário. Estranho? Imaginem uma criança que vive a produzir significados, e a atribuir sinónimos, e a descrever tudo o que encontra e que vai descobrindo em seu redor. É assim que a Girafa – que se chama assim porque ‘a mulher que era sua mãe’ achava que ela era alta demais para a sua idade – nos vai contar o que é mundo através do seu imaginário infantil e da sua maneira tão própria de experienciar as coisas. E, a acompanhá-la nesta aventura, estará Judy Garland. Um urso de peluche de nome Judy Garland, que gostava de se ter chamado Tchekhov. Ou talvez Spartacus. Ou mesmo Spartacus Tchekhov.
Num registo totalmente novo e original, esta é uma peça que nos lança um extraordinário apelo à imaginação e que, por entre um fabuloso trabalho de sons, contagia, prende, e diverte até ao último minuto.
E porque não conseguimos deixar pela metade a primeira semana de comemorações destes 10 anos, regressámos ao Teatro Maria Matos no dia 1 de Novembro, para vermos ‘Overdrama’, uma peça construída a partir do texto de Chris Thorpe pela Mala Voadora.
A peça tem como pano de fundo uma série de cenas soltas, que se contam por entre diferentes cenários, e que retratam pequenos conflitos e problemas, conjugais e familiares, das crises e por causa delas. No ar paira um clima de instabilidade e agitação social que nos é apresentado de uma forma fragmentada, repartido por entre pequenos retalhos de histórias. É o quotidiano, o deles e o nosso, contado através de complexas peças de puzzle. Histórias que aparentemente não se cruzam mas que, ao final de contas, pertencem ao mesmo enredo. Um enredo que tão bem conhecemos, que é de todos nós. A necessidade de alterar algo nas estruturas sociais. A necessidade de agitarmos o poder. Aquela que nos arde nas mãos, e que vai rebentar nas deles.
Uma obra nas quais as intenções de crítica e de sátira social se aliam a um enredo pautado por situações de um humor refinado e incapaz de deixar alguém indiferente.
E, indiferentes, é o contrário do estado com que abandonámos o Teatro Maria Matos, após três dias fantásticos com a(s) melhore(s) Companhia(s)!
Aos leitores da RDB, ainda há muito para ver até ao final do mês! Consultem a programação e aproveitem.
É que Companhias destas não costumam abundar!
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