20º Festival Curtas Vila do Conde
Vinte anos imarcescíveis
“The Invader”, de Nicolas Provost, foi o aperitivo de pulcritude no arranque da 20ª edição do festival Curtas Vila do Conde, que este ano tem em competição 18 filmes nacionais, 35 internacionais e 21 experimentais, entre 7 e 15 de Julho. Ainda nesta ocasião, o evento homenageia Stanley Kubrick, consagra Olivier Assayas e Robert Todd, e, para assinalar este aniversário, encomenda oito filmes, quatro a realizadores estrangeiros e quatro a realizadores portugueses, estes últimos numa co-produção entre o festival Curtas e o projecto Estaleiro. Não podemos esquecer os filmes-concerto de que tanto gostamos e que nesta edição trazem Evols, Black Bombaim e o colectivo performativo francês Metamkine.
Amadou. Um homem negro alto e forte, imponente e vigoroso, carismático e fraternal, de olhar intenso e penetrante, com um passado desconhecido e um futuro em Bruxelas por descobrir. Amadou foi a figura central da sumptuosa abertura do festival Curtas Vila do Conde 2012 que este ano está de parabéns pela comemoração da sua vigésima edição.
Parece sumptuosa uma adjectivação exagerada para este filme? Enganam-se. Não, não o é.
Amadou (Issaka Sawadogo) é o protagonista de “The Invader”, a primeira longa-metragem de Nicolas Provost. É o eixo da aporia, a alma de uma experiência e a prova concreta de que o artista visual belga pode (e certamente deve) continuar a produzir filmes de longa-duração.
“The Invader” foi um excelente aperitivo no primeiro dia do Curtas, que soube por uma refeição inteira. Argumento, atitude, essência, fotografia, imigração, história, humor, humanidade, justiça, música, suspense, sensualidade, sexo, trabalho (forçado), vingança, violência…
Um bom argumento, uma excelente fotografia e um hipnótico e sedutor enquadramento sonoro que retratam a imigração e a mão-de-obra ilegal nos países ocidentais.
As primeiras cenas do filme retratam a chegada de imigrantes que dão à costa numa praia de nudistas do sul da Europa. O primeiro plano do filme é a vagina de uma mulher que cruza o olhar com o personagem principal e o prenúncio da sensualidade requintada patente na obra.
No filme, vemos um grupo de homens africanos que trabalham na construção civil durante todo o dia, e à noite dormem em colchões velhos, despidos de lençóis e de roupa lavada, numa cave desenrascada pelo chefe da máfia que mora no andar de cima com todas as comodidades.
Amadou é um africano irreverente, que se revolta depois do desaparecimento de um amigo doente que vivia nas mesmas condições que ele e que terá sido levado pelos mafiosos devido ao seu estado moribundo. Foge da rede à qual estava subjugado e começa a viver a entropia do dia-a-dia numa cidade alheia. Perto de onde residia avista uma mulher da alta sociedade, a quem acaba por perseguir, conhecer e tentar invadir a sua vida.
“The Invader” podia ter sido um filme de cariz experimental, mas em vez disso coloca o foco sobre uma história que cruza a necessidade de sobreviver, com a de se relacionar e de amar.
Nicolas Provost saiu-se bem melhor do que o seu colega artista visual Romain Garvas, que no ano passado lançou também a primeira longa-metragem “Notre Jour Viendra”, não tendo, no entanto, conseguido atingir o nível de qualidade de Provost. Na verdade, ficou bem aquém…
O primeiro fim-de-semana do Curtas já nos deixou com os olhos bem nutridos cinematograficamente.
Poderíamos continuar a descrever o filme de Nicolas Provost, mas vamos passar para a restante programação que o Curtas tem para oferecer.
Stanley Kubrick
O cineasta americano, falecido em 1999, é a figura homenageada nos 20 anos do Curtas com uma exposição no Centro de Memória e Solar, Galeria de Arte Cinemática, através de obras relacionadas com o trabalho de Stanley Kubrick de autores nacionais e internacionais, sendo eles: Graham Gussin, Johan Thurfjell, Nicolas Provost, Sheena Macrae e, dos portugueses Pedro Tudela, Miguel Soares, Alexandre Estrela, João Tabarra e João Onofre.
A programação do festival introduz também “2012 Odisseia Kubrick”, secção que inaugurou no passado sábado, 7 de Julho, com “A Clockwork Orange”, seguida de “Room 237”, de Rodney Ascher, documentário sobre “The Shining”, o famoso filme protagonizado por Jack Nicholson.
Para além disso, Jan Harlan, cunhado de Kubrick que trabalhou directamente com ele, veio ao festival exibir “Stanley Kubrick, A Life in Pictures” e presidir a uma masterclass.
Da Curta à Longa
Laurent Aschar mostrou um registo diferente daquele exibido até então. Inserido na secção “Da Curta à Longa”, o realizador francês trouxe-nos “La Dernière Séance”, uma história que explora o comportamento obsessivo-compulsivo de um jovem perturbado por um trauma de infância, cuja mãe queria que o filho se tornasse numa grande e famoso actor.
É a história de um rapaz que trabalha num cinema, vende bilhetes e projecta os filmes, mas que por não ter conseguido superar uma cena que ensaiava com a mãe em pequeno: retirar um brinco da sua orelha, passou o resto da sua vida a reproduzir essa cena com diversas vítimas jovens mulheres, tirando os brincos, assim como as suas orelhas…
Dernière séance Bande-annonce por toutlecine
Dentro da secção “Da Curta à Longa” contamos também com Helvécio Martins Jr, Apichatpong Weerasethakul e Adrian Sitaru (“Best Intentions”, Sábado, 14 de Julho, Sala 1, 23:00).
Olivier Assayas
Olivier Assayas é um realizador francês que viu nesta edição uma retrospectiva dedicada ao início da sua carreira entre os anos 80 e 90. Consagrado na secção “In Focus”, assim como Robert Todd, veio a Portugal falar do seu trabalho e confessou que, antes de se iniciar no cinema, a música e as décadas que acompanharam a sua juventude foram uma grande influência.
O movimento punk dos anos 70 e o DIY que daí surgiu tiveram igualmente peso nas suas acções, porque, naquela altura, tanto músicos, como por exemplo os Sex Pistols ou The Ramones, e cineastas lançavam-se a tocar e a filmar sem conhecimento técnico algum.
Olivier Assayas faz parte de uma geração que sentia que tudo era possível e o know-how era algo que viria depois de se experimentar. Admite, inclusive, que quando começou a filmar sabia muito mais de música do que de cinema, e considera os seus primeiros filmes uns verdadeiros desastres.
No entanto, a música sempre foi para si uma uma inspiração, não no sentido de criar bandas sonoras, mas sim referindo-se à musicalidade que determinou o seu trabalho. É fascinado pelo cinema asiático, tendo colaborado com actores com quem era difícil comunicar porque não falavam a mesma língua, e admite que sem um ouvido musical e, sem essa tal musicalidade ligada ao argumento, à expressão e à gravação, não teria sido possível desenvolver a sua obra com o diálogo que finalmente conseguiu atingir.
A obra de Olivier Assayas estreou-se no serão de Sábado passado, 7 de Julho, com “Noise”, documentário sobre o festival Art Rock, feito em colaboração com membros da banda Sonic Youth.
Já a tarde de Domingo, 8 de Julho, trouxe-nos “Désordre” (1986) e três fantásticas curtas (“Winston Tong en Studio”, “Rectangle – Deux Chanson de Jacno” e “Quartier des Enfants Rouges”) seguidas de uma masterclass/conversa com realizador conduzida por João Lopes.
Olivier Assayas já regressou a Paris mas deixa-nos ainda com “L´Eau Froide”, filme de 1994 a ser exibido no próximo fim-de-semana (Domingo, 15 de Julho, Sala 2, 17h00).
Falaremos no próximo resumo dos filmes encomendados pelo Curtas a realizadores estrangeiros: “O Canto da Rocha” de Helvécio Martins Jr., “O Milagre de Santo António”, de Sergei Loznitsa, “Land Of My Dreams”, de Yann Gonzalez e “Reconversão” de Thom Andersen, uma investigação sobre a arquitectura de Eduardo Souto Moura; e a realizadores portugueses: “Cinzas”, de Pedro Flores, “Um Rio Chamado Ave”, de Luís Alves de Matos, “A Rua da Estrada” de Graça Castanheiro (sobre o livro homónimo do geógrafo Álvaro Domingues) e “Obrigação”, de João Canijo (estes quatro últimos numa colaboração com o projecto Campus/Estaleiro).
Ainda do realizador Robert Todd, dos filmes-concerto de Evols com projecções de Robert Todd, do grupo Black Bombaim que exibe “Titans, a Cinematic Experience”, da performance do colectivo francês Metamkine e, obviamente, da competição cujos resultados saberemos no próximo fim-de-semana.
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