Festa do Cinema Italiano

Viva la libertà

Quando o medo é a música da democracia

A festa da família, 8 ½ Festa do Cinema Italiano, deu oficialmente o seu pontapé de partida no dia 10 de Abril, no Cinema São Jorge. Muitos foram aqueles que não quiserem faltar à sessão de abertura e que encheram praticamente a sala. Com os devidos atrasos, típicos de qualquer país do Mediterrâneo, e depois de pequenos momentos discursivos, o público foi presenteado com deliciosa sátira política que não podia ter vindo em melhor altura. Os ânimos foram descomprimidos e não faltaram gargalhadas ao longo dos 100 minutos de duração do filme.

Quando falamos de coisas sérias e pesadas como a crise de toda uma classe política e do país que este é suposto representar, por vezes é difícil encontrar um balanço adequado. Nos dias de hoje, considerando o panorama social e económico, provavelmente tender-se-á a recorrer à retórica e à recriminação, ou pior, à farsa e ao grotesco, registos que acabariam por tornar menos significativo o objectivo inicial do filme. Falar do assunto com alguma ligeireza não significa superficialidade, mas através de um olhar clínico, irónico, capaz de penetrar profundamente no coração das coisas e de encontrar um terreno comum sobre o qual podemos comunicar novamente é, talvez, construir algo diferente.

Inspirado vagamente em Fu Mattia Pascal de Luigi Pirandello, – envolto numa aura pirandelliana quer no tom, quer no tema – mas também em La pecora nera, um filme do final da década de 60, a obra de Roberto Andò torna-se uma reflexão política sem se tornar capciosa. Muitos serão aqueles familiarizados com os primeiros trabalhos do realizador, – Sotto falso nome, de 2004 e Viaggio segreto, em 2006 – poucos serão os que desconhecem o seu talento enquanto romancista. Em 2012, publicou o romance que viria a servir de base a este filme.

Ao decidir contar a história levando-a directamente das páginas do seu romance para o grande ecrã a mesma torna-se numa grande ilusão de um desejo, numa expectativa de que, provavelmente, nunca se irá tornar numa realidade senão no universo cinematográfico. O realizador joga com a oportunidade e o privilégio de ter uma classe dominante com uma mente clara e uma paixão por algo presente na sua vida, um devaneio que não transporta o peso de expectativas, mas a leveza de um jogo de espelhos encenado por Toni Servillo, que dá corpo, voz e expressão a duas personalidades diferentes, mas deveras complementares, que apenas pode existir nesse mundo próprio.

O actor napolitano, que certamente não é nenhum novato no que toca à interpretação do poder, deixou desta vez a sua alma guiá-lo através de uma representação meio teatral, tentando e conseguindo arrastar consigo, nesta aventura íntima, o espectador. Nunca superior em termos de gravidade, bem como na leveza do tom, Toni Servillo, joga com as mudanças subtis dos olhares, gestos, peculiaridades vocais. As diferenças entre os seus dois personagens representam o colmatar do fosso que separa o homem da essência humana, entre a saúde mental e o sucesso do fracasso. Tudo porque a realidade se modifica e opta por novas perspectivas dependendo dos ângulos pelos quais está a ser observada.

Embora o filme conte uma história quase impossível, o cinema consegue uma vez mais dar-nos tudo aquilo que precisamos através da sua magia: uma lufada de ar fresco e uma sábia loucura que varre a atmosfera esfumaçada e claustrofóbica que reina nos meandros do poder, reabrindo assim o caminho para a verdade e esperança.

Viva la libertà é uma comédia política que consegue o mérito de colocar um conjunto de questões fundamentais sobre a relação político-cidadão e sobre as condições de retorno da confiança nos órgãos de poder. Por entre um ambiente de mau-estar e diálogos inteligentes, o filme recorda a importância de restituir esperança a uma sociedade, deitando a baixo mitos e humanizando os políticos ao demonstrar que eles não devem hesitar falar a verdade, de expressar as suas dúvidas e recusar o poder pelo poder ou alianças contra a sua natureza.



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