É Isto #3
Se eu não dissesse que era o fim
Que é feito de ti? Faz tempo que não te vejo. Às vezes parece que não lembro a tua cara, puxo pela cabeça, choro. Depois surge, como uma imagem fugidia, a tua barba ruça, o cabelo muito chegado à cabeça, o teu jeito de andar. Mentia se dissesse que sinto a tua falta. Habituaste-me assim. Apetece-me agradecer-te por me teres obrigado a deixar-te. Às vezes tenho a certeza que te vejo no passeio ao lado: a mesma roupa, o mesmo caminhar, só a voz nunca é igual. Nunca és tu também. E que farias se me visses? Corrias para me apanhar? Acenavas? Davas-me um abraço? Às vezes preciso do teu abraço, era diferente, eu lembro-me, não me esqueço. Mas há coisas que eu sei que vou esquecer, como tu. Um dia não saberemos da vida um do outro, nem do número de telemóvel, a comida preferida ou a data de aniversário. O que temos são memórias e essas, tu sabes, acabarão por desaparecer, perdem-se aos poucos, como nós nos vamos perdendo um do outro. Talvez seja mesmo assim. Podia telefonar-te agora mesmo, dizer-te que te perdoo, pedir-te desculpa por qualquer coisa, mas não faço. É tarde e não vale a pena. Sabes, lembro-me muito de ti quando cozinho. A sério, é verdade. Ou quando oiço músicas que me mostraste ou revejo filmes que me deste. Como aquele, tão bonito, que falava de encontros numa estação de comboios. Que é feito de ti? O meu pai mandou-te um abraço, há dias. O Bz. corre à minha volta, sim, está na mesma. Deixei a minha casa, não sei se te disse. Ainda não conheces a nova, talvez nem venhas a conhecer. Ainda sei onde vives e sempre que passo lá perto olho de soslaio para o teu prédio, como se fosse proibida de o fazer e estivesse a infringir uma lei. Está bonito. Foi pintado, não foi? Manda cumprimentos aos teus pais, diz-lhes que… não, não digas nada. Tem uma vida boa, é o que eu te peço. E obrigada por teres cuidado de mim.
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