“4,3,2,1” de Paul Auster
Instantes decisivos
São poucos os amantes de literatura que ainda não tiveram o prazer de folhar uma obra do norte-americano Paul Auster. Entre trabalhos que deambulam entre o romance e a poesia, o escritor também já experimentou territórios da não-ficção como o são, por exemplo, a coleção de textos apelidada de The Red Notebook ou Da Mão Para a Boca, este último de cariz (auto)biográfico que nos remonta para os seus primeiros anos, e dificuldades, enquanto jovem escritor.
Décadas depois, com a América sobre a “égide” de Donald Trump, Auster embarca talvez na mais ambiciosa das suas aventuras literárias e faz nascer 4,3,2,1 (Edições Asa), um pensamento divergente com cerca de 900 (!) páginas que versa sobre qual a nossa verdadeira motivação, também conhecida por liberdade de escolha, o que faz com que sigamos uma direção, rejeitando as restantes, e que futuro abraçamos ao recusar caminhos que nos foram oferecidos face à finitude de uma única vida.
Difícil de catalogar, 4,3,2,1, transcende géneros e assume-se muito mais que uma simples “biografia”. No centro da narrativa está Archibald (Archie) Fergunson, judeu de ascendência russa que nasceu na Nova Jersey do pós-segunda guerra mundial. Assim, o dia 3 de março de 1947 é ponto de partida para se escrutinar a vida do filho único de Rose e Stanley, alma que ganha a possibilidade divina de percorrer quatro caminhos diferentes, vivendo assim quatro vidas paralelas que evoluem a partir de escolhas ou do mero acaso, se é que tal existe.
No roteiro traçado por Paul Auster para os seus Archies, existem pontos em comum mas também diferenças gritantes de personalidade. Ainda que todos gostem de cinema, desporto, política, livros – querem inclusive ser escritores – e jurem devoção a uma mulher, a «magnífica» Amy Schneiderman, as relações pessoais, familiares e afins são intransmissíveis. Similar é antes a presença das pessoas que passam pelas suas vidas e dos acontecimentos que as rodeiam. Apesar disso, a relação que Archie desenvolve com essas pessoas difere e o impacto recebido gera cenários significativamente distintos, principalmente no que à proximidade de Amy diz respeito. É assim que resultam as tais quatro estórias diferentes, ainda que vividas no mesmo espaço temporal, numa linha geográfica similar e com a omnipresença dos (habituais) personagens.
As rotas seguidas por Archie resultam, por vezes, da sorte, ou da sua falta, ou da observação dos elementos, e respetivos comportamentos, que o rodeiam e influenciam. Cada estória, ou fatia de vida, chega ao leitor de forma alternada e assim temos o privilégio de assistir um “tetra acontecimento” construído com pequenos detalhes, pormenores cuja súmula nos fazem chegar à universalidade de processos de 4,3,2,1.
Sim, existem repetições, déjà ju constantes, mas Auster tem o mérito de nos presentear esses episódios “conhecidos” através de visões e perspetivas díspares. O resultado é extremamente positivo no seu todo mas, por vezes, sentem-se algumas pedras na engrenagem e a narrativa teima em fluir pouco. Ainda assim, a genialidade da acrobática prosa de Paul Auster sacode para longe alguns empecilhos na estrutura global do livro. E como a literatura é a base maior deste livro, Auster tem ainda a audácia de colocar num nos seus (nossos) Archie’s a responsabilidade de elaborar uma lista com uma centena de títulos de leitura obrigatória.
Além dos diversos pontos de vista lançados por 4,3,2,1 , a sua leitura é também um desafio que aponta em várias direções. Assumindo-se que ler 800 e muitas páginas pode ser uma árdua tarefa, mesmo para o leitor mais experiente, a simplicidade da narrativa é um fator determinante e encorajador. Existem frases longas, algumas delas compostas por palavras difíceis (existiram algumas fáceis?), mas, mesmo com o peso de segurar tão pesado livro, sentimos um reconfortante controlo. E essa é a sensação que os livros de Auster conferem, um misto de curiosidade e brilhantismo aplicados à arte de escrever uma estória complexa, realista, emocional, por vezes emotiva, que marcará a vida de muitos.
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