A brilhante viagem de Mendoza
Entre os dias 20 e 23 de Janeiro a Zero em Comportamento – IndieLisboa – apresentou na Culturgest a retrospectiva da sónica, mas consagrada, obra do realizador filipino Brillante Mendoza, que nos últimos cinco anos realizou oito longas-metragens reinventando a principal herança do cinema moderno filipino das décadas de 70 e 80.
O percurso impressionante de Mendoza
Já depois dos 40, Brillante Mendoza, trocou a publicidade – onde trabalhava como production designer – e dedicou-se ao cinema, opção à qual todos os cinéfilos convictos terão de agradecer, seja a quem ou a quê, ou teríamos perdido um notável cineasta que consegue, na sua obra, levar-nos ao canto mais recôndito das Filipinas e mostrar-nos aquilo que nunca nenhum guia turístico poderia fazer.
Passadeira vermelha na Culturgest
Quem foi à Culturgest ver os oito filmes, seleccionados e premiados nos principais festivais de cinema, sabe do que estamos a falar, são eles: Masahista [2005]; Manoro [2006]; Kaleldo [2006]; John John [2007]; Tirador [2007]; Serbis [2008]; Kinatay [2009]; e Lola [2009].
No pequeno auditório assistiu-se a cinema e não a documentários. É aí que reside o core do trabalho de Brillante Mendoza: realizador intuitivo, interessado e explorador das histórias do real, dos problemas sociais, dos dramas familiares ou das falhas na justiça. Explora premissas que recuperou do cinema moderno filipino, atribuindo-lhe uma visão totalmente contemporânea, mesmo que decorada com uma forte abordagem popular.
Miguel Valderde, que acompanhou o realizador na abertura da primeira sessão, afirma que “foi muito interessante descobrir este cineasta, os filmes tem uma capacidade invulgar de comunicar com o público e a crítica”. Foi com base nesta premissa que a Associação Cultural assumiu Mendoza como “um autor incontornável” e decidiu trazê-lo a Portugal.
O realizador apresentou cada uma das sessões acompanhado do seu produtor Fernando Lapuz. É precisamente com o seu último trabalho cinematográfico, Lola [2009], que nos recebe e afirma: “estamos muito felizes por estar aqui”.
Avó
Explica-nos que a filmagem de Lola [2009], – galardoado no 6.º Festival de Cinema Internacional do Dubai –,foi muito difícil, no seu país não é muito normal ter pessoas mais velhas no grande ecrã. Esta primeira película é uma história de avós e de netos, conta aquilo que os primeiros passam, a partir do seu próprio ponto de vista, o que considera “muito interessante”. Nesse percurso é vivida de forma bastante real, quase documental, o dia-a-dia de duas avós – Lola Puring e Lola Sepa –, que fazem tudo pela sua família. O neto de uma é acusado de ter assassinado o neto da outra; a primeira faz o possível para conseguir dinheiro suficiente para pagar o enterro do seu neto; e a segunda o possível para conseguir fazer um acordo financeiro com a família da vítima. Todo este drama sustenta-se na debilidade do sistema judicial filipino, que permite que os populares resolvam entre si os crimes, negociando-os e também nas dificuldades que uma pessoa idosa, a viver no limiar da pobreza, enfrenta, bem como a tristeza pesada e sentida destas duas avós – as actrizes são de uma expressão e intensidade avassaladoras.
O Serviço
Para um realizador que se inspira em histórias verídicas, não é difícil imaginar porque é que a história de uma família filipina que reside num cinema pornográfico – negócio de família –, e que ainda hoje, conta-nos Mendoza, “continua a existir”, surge. É esta a história de Serbis [2008], nomeado no Festival de Cannes e nos Prémios de Cinema Asiático, acabou por ganhar um prémio no Festival de Cinema Internacional de Banguecoque. “Cada personagem foi baseado numa pessoa real” e, apesar de parecer um documentário, Mendoza esclarece que o edita para que o pareça, mas que não é. Para Mendoza “há uma linha ténue entre ficção e documentário”. Na sua obra, explica que faz muito trabalho de pesquisa “sobre factos e histórias”, mas que começou por fazer mesmo cinema e nunca fez um documentário. Embora, como nos conta, por curiosidade, Tirador [2007] tenha sido incluído num festival enquanto “documentário”.
Fernando Lapuz, acrescenta que Serbis [2008], “o nosso sexto filme, é muito especial para mim pois foi filmado na minha cidade natal” onde justifica o facto de os actores não parecerem asiáticos: “os actores parecem mais caucasianos, mais americanos, que asiáticos, porque naquela cidade há muitos descendentes de americanos”. E conclui, “estamos muito orgulhosos deste filme”.
John John
Em John John [2007], são visíveis fortes influências femininas, presentes em outras películas do realizador, que explica ser essa é a realidade vivida no seu país natal, “as mulheres têm muita influência nas nossas vidas”, embora, reitera, os filipinos sejam muito “machistas”.
A Execução
Kinatay [2009], premiado no 62.º Festival de Cannes e no Festival de Cinema Internacional de Berlim – e última projecção do ciclo dedicado ao cineasta filipino –, apresenta-nos um “brutal assassínio”. Esta é mais uma história verídica que retrata uma realidade muito presente nos anos 60 e 70, nas Filipinas. Este tema controverso no seu país é, como nos conta um “puzzle, um crime insolúvel e o triste é que estes crimes persistem e nada é feito a respeito disso”, conclui. Com esta reprodução cinematográfica o realizador espera que as autoridades sejam chamadas à atenção.
As Filipinas na Obra de Mendoza
Enquanto estilo de realização é transversal a toda a sua obra a perseguição, com a camera aos personagens, segundo o mesmo é uma forma de “perceber o ambiente em que estão, as suas sensações, as emoções”. Este método estende-se também ao próprio espaço de acção: “cada canto do espaço é apresentado por uma personagem”, e essa é uma “opção consciente”.
No que diz respeito ao casting, o realizador filipino afirma “a maioria dos meus actores são meus amigos” e explica “entendemo-nos uns aos outros”. Mas em Lola [2009], por exemplo, tentou usar actores que não conhecia. Mendoza tenta explicar aos actores a forma como dirige, completamente atípica, “não lhes digo o que fazer, é uma ideia nova e fresca, não os dirijo, isso entusiasma-os”: Em Serbis [2008], por exemplo, “Jewel só foi incluída um dia antes de começar a filmar, não encontrávamos ninguém e alguém a trouxe e ela fez a audição e ficou com o papel”, conta.
Há, na obra de Mendoza, outros símbolos usados frequentemente, nomeadamente as referências e imagens religiosas, “essas imagens fazem parte da nossa vida independentemente de praticarmos ou não”. Em Serbis [2009], as mesmas representam a “contradição e ironia” de uma família católica a viver num cinema de conteúdos pecaminosos e pela promiscuidade instalada pelos clientes.
A água, presente durante todo o filme Lola [2009], acontece porque “fazia parte da estação do ano” e é introduzida enquanto uma realidade Filipina. Para si é importante que tudo o que seja experienciado na realidade do seu país faça parte dos seus filmes. E dá outros exemplos, entre eles, a “vizinha, a cozinha, o barulho, a água e a religião”.
E o fim
Rui Pereira, presente na última sessão, confessa-se orgulhoso, “estamos muito contentes por isto ter corrido bem”. Já Brillante Mendoza, falando também pelo seu inseparável produtor, afirma “os dois amamos a cidade, onde queremos voltar no futuro, uma das melhores cidades onde estivemos”. Agradecem ao público, muitas vezes repetente, com as palavras: “obrigado e espero ver-vos na próxima retrospectiva”. Para nós, que das oito conseguimos assistir apenas a três das obras do realizador – e acreditem que imaginamos perfeitamente o que perdemos nas outras cinco, e isso (quase) dói –, aguardaremos ansiosos por esse dia. Quem não foi que se penitencie pelo cinema brilhante, mas também pela viagem às Filipinas profundas, que Brillante Mendoza nos ofereceu no pequeno auditório da Culturgest.
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