“A Luz é Mais Antiga que o Amor” | Ricardo Menéndez Salmón

“A Luz é Mais Antiga que o Amor” | Ricardo Menéndez Salmón

Uma ode à arte de criar

Três épocas históricas, três pintores distintos e um escritor narrador formam o puzzle complexo do livro “A Luz é Mais Antiga que o Amor”, a penúltima obra do escritor espanhol Ricardo Menéndez Salmón, agora publicada em português pela editora Assírio & Alvim.

Após ter dado voz aos diversos tentáculos do Mal ao longo da aclamada trilogia constituída por “A Ofensa”, “Derrocada” e “O Revisor”, Ricardo Menéndez Salmón liberta-se do pólo negativo que eletrizou os três romances anteriores, para fazer um elogio reflexivo ao pólo oposto em “A Luz é Mais Antiga que o Amor”.  Nesta obra, o escritor e crítico cultural homenageia a arte através de uma polida reflexão sobre o sentido da criação, o lugar da estética, a transcendência das obras e os medos e demónios do criador. Salmón começa o livro com uma novela histórica que se vai imiscuindo no género ensaio onde, numa escrita digressiva, questiona alguns temas vitais à História de Arte.

Em “A Luz é Mais Antiga que o Amor” assistimos ao processo de concepção do livro do escritor Bocanegra, uma espécie de alter-ego do próprio autor, que tece a relação dos pintores Adriano de Robertis (1300-1400), Mark Rothko (1903-1970) e Vsévolod Semiasin (1925-2005), consigo próprios e com as três faces do poder: Igreja, Mercado e Estado.

As três faces do poder

Adriano de Robertis, em homenagem ao seu filho mais novo (a quem ensinou tudo o que sabia sobre pintura), criou uma única obra com um tema que realmente lhe interessava, onde depositou toda a sua expressão de liberdade: o quadro “A Virgem Barbuda”, que foi censurado pela Igreja.

Mark Rothko, o único personagem não ficcionado do livro, insurge-se contra a hipocrisia e a ilegitimidade de quem decide o que é uma obra genial. Para o pintor, é inconcebível haver alguém que decida sobre a forma do artista criar e viver. Aqui, o poder está representado pelo mercado cultural, o mundo das galerias de arte, dos curadores, dos líderes de opinião. A obra abstrata e minimal de Rothko caracteriza esse grito de liberdade através das suas paisagens horizontais repletas de cor. O autor ambicionava pintar o nada e suscitar, no seu público, apenas emoção e não ideias que travassem o sentir.

A pintura do russo Vsévolod Semiansin caracteriza-se pela presença de matéria orgânica nos quadros. O corpo do Homem e a sociedade são representados por resquícios físicos de situações e momentos políticos e sociais. Para Semiansin, a obra era escatológica. Aos 22 anos tem um encontro marcante com o poder estatal, mais propriamente com Estaline, que o intimida dizendo que a Rússia não precisa de pintores mas sim de carpinteiros.

As questões certas

Entramos assim num universo elevado, de ideias, reflexões, sensibilidades descritas, arte, beleza e o sentido da vida enquanto artista; muitas perguntas bem colocadas que não permitem respostas inequívocas.

Sem dúvida que “A Luz é Mais Antiga que o Amor” é uma obra breve mas rica intelectualmente, onde a variedade de personagens com os seus momentos, suas histórias particulares e suas reflexões fazem com que a leitura deslize num misto de prazer e curiosidade.



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