A minha Rua… Dublin
Cidade que não se esforça por agradar ao viajante, mas que reflecte um quotidiano diverso e cativante na O’Connel street, na deliciosa Queen of Tarts, nos livros da Hodges & Figgis; ou bebendo uma Guiness no Phoenix Park.
Tenho a sensação que, quando construíram o aeroporto de Dublin, não pretenderam proporcionar calorosas boas-vindas aos recém-chegados, muito menos ser lisonjeadores relativamente à cidade em si. Está localizado num ponto geográfico específico, estrategicamente pensado proporcionar sempre frio e vento aos visitantes. Mesmo em Agosto….hum, especialmente em Agosto!
Vivo em Dublin há mais de um ano e sei que o primeiro parágrafo parece ligeiramente pejorativo, mas o tom é propositado. Defendo veementemente que as coisas de que mais se gosta e que mais nos marcam não são necessariamente aquelas que nos causam imediatamente boa impressão.
A capital de uma ilha banhada pelo Atlântico e pelo Irish Sea – ou British, dependendo da perspectiva (e encontramos aqui um padrão), no início do século vinte foi parcialmente destruída pelo desejo de independência dos ilhéus. Satisfeito o ímpeto de nação livre da tirania britânica, a custo de muito sangue e muita pólvora, Dublin é um retrato fiel da sua história, não pretende ser nada do que não é e orgulha-se do caminho que percorreu até aqui.
Em O’Connel street a imponência das estátuas de bronze de Larkin, Parnell e O’Connel com mãos gigantes abertas para o ar, fácies de fúria e força contrasta com a incomparável Spire – um espigão de alumínio dantesco que ninguém sabe muito bem para que serve, mas que é gira e reflecte o sol e as nuvens – e o General Post Office com as balas da rebelião cravadas na parede.
É uma cidade de contrastes, que apaixona não pela grandiosidade dos monumentos ou pela oferta interminável de actividades turísticas – o que quer que isso seja efectivamente -, mas pela facilidade com que se entrega, igual a si mesma. Terra de emigração em massa há algumas décadas, a Irlanda economicamente adulta (e principalmente Dublin) globalizou-se rápida e deliciosamente.
Chegaram as cores e as culturas diferentes, deambulam pelas ruas como se delas fizessem parte, juntamente com as meninas do colégio de farda e meias ate ao joelho, as estudantes da Trinity College vestidas de Amy Winehouse, os casais de velhotes irlandeses a beber chá com leite (sempre com leite) no McDonalds e os vendedores de fruta e peixe a fumar e a gritar 15 bananas for one euro!
Gosto de viver no centro de Dublin, em frente ao rio, em cima de uma loja de sapatos. Com a mais elevada afluência de trânsito da cidade a passar-me à porta, fazer uma omelete ao pequeno almoço de sábado que pode muito bem ser partilhado com o autocarro turístico, cujo segundo andar me fica ao nível da janela da cozinha. Tudo está a quinze minutos a pé e a cinco de bicicleta: mercados, o centro, a Queen of Tarts, que faz o melhor crumble de maçã do mundo, o Sin e’, o Anseo e o Shebeen Chic (aka the best Pubs in town)
A Little Italy para beber espressos com a visão adaptada e multicultural da última ceia de Cristo pintada na parede. A Grafton Street com tijoleira vermelha no chão, cheiro a pele das malas Hermès expostas na Brown Thomas, a posh-store com o senhor de cartola e luvas brancas à porta. A Tower records e a HMV para horas intermináveis de cds e vinis. A Hodges&Figgis, livraria paradisíaca de quatro andares e livros ao preço da chuva. O Cornuncopia, que mostra aos carnívoros que a frugalidade sabe bem…O trânsito de pessoas na rua. Os artistas de rua, alguns sem máscara alguma, só a fazer algo que sabem (ou nao), uma espécie de show and tell de chapéu em riste a espera de trocos e sorrisos. Acima de tudo sorrisos.
Sim, o clima é algo de que os Dubliners não se orgulham e, incrivelmente, ainda ficam surpreendidos quando chove. E é verdade o que dizem das ilhas – pode haver quatro estações num dia, o que é problemático em termos de guarda roupa/guarda chuva e de humor.
Mas os Dubliners nunca perdem o sentido de humor, com ou sem Guiness, e se as boas-vindas do aeroporto nos deixaram cabisbaixos, a amabilidade do senhor do autocarro – a quem toda a gente diz adeus quando sai – à malta do banco de trás que nos gritou quando era para sair na paragem certa, ou ao bartender que nos oferece uma bebida só por causa do sol que faz em Portugal. Há sempre alguém que mete conversa.
Já meteram conversa comigo loucos, sem-abrigo, ébrios, sóbrios, novos, velhos, ricos, aliterados e analfabetos. Alguns deles nem sequer os entendo, tal cerrado é o sotaque – Smile and wave, like the queen, luv. Em Dublin já bebi café com um senhor de luvas rotas e olhar vago e já partilhei comboio e ideias com o ex-director do Museum of Modern Art, sem sequer o saber. Tudo está aqui, tudo é pequeno, tudo é de todos.
Como em qualquer país da Europa Norte , sempre que está sol tudo parece incrivelmente feliz, as ruas enchem-se ainda mais, os Dubliners sorriem ainda mais e aumenta a taxa de piqueniques e football no Phoenix Park – o maior parque urbano da europa, pulmão da cidade, paixão dos domingos quentes. Obrigatório para os meus visitantes – Grand, Brilliant! – dizem.
Prefiro as cidades que não são óbvias; como sugeriu Italo Calvino, n’As Cidades Invisíveis, há cidades que tentam tanto agradar ao viajante que acabam por estagnar no seu próprio reflexo construído para os outros. Dublin não e óbvia e não quer agradar a ninguém, mas agradou- me a mim pela subtileza e autenticidade.
Olho pela janela os reflexos do Liffey, o vento a abanar as árvores. A luz intermitente do sol debaixo das nuvens que correm depressa…Are you happy? Fair enough, do you know what I mean…?
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