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“A Sociedade Literária da Tarte de Casca de Batata” de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows

Livros, companheirismo e amor

Este livro de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows, A Sociedade Literária da Tarte de Casca de Batata (SUMA de Letras, 2018), é um romance que demonstra o poder da palavras e dos sentimentos.

Uma sociedade abalada pelo pós-guerra. Trocas de correspondência, que irão conduzir a personagem principal, Juliet, à ilha de Guernsey, e, gradualmente, alterar, não só a sua vida, como a dos demais.

Mary Ann Shaffer teve esta ideia na década de 80, porém só vinte anos mais tarde iniciou esta aventura, revelando, e desenvolvendo, um mundo, que tenta recuperar e elevar-se dos destroços, baseado em livros que descobriu sobre a ocupação alemã em Guernsey. Em alguns aspectos semelhante à sua heroína Juliet, Mary Ann decidiu escrever e publicar um livro. Tarefa que cumpriu, mas que foi, posteriormente, continuada pela sobrinha, Annie Barrows, após deteriorização da saúde da autora, sendo a última, quem alterou e retocou, a pedido da editora, alguns detalhes da história.
Um pormenor que dá um valor extra, a este livro, além do teor doce, emocional, e literário, é o facto de se passar unicamente através do uso de cartas. Num vai vem de correspondência, seja entre Juliet e o seu mundo londrino, ou Juliet e os membros da Sociedade, decorre toda esta história, bem como todas as referências a momentos do passado, relevantes para o decorrer dos momentos no presente.

Neste seu mundo, imerso, inicialmente em plena invasão alemã, a Sociedade Literária da Tarte de Casca de Batata serviu como um refúgio, um escape, um meio de suporte entre os membros que a compunham, à revelia das autoridades.

Em Guernsey, tudo se perdeu. Primeiro, a ocupação gradual, passando pelo recolher obrigatório, e proibições extremas; seguindo até ao período em que os Aliados pressionavam os Nazi, levando o povo, bem como os soldados na ilha, a passar fome e a recorrer a atos de desespero.
De alimentos, nada restava, apenas as batatas, o único que lhes era permitido plantar, até que Mrs. Amelia Maugery, convocou algumas pessoas conhecidas a sua casa, pois tinha um porco para partilhar.

(…)Aceitei, porque estava a pensar no porco assado, mas desejei poder pegar na minha porção, levá-la para casa e comê-la lá.
A minha sorte foi que o desejo não se realizou, porque foi nessa noite que se realizou a primeira reunião da Sociedade Literária da Tarte de Casca de Batata, embora na altura não soubéssemos.

Após o término da guerra, Juliet Ashton, que escrevera um livro de tom cómico, durante a guerra, sob o pseudónimo Izzy Bickerstaff, cansada da situação em que se encontra, decide escrever um livro com um tom mais sério. Porém, falta-lhe inspiração.
Após receber uma carta de Dawsey Adams, um habitante da ilha de Guernsey, que encontrou os seus dados num livro de Charles Lamb, decidiu contactá-la em busca de informações, expondo Juliet à ocorrência de alguns acontecimentos que lhe despertam a atenção.

O Dawsey já lhe contou que a Sociedade foi inventada como uma desculpa para impedir que os alemães prendessem os meus convidados para o jantar, que eram: o Dawsey, a Isola, o Eben Ramsey, o John Booker, o Will Thisbee e a nossa querida Elizabeth McKenna, que inventou a história no momento, abençoada seja a sua criatividade e língua afiada.

Dá-se, então, uma troca de várias cartas entre Juliet e os membros da Sociedade, e uma habitante metediça e encrenqueira, Miss Addison, que considerou um dever moral, escrever a Juliet, e informá-la do ‘verdadeiro’ status, da sociedade em questão.

Além do mais, a suposta Sociedade Literária é um verdadeiro escândalo. Existem pessoas verdadeiramente cultas, nascidas e criadas aqui em Guernsey, que não tomariam parte desta charada (nem que fossem convidades a isso!). Há apenas duas pessoas respeitáveis na Sociedade – o Eben Ramsey e a Amelia Maugery. Os restantes membros são: um homem que recolhe ferro-velho, um estrangeiro bêbado, um guardador de porcos gago, um lacaio que se passa por lorde, e a Isola Pribby, uma bruxa praticante, que, como a própria admitiu perante, destila e vende poções. Estes foram angariando outros da mesma laia ao longo do tempo e eu nem quero imaginar os seus “serões literários”.

São todas estas cartas que vão aguçar a sua curiosidade, e a sua admiração pela rebelde, e teimosa, Elizabeth McKenna.
Juliet deixa em Londres, Sidney Stark, o seu editor e grande amigo, bem como o seu pretendente, de alta sociedade, Markham Reynolds, e parte rumo a Guernsey.
Todas as suas experiências em Guernsey, os elos sentimentais que vai criando, e o seu crescente fascínio por Elizabeth, vão-na impelindo a ficar, dia após dia.

 

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Além do meu interesse no seu gosto pela leitura, apaixonei-me por dois homens: o Eben Ramsey e o Dawsey Adams. Do Clovis Fossey e do John Booker, gosto simplesmente. Quero que a Amelia Maugery me adopte; e eu própria quero adoptar a Isola Pribby. Deixo os meus sentimentos para com a Adelaide Addison (Miss) ao vosso discernimento, depois de lerem as cartas dela.

É incrível e maravilhoso, observar como os livros se tornam personagens ativos dentro de uma história, pois é devido a esta mentira improvisada, de Elizabeth, que aquelas pessoas, até então, perseguidas, desiludidas e entristecidas pela sua situação de cativeiro e tortura, aceitam participar na charada, e se afastam, momentaneamente, da realidade obscura em que vivem, para partilhar momentos de enlevo, deleite, e se unem num ato de companheirismo, raramente, visto.
Será este subterfúgio que lhes permitirá manter a sanidade mental durante a Ocupação, e que posteriormente, conduzirá Juliet até às suas vidas.
Após este encontro, as suas vidas nunca mais serão as mesmas.

A verdade é que neste momento, vivo mais em Guernsey do que em Londres – faço de conta que estou a trabalhar, mas estou com um ouvido atento ao som das cartas a cair na caixa de correio; mal o oiço, desço as escadas a correr, ansiosa por mais um pedaço de história.

A Sociedade Literária da Tarte de Casca de Batata, de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows, é um romance delicioso, encantador, repleto de referências históricas, e literárias, que vai agradar pela sua subtileza e originalidade, em especial, na forma, fora do normal, em que história é contada.



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