rdb_luca_andrea

“A Substância do Mal” de Luca d’Andrea

No Ventre da Besta

Depois de uma carreira de cerca de uma década como professor, o italiano Luca d’Andrea decidiu abandonar a docência e dedicar-se a tempo inteiro à escrita. O seu livro de estreia, A Substância do Mal (Suma de Letras, 2017) chegou recentemente às livrarias nacionais sob a forma de uma extraordinária aventura que se divide entre passado e presente, revelando-se num extraordinário thriller policial que se move entre os mais profundos recantos da psique e as montanhas geladas do Sul do Tirol.

O protagonista da trama é o nova-iorquino Jeremiah Salinger, um jovem guionista de televisão que logrou alcançar a fama através de um documentário, em formato reality show, apelidado de Road Crew e que dava a conhecer o quotidiano dos roadies que acompanham os maiores nomes do rock mundial, que no caso de Salinger e (Mike) McMellan, seu companheiro de luta cinematográfica, era sinónimo da banda KISS.

Na perseguição de um período sabático, Salinger muda-se com a mulher, Annelise, e Clara, a precoce filha de ambos, de cinco anos, para Siebenhoch, uma tranquila comunidade isolada nas montanhas do Sul do Tirol, onde ela cresceu.

Rapidamente, o guionista apaixona-se pelas montanhas que os cercam e pelas pessoas que ali vivem, nomeadamente por Werner, pai de Annelise e um veterano do grupo Socorro Alpino Dolomitas, um corajoso coletivo que conhecia o «monstro branco e gelado» como as palmas das próprias mãos, e decide fazer um documentário sobre resgates na montanha. Mas, durante as filmagens, envolve-se num acidente assustador e fatal para a maioria das pessoas que o acompanhavam.

substancia

Encarcerado numa dor que teima não o abandonar, Salinger tenta, a todo o custo libertar-se daquele pesadelo. Enquanto tenta esquecer a sua experiência traumática, descobre, por acaso, um facto sangrento que remonta há trinta anos: o massacre de Evi, Kurt e Markus, três jovens locais e conhecedores da montanha, ocorrido durante uma caminhada no desfiladeiro Bletterbach, há mais de três décadas. O crime permanece na memória de todos mas sem um culpado e na aldeia o assunto tornou-se num tabu. Talvez porque, só de pensarem no sucedido, poderiam ressuscitar o horror ou então por serem tantos os que têm algo a esconder…

Apesar da crescente hostilidade que o rodeia, e da oposição de Annelise, Salinger começa a remexer no passado, penetrando cada vez mais profundamente no misterioso assassinato. Levando-o a um caminho sem retorno, até a uma imprevisível e aterradora verdade.

Através de uma narrativa centrada nas tradições do peculiar folclore alpino, Luca d’Andrea expõe a nu a fragilidade humana, comparando-a com um terror imutável, maior que a vida, que se pode esconde no coração de cada um de nós.

A dinâmica da escrita do italiano envolve e desafia, convidando a entrar num jogo de suspense, onde o frio da paisagem se confunde com os segredos e as mentiras de uma comunidade fechada sobre si própria, gente que pode ser a chave de um triplo assassinato que é a génese de uma série de eventos que levam o leitor a entrar num carrocel de acontecimentos que confundem, que empurram para uma série de becos sem saída que, à medida da investigação de Salinger, se transformam em portas que se abrem, através de uma dissimulada culpa coletiva, dormente, para alguns, à conta da violência ou do álcool, para outras pistas que, por sua vez, alteram pontos de vista sobre a própria história e os seus personagens.

D’Andrea, dono de uma escrita que “lembra” o mestre Stephen King, releva-se um mestre da descrição num cenário sombrio, tenso, intrigante e violento, cujo branco imaculado é tingido pelo escarlate do sangue derramado em nome de uma qualquer justiça, seja ela dos homens, divina ou paterna.



There are no comments

Add yours

Pin It on Pinterest

Share This