Afonso Rodrigues e Josh T. Pearson @ Musicbox (3-12-2015)

Afonso Rodrigues e Josh T. Pearson @ Musicbox (3-12-2015)

Do musicbox para o convento

É possível que pelo menos metade de Lisboa me passe a odiar depois de ler este texto mas se alguma rapariga se sentir menos sozinha no final desta canção, então algures um unicórnio ganhou asas e terá valido a pena.

Comecemos então…

É Dezembro, está frio lá fora. É quinta-feira, que para quem trabalha é aquele dia que não é carne nem peixe. O fim-de-semana está mesmo ali, quase que lhe conseguimos tocar, mas amanhã ainda é dia de acordar cedo e nem o facto de ser Casual Friday ajuda o tempo a passar melhor. O contexto é importante para se perceber de onde uma pessoa vem e é sempre essencial saber de onde uma pessoa vem para adivinhar onde vai parar. Ora se é Dezembro, se está frio, uma pessoa sozinha vai inevitável e tragicamente parar a um bar com o intuito de ouvir canções românticas no seu regime mais espartano: músico sozinho acompanhado por uma guitarra – como convém aos corações solitários.

Sendo este o contexto do mundo, ou do meu mundo, no dia 3 de Dezembro de 2015, o Afonso Rodrigues fez tudo bem no Musicbox. Foi uma espécie de noite de chuva debaixo dos cobertores, uma manhã de domingo na cama ou uma chávena de chá ao chegar a casa depois de um longo dia. No fundo, era aquilo que o mundo, ou o meu mundo, precisava, de ser embalado de forma calma e constante, sem sobressaltos, transportado para um lugar quente e familiar onde o futuro promete ser doce e melancolicamente feliz. Provavelmente a melhor e mais duradoura forma de ser feliz, ainda que com menos fogo de artifício. Afonso, foi bonito.

Seguia-se Josh T. Pearson, a estrela da noite, o homem que parecia e prometia ter descido do púlpito para nos ensinar algo sobre a vida, Deus e o Amor e que acabaria por fazer pouco mais do que me irritar ao ponto de me fazer perder o sono.

Começou tudo bem; ele vestia de branco como uma noiva, usava chapéu e botas de cowboy, tinha uma bandeira americana na caixa da guitarra, uma cruz ao pescoço e dois cartazes – “Love thy neighbour” / “Love Thy God“ – espalhando a palavra do Senhor. Servia este aparato de pano de fundo do seu novo projecto de Gospel intitulado “The Two Witnesses Gospel Singers”. E foi em modo Gospel, acompanhado pelo músico Calvin Le Baron, que Josh deu início ao concerto. Foi um tímido mas bom começo em que se perdoam aos rapazes um ou outro despiste nas harmonias que não se voltaria a repetir.

Depois desta introdução, Josh T. Pearson ficava sozinho em palco para tocar algumas músicas de álbuns anteriores. E se o Afonso nos tinha assegurado que ia ficar tudo bem, o Josh dava-nos uns abanões enquanto dizia: “Don’t cry for me babe, you’ll learn to live without me. Don’t cry for me babe, I’ll learn to live without you.”. Mas ainda assim, apesar da luz fria e azul da realidade estar a romper por ali dentro, aquele era ainda um sítio onde eu queria estar. O público rendido à voz e à música de Josh pedia insistentemente silêncio, parecia que estávamos a assistir a um momento único e solene de rara beleza. E até era, até uma pessoa sair do transe e começar a prestar atenção às letras, ou melhor, até aparecer uma música chama «still born to rock» que acabou de vez com a minha felicidade. O “fantasma do Natal passado” foi muito mais interessante do que aquilo que se seguiria.

A música em questão é apresentada como sendo uma daquelas que faz ir à lágrima e é verdade que até começa bem, uma pessoa quase que se ilude, uma pessoa quase que pensa que vai chorar até que começa a prestar atenção ao que ele está a dizer. E, desculpem-me, mas por muito bem que cante o senhor e por muito bonita que seja a música, eu não consigo entrar no mundo da auto-comiseração pelo arrependimento de uma coisa que “quase” aconteceu e que pinta a mulher (neste caso três mulheres) como uma harpia que impede o grande artista de ir salvar o mundo com as suas canções. Só esta ideia peregrina de que o rock salva o mundo, só esta ideia ainda existir e ser dita aos gritos de um palco no ano do Senhor de 2015, só essa ideia já me dá comichão. Se pensar então que esta canção tem tom de absolvição e de cautionary tale para todos os que o escutam sou capaz mesmo de ficar agoniada.

Ora em vez de pedir desculpa às ex namoradas por não ter casado com elas nem as ter engravidado, Josh se tivesse aprendido alguma coisa com isso pedia desculpa por outras coisas, como por exemplo pelo complexo de Jesus Cristo borrifado com um bocadinho de Peter Pan. O conceito de que o Rock é mais importante que o Amor, que o Rock é Amor e o resto é uma prisão. Do sítio de onde eu estou – 4ª ou 5ª fila – a pedir encarecidamente aos meus tímpanos que não furem enquanto ele grita: “I could not give you a baby, baby, until my baby songs were all grown up”, daqui de onde eu estou, o Rock não me está a parecer grande merda e se foi para isto, se foi para escreveres esta canção mais valia teres engravidado e casado com elas todas. Até porque o mundo já está cheio de arrependimento e esse arrependimento chama-se Adele. Por isso, não Josh T. Pearson, não estou disponível para ouvir uma letra sobre como os ovários das tuas três ex namoradas oprimiam e castravam a tua criatividade.

Nem a pequena referência a «Single Ladies (Put a Ring on It)» no final da música o salva, até porque a única referência ao sagrado matrimónio que importa reter nas músicas da Beyonce é esta: “Because I am female, I am expected to aspire to marriage. I am expected to make my life choices always keeping in mind that marriage is the most important.” (Chimamanda Ngozi Adichie citada na música «***Flawless»). Já atravessámos este rio Josh, já queremos mais da vida e do amor do que um anel no dedo. Ou pelo menos quero acreditar que sim mas os uivos da classe masculina que me rodeia e o silêncio da feminina deixam-me algumas dúvidas… Se calhar as mulheres continuam só a querer um marido que lhes faça um filho e as sustente e os homens continuam só a querer quem não os questione, lhes passe a roupa a ferro e tenha o jantar pronto quando chegam a casa.

Os momentos de stand up ajudaram à festa, confesso. Despenca um gajo do Texas para o Cais do Sodré para vir mandar postas de pescada sobre como os Italianos são burros e nós rimo-nos? Rimo-nos porque, como ele explica, nós sabemos falar Inglês e vemos filmes com legendas, esta é a batuta pela qual avaliamos a inteligência de um povo. A arrogância americana disfarçada de sentido de humor não haveria de ficar por ali… Não somos muito espertos, é verdade, mas somos mesmo atraentes… E ele, claro, veio da América para nos salvar, oferecendo-se em sacrifício, perdão, em casamento a quem o quiser aceitar. Mas o/a candidato/a tem de saber cozinhar, claro. Sem deixar de salientar que isso nos daria direito a um passaporte norte-americano – o santo graal do europeu… um passaporte norte-americano. Really?!?!

Se há coisa que eu gosto num homem é sentido de humor, mas Josh T. Pearson, tens de trabalhar um bocadinho melhor nisso. Entre gajas, Italianos, Portugueses e bateristas, não sei como ninguém lhe foi à cara. Eu engoli tanto cliché que confesso que fiquei com vontade mas ao invés disso fui-me embora enquanto do palco ecoava uma versão da música «I will follow him» do filme “do Cabaré para o convento”. Terminava e bem, devo dizê-lo, era uma bonita cover, mas não sem antes ter havido um momento Jesus Christ nos ecrãs enquanto o público se ria. Eu pergunto-me: que as pessoas se riem eu sei, mas será que sabem porque é que se estão a rir? Por esta altura eu já só tinha vontade de chorar tal era o descalabro de mensagens contraditórias a passarem do palco para a plateia.

Eu por mim saio de lá a pensar – e na quadra certa – que ainda bem que existem conventos e um Jesus Cristo para nos salvar porque o Rock parece que está cheio de meninos que acreditam que fazer música é o mesmo que descobrir a cura para o cancro, e se é verdade que muitas vezes um DJ me salvou a vida, é verdade também que foi sempre um coração partido que me atirou para a pista de dança.

Pergunto-me também se Jesus Cristo tivesse uma banda de rock – muito possivelmente chamada “JC e os Apóstolos” – sobre que é que seriam as letras das suas canções?

Apesar de tudo e porque é Natal termino este texto com votos de que o JTP tenha realmente casado na passada quinta-feira, preferencialmente com uma Italiana que não fale puto de Inglês, que não saiba cozinhar e que engravide misteriosamente sem recorrer a nenhum acto sexual.

Galeria fotográfica aqui



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