“Ana de Londres” | Cristina Carvalho
We`re the young ones
No ano de 1989, com a edição de “Até já não é Adeus”, Cristina Carvalho recolheu elogios de nomes como David Mourão-Ferreira que, sobre a escritora nascida em Lisboa, disse «possuir um raro dom de efabulação no agenciamento de intrigas que tão depressa parecem disparar em desencontradas direcções como subitamente sabem convergir para um nó de suspense ou de brusco desenlace.»
Nesse livro de contos, houve um que sobressaiu pelo retrato que fazia de um Portugal adormecido, em plenos anos 60, vendo a sua juventude partir para a guerra e fechando as portas à explosão de vida que a restante Europa ia conhecendo. “Ana de Londres” (Parsifal, 2013) teve a sua primeira edição autónoma em 1996 e, este ano, chega-nos revisto e acrescentado, em forma de novela, com ilustrações de Manuel San-Payo e prefácio de Miguel Real.
Ana é uma rapariga de 18 anos que, contrariando a vontade dos pais, viaja para Londres, acreditando numa vida melhor e no amor vivido com João Filipe, o namorado que emigrou para fugir à Guerra Colonial. Mesmo que, no fundo, saiba que nunca se conseguirá libertar de uma herança cultural e familiar, que lhe corre nas veias misturada com o sangue: «Percebeu toda a confusão de hábitos, maneiras e costumes, dos quais, pensou ela, mesmo que desapareça, jamais se poderá esquecer.»
A escrita de Cristina Carvalho mostra-nos a poesia da voz interior, alternando entre narradores e permitindo um vislumbre dos sonhos (desfeitos e por cumprir) de cada uma das personagens. Tal como a geração de Ana, que então partiu para cumprir um sonho fugindo a um país sonolento, há agora gente que parte diariamente, impelida por uma política de desertificação humana. Porém, se na geração de Ana o regresso a casa era visto como provável, hoje em dia parece ser de uma impossibilidade tremenda. Um livro urgente, pertinente e de uma estranha e inimaginável actualidade.
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