Animal Crossing: New Horizons | Análise | Switch
Ás vezes, num mundo caótico, as nossas rotinas ajudam a manter a nossa sanidade e o Animal Crossing sabe-o bem!
“Para que é que eu vou querer jogar um jogo para escapar à minha vida rotineira, se o jogo em si é um espelho desta?”, disseram os jogadores de jogos “a sério”, embasbacados com a jogabilidade do Anmal Crossing. Num mundo onde a pandemia alterou significativamente o nosso estilo de vida, um jogo tão preso a uma rotina familiar não poderia ter saído em melhor altura. Enquanto que muitos outros títulos tentam bombear adrenalina com premissas surreais, acrobacias mortíferas ou batalhas demoníacas, Animal Crossing: New Horizons simplesmente nos pede para desfrutarmos de uma tarde a colher frutos do chão, ir à pesca, cumprimentar os vizinhos e apreciar um bom passeio virtual…
O jogo começa de uma forma peculiar. Após a criação da nossa personagem, precisamos de desenhar a nossa própria ilha onde se desenrolará o jogo. Todo o prólogo acompanha o nosso escape para este paraíso em construção. É nos dado um passaporte e, após uma viagem de avião via Dodo Airlines, chegamos à ilha que criámos no início, mas “paraíso” não é bem o que vemos… Durante o voo, a nossa personagem, juntamente com os vários outros passageiros, assistem a um vídeo de apresentação que nos vende todo o potencial da nossa nova casa – o primeiro empurrão à nossa criatividade. Aterramos na ilha com os restantes viajantes, escolhemos um spot para montar a tenda e estamos prontos para a aventura. Mas “vai devagar imigrante” que antes é necessário aprender a usar materiais, construir ferramentas, e rendermo-nos ao capitalismo… O “gestor financeiro” Tom Nook e seus comparsas abordam a ilha com o jogador e nunca dão nada sem pedir algo em troca. Mas os favores que estes pedem – por exemplo, ir coleccionar ramos das diferentes árvores do habitat para fazer uma fogueira – servem para nos pormos a andar pela terra e absorver a fantástica experiência estética que a equipa desenvolvedora criou. A música e os sons deste jogo estão em constante mudança – ora nos aproximamos do mar e ouvimos mais claramente o rebentar das ondas e as passadas da areia, ou então, ao aventurarmo-nos pela floresta, tilintam os sons conspícuos dos insectos, juntamente com o abanar das árvores – características que a guitarra de fundo acompanha perfeitamente, ao mudar o seu registo de acordo com o local onde estamos. Rapidamente nos apercebemos que simplesmente caminhar pela ilha se torna uma experiência cativante – uma das várias qualidades que nos deixam agarrados a este título.

Após uns brindes com os outros habitantes e uma soneca de sonhos visitados por um certo cão guitarrista, acordamos perante uma chocante “realidade” – o passar do tempo nesta ilha virtual está ligado diretamente às configurações da nossa consola, ou seja, os acontecimentos agendados na ilha acontecem em tempo real – 24horas na ilha são MESMO 24h (a não ser que queiram “brincar” com as configurações da vossa cosola…). De certa fora, acordamos, muito literalmente, para a vida real e para o cerne do jogo. O impaciente Tom Nook vem nos dar as “boas notícias” de que estabelecera uma moeda de troca na ilha, os Bells, e que, doravante, precisaremos de economizar para poder comprar regalias. Impõe-se a questão “como ganho eu dinheiro?” Mais uma vez, temos de viajar pela ilha, desta vez dando uso às ferramentas que fomos (e vamos) construindo. Conseguimos alterar quase toda a paisagem deste paraíso, meter riachos a trespassar a ilhar, erguer florestas, criar areais, zonas de habitação, minuciosamente decoradas. Mas também é possível colher produtos valiosos da própria ilha, como insectos, peixes ou fruta. “Valiosos” não necessariamente para nós, mas para futuros habitantes.

O fruto dos nossos trabalhos atrai todo o tipo de personagens, desde os mais exóticos aos mais tímidos – e isto funciona como o “isco” principal do jogo. O jogador começa a criar uma rotina das suas atividades: vai à pesca, à caça de insectos, apanhar fruta, cortar arbustos, decorar a paisagem – e, a seu tempo, mais imigrantes se juntam a esta nossa ilha em crescimento. Estes reconhecem o nosso trabalho e alimentam o nosso comportamento cíclico que se torna estranhamente recompensante. “Estranho” no sentido em que, de certa forma, é isso que esperamos da vida real, reconhecimentos e recompensas da nossa rotina, e Animal Crossing: New Horizons emula esse prazer perfeitamente. Não tarda até se instalar o museologista Blathers, que nos pede para lhe trazer mais espécimes de peixes ou insetos; e se tivermos mais do que ele pede, podemos sempre ir à procura do camaleão Flick para vender os insetos que temos mais e angariar mais Bells. Bells que depois podemos usar para reforçar o comércio local à medida que aparecem mais habitantes, nomeadamente comerciantes como as irmãs Abel, costureiras de profissão, que nos vendem diversos tipos de roupa. E, para além de comerciantes, também temos personagens que nos pedem outros favores, como o Gulliver que vem todos os dias pedir auxílio a troca de pagamento; ou a generosa Celeste que aparece sem avisar para nos oferecer receitas especiais (e celestiais) para vários tipo de objeto que podemos construir. Finalmente ainda temos mais um tipo de visitante que, apesar de não nos oferecer nada material, contribui para o “ranking” da ilha – um género de medidor diário no qual todos os moradores participam para avaliar a sua experiência. A questão é que existem até 300 habitantes diferentes que podem ocupar a nossa ilha, cada um deles com uma personalidade distinta, o que nos pode trazer harmonia ou desordem… Cabe-nos a nós, nas nossas visitas a ilhas vizinhas (já feitas pelo computador), aliciar as personagens “certas” para virem morar para a nossa ilha, o que implica um jogo psicológico e calculista sobre o qual não convém pensarmos muito, porque no final de contas, o que queremos é todos os nossos habitantes felizes (certo?).
[Animal Crossing: New Horizons] simplmesmente nos convida a passar uma ou duas horas por dia para fazer manuntenção geral e a “dizer olá” às caras conhecidas.
Por outras palavras, Animal Crossing é, na realidade, um jogo de rotina e expressão criativa que se desenrola mediante a nossa vontade constante de construir, aprumar detalhes, gerir rotinas e habitantes, desmontar e repetir. E a possibilidade de trabalhar para colher benefícios na nossa ilha torna-se numa experiência libertadora. Bem “libertadora” talvez seja um exagero, quando nos lembramos que o tempo que passa na vida real também passa no jogo, portanto deixar de ir à ilha durante um mês será algo de que os habitantes tomarão nota e farão questão de mencionar aquando o nosso regresso. Para além de começarem a crescer ervas daninhas pela ilha, o “ranking” vai descendo – por outras palavras, os habitantes vão pondo cada vez mais “reviews” negativas no hipotético Trip Advisor. Mas “chantagem emocional” não é a única arma que Animal Crossing usa para colar os seus jogadores ao ecrã. Também existem eventos sasonais que nos apresentam novas personagens e atividades exclusivas e festivas que nos convidam a experienciar o jogo novamente e ver a roupagem que a estação do ano dá à nossa querida casinha.
No que toca à experiência de “multi-jogador”, é possível convidarmos outros donos de ilhas a visitar a nossa, fazer um pequeno “tour”. Essencialmente, brincar com os brinquedos uns dos outros – podemos interagir com os habitantes das ilhas dos outros, comprar itens das suas lojas, apanhar flores, fruta – mas acaba por aqui. É algo que perde a sua novidade depois de algum tempo, talvez por eu não ter jogado muito com outra pessoas. Mas o que não falta é criatividade entre os fãs mais ávidos da saga. Boa sorte a eles, porque não há muitas opções de comunicação entre utilizadores, pelo que a Nintendo recomenda usarem a aplicação da Switch para o telemóvel (claro que também podem usar o telemóvel para uma chamada tradicional ou programas como o Discord, Whatsapp, etc…). A propóstio de inconveniências, aproveito para referir que o jogo tem alguns defeitos no que toca à interface e aos menus. Se coleccionarmos múltiplos de alguns objetos, estes não se concentram todos num único espaço no nosso inventário, ou seja, este enche-se mais rapidamente, já para não falar de que se quisermos, por exemplo, trocar os itens que carregamos na mochila pelos que estão no baú da nossa casa temos de ir UM A UM no nosso menu, o que é pior do que ao que soa. Outro exemplo de usabilidade má desenhada é o desapontante fato de que é impossível construir múltiplos de qualquer objeto, mesmo tendo os materiais suficentes para as suas várias iterações (ou seja, é preciso repetir as viagens no menu por cada vez que queremos contruir algo)…

Em suma, Animal Crossing é um jogo muito único. Oferece uma experiência estranhamente relaxante e viciante. Em vez de pedir de nós um investimento de, por exemplo, 20 horas nos fins de semana para o acabar (como um RPG tradicional), simplmesmente nos convida a passar uma ou duas horas por dia para fazer manuntenção geral e dizer olá às caras conhecidas. É um bocado como um tamagochi, onde em vez de um bichinho temos a ilha da Madeira. Infelizmente, este jogo só permite que haja uma ilha por consola, o que significa que se outro utilizador quiser criar uma conta para ele/ela neste jogo, não poderá. Terá a possibilidade de criar uma personagem e visitar ou até gerir a ilha já existente na consola, mas nunca poderá recriar a experiência do início (a não ser que apague o que já foi feito). Um característica incómoda do jogo que gerou muita discussão, mas que não impediu as vendas fantásticas que este conseguiu.
Animal Crossing: New Horizons não sai daqui sem uma recomendação, mas leva um aviso. É um jogo tão único, que só mesmo uma experiência em primeira mão vos poderá responder se será para vocês ou não. Vejam vídeos, falem com amigos – se estiverem abertos à experiência, vos garanto que não se esquecerão dela! Apesar do seu tom juvenil, é um jogo que alcança todas as idades, seja para confortar um adulto com uma vida torbulenta, ou uma criança sedenta por novas amizades. E, embora parecer repetitivo, consegue sê-lo de uma maneira que quase que chamaria de terapêutica. Isto porque apesar das nossas ações cíclicas, o jogo mantém uma evolução constante nomeadamente graças aos seus eventos sasonais. Pessoalmente, fiquei deliciado com a estética, as personagens e a originalidade deste título.
Nº da Rua: 8/10
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