“Anos Dourados” | Marco Mendes
Marco Mendes é um excelente cronista visual dos nossos tempos, com uma capacidade excepcional em capturar tanto a beleza como a essência das imagens que povoam o nosso dia-a-dia.
Depois de “Diário Rasgado”, o autor Marco Mendes está de regresso com “Anos Dourados”. Desta vez, o Colégio das Artes da Universidade de Coimbra junta-se à parceria entre a Mundo Fantasma e a Associação Turbina, uma vez que a sua edição é feita no contexto da exposição “Maré Baixa”, integrada na XV semana cultural desta Universidade.
Neste novo livro o autor compila uma série de desenhos que realizou ao longo dos últimos 10 anos. A sua proximidade no tema e no formato fazem de “Diário Rasgado” e de “Anos Dourados” dois livros irmãos, onde no primeiro se encontram reunidas as BD`s do autor e, no segundo, as suas ilustrações (salvo uma excepção). Todos os desenhos que compõem este álbum foram feitos “à vista” e estão, todos eles, relacionados com o seu quotidiano; por isso não é de estranhar o reencontro com alguns dos locais e dos seus amigos que já haviam surgido no livro anterior, algo que reforça o cariz autobiográfico destas obras.
De certa forma, podemos dizer que “Anos Dourados” é uma BD em ponto grande – onde cada página é uma vinheta -, uma vez que há uma forte ligação entre todas elas: a vida do autor. Também muitos destes desenhos não são silenciosos, contendo alguma fala ou conversas tidas na altura. De entre os temas da actualidade, como não podia deixar de ser, a actual crise económica marca a sua presença. Há um certo desconforto e melancolia bem presentes em algumas destas páginas – atente-se, por exemplo, no monólogo de Carlos algures a meio do livro.
Marco Mendes volta aqui a mostrar-nos que é um exímio observador da realidade que o rodeia. Como se referiu acima, os desenhos foram todos feitos no momento e a lápis, não recorrendo à utilização posterior de fotografias nem a qualquer técnica digital. E, se “o poeta finge a dor que deveras sente”, o mesmo podemos dizer deste desenhador, cujos retratos, além da qualidade gráfica, conseguem transmitir muito mais que uma mera posição física – conseguem transmitir emoção. Outro aspecto que sobressai muito no livro é o prazer com que o autor desenha os modelos femininos; há toda uma atenção, carinho e, por vezes, sensualidade que não passam despercebidas. Num desenho em particular, o autor parece evocar uma das máximas de Jean Luc-Godard, o qual acreditava que tudo o que precisamos para filmar um filme é uma arma e uma mulher; fica a sensação que Marco Mendes talvez partilhe da mesma opinião.
Outra característica que volta a estar bem vincada no trabalho deste autor é a sua despreocupação no tratamento dos desenhos. Sejam caras ou balões, o autor risca-os a seu belo prazer, indiferente à sujidade que isso acrescenta à página, algo que também contribuiu para uma certa marca autoral; isso é claro logo na primeira página, como se o autor quisesse deixar tudo bem resolvido antes de iniciarmos a viagem que se segue.
Uma coisa é certa, Marco Mendes é um excelente cronista visual dos nossos tempos, com uma capacidade excepcional em capturar tanto a beleza como a essência das imagens que povoam o nosso dia-a-dia. Resta esperar que a obra do autor continue a receber a atenção devida e que futuras edições estejam nos planos por muitos e bons anos.
O livro conta ainda com um texto de Pedro Moura e o seu design esteve a cargo de Not Wolf (Virgínia Valente), salientando-se a a opção em usar tons de giz na capa.
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