“Apagar Estocolmo” de Jens Lapidus
Esquecer o passado
O que têm em comum uma recém-advogada, um ex-presidiário e um delinquente juvenil? Um papel primordial no mais recente tomo da bibliografia do sueco Jens Lapidus publicado em Portugal, livro que ameaça figurar na lista dos melhores thrillers do ano e cuja complexa narrativa é um desafio constante à perseverança do leitor.
Tendo como inspiração a sua experiência enquanto advogado criminalista, Lapidus consegue transformar Apagar Estocolmo (Suma de Letras, 2018) num (exigente) exercício literário que tem como protagonistas Emile, uma prometedora advogada de uma firma especialista em direito comercial que assume, à revelia do patronato, o caso de Benjamin Emanuelsson, um jovem acusado de assassinato, e que se encontra em coma, e Teddy, um ex-condenado que agora trabalha como investigador para a firma de advogados. Já Nikola, o rebelde sobrinho de Teddy, vê no passado do tio um “exemplo” a seguir e está prestes a abraçar uma carreira no seio da violenta mafia eslava que controla das ruas da capital sueca.
É este o trio que vai, contra tudo e todos, tentar descobrir quem é o homem que alegadamente foi assassinado por Benjamin e tudo aponto que seja Mats Emanuelsson, pai deste e outrora vítima de sequestro por parte de Teddy.
À medida que a investigação ganha surpreendentes contornos, Teddy, confronta fantasmas do seu passado criminoso e vê revelados segredos que colocam em causa a verdade tal como ele a conhecia, transformando-a num elaborado e explosivo turbilhão alimentado com violência, corrupção, pedofilia, lavagem de dinheiro e luta entre gangues rivais.
Com um enredo sofisticado e caleidoscópico, onde a descrição de qualquer pormenor e os constantes recursos a memórias mais ou menos recentes fazem toda a diferença, Apagar Estocolmo não é um livro fácil, sendo um quebra-cabeças que lentamente se revela num ritmo próprio e que exige muita atenção para as bifurcações narrativas que fornece.
A primeira centena de páginas é um desafio à resiliência do leitor tal a sua complexidade. Mas nada do que é revelado é um acaso e as peças do puzzle narrativo criado por Lapidus vão, gradualmente, se encaixando e revelando um thriller negro que chega a tornar-se claustrofóbico tal a veracidade imposta pelo escritor sueco.
Ao longo das mais de 500 páginas, Lapidus envolve-nos nas dúvidas e certezas de Emelie, Teddy e Nikola, personagens que vivem em universos paralelos que se unem à medida que as páginas evoluem, sempre em crescendo e cuja personalidade é decisiva para o resultado final da trama.
Mas nem só deste trio vive Apagar Estocolmo. Também Mats – um personagem que lembra Marty Byrde, protagonista da série Ozark –, alguém preso ao vício do jogo que o levou a testar limites pessoais e emocionais onde o que interessava era a fuga de si mesmo, é outra mais-valia no todo deste livro construído sob uma dinâmica de progressiva coesão e que, quase sem darmos por isso, se torna num autêntico page turner viciante e arrebatador, que torna difícil resistir à tentação de ler mais um página, um capítulo.
E mantendo a tradição dos policiais nórdicos, Lapidus não se faz rogado e faz ainda um retrato da sociedade sueca, as suas preocupações, dúvidas e medos e não resiste a mostrar a “sua” terra, ainda que de forma peculiar a fazer lembrar a orgulhosa (e sempre tentadora) cinematografia série b.
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