Babel
Sete salas, sete artistas
Multiplicidade, diversidade e uma combinação de novos talentos e ideias. Foi assim que “BABEL” nasceu, instalando-se elegantemente sobre as paredes minimalistas da Galeria Miguel Justino. Uma exposição integrada na programação de 2016, que tem como principal objetivo unir diferentes artistas, curadores e públicos num só espaço. O desafio da partilha de abordagens e suportes artísticos singulares encontra-se patente ao caminharmos pelas sete salas existentes, onde encontramos obras que vão desde a pintura, desenho, escultura, instalação, indo até ao texto e vídeo.
Ana Tecedeiro, Diogo Bolota, Filipa Roque, Filipa Tojal, Gonçalo Preto, Horácio Frutuoso e Rui Gueifão completam a premissa de que a presença de vários nomes do panorama da arte nacional podem estar juntos, de forma harmoniosa, no mesmo lugar.
A Rua de Baixo falou com os artistas, de modo a aprofundar a verdadeira fonte de inspiração para a construção e progressão dos seus trabalhos:
RDB: O enaltecimento da reflexão sobre a dicotomia entre individualidade e unidade, presente no projeto “O Único”, foi uma questão pensada durante o processo criativo da obra ou surgiu espontaneamente, ao longo destes 15 anos?
Ana Tecedeiro: Foi algo de que me fui apercebendo. Ao longo dos anos usei no meu trabalho uma enorme variedade de processos, mas uma das características de quase todas as minhas obras é serem coisas feitas de muitas coisas. Seja por acumulação de elementos visuais ou por camadas de sentidos, o que é certo é que essa característica está sempre presente. É uma coisa que acontece espontaneamente e que está certamente relacionada com a minha história pessoal e com a forma como vejo o mundo. Para mim as coisas, as pessoas, os acontecimentos são organismos complexos com ligações entre elementos, fragmentos, contradições e com zonas que por estarem encobertas não deixam de ser importantes. Sempre gostei de olhar para o mundo segundo muitos ângulos. Ao olhar retrospetivamente para o meu trabalho percebi que a multiplicidade era algo que os unia, que os tornava unos e únicos.
RDB: O desenho surge sempre no teu trabalho, seja como peça principal ou suporte da mesma. Como percecionas essa relação quase intrínseca que estabeleces com este método de
expressão artística, presente na tua obra?
Diogo Bolota: O desenho é-me inato. É um meio de comunicação insubstituível por outro. Se o que apresento é um desenho sobre papel ou um objeto, pouco interessa o medium que utilizo. Todavia, parto do desenho porque é a ferramenta que sustém o meu trabalho. Fazer arte não é só fazer coisas, mas é também o jogo em que essas mesmas se inserem.
RDB: Estando presente no teu método de trabalho a simultaneidade de criação de diferentes peças, sentes que a sua composição grupal, enquanto produto final, acaba por fortalecer o valor imagético das tuas obras?
Filipa Roque: As pinturas em exposição da série O Lugar das Coisas partilham a mesma identidade, embora cada uma seja o resultado de uma acumulação de escolhas visuais diferentes. O formato acessível e o suporte em papel facilitam a sua execução em grupo, no local de trabalho surgem diálogos antes de qualquer finalização, que podem ser intensificados quando as pinturas são expostas na mesma superfície. Distingue-se uma família de formas, as composições são definidas pela tensão ou equilíbrio entre as pinceladas lineares ou entre as formas planas e opacas saturadas de cor. O processo de articulação no espaço depende primeiro das características da sala e da dinâmica interna de cada peça, mas num último momento também são criadas relações externas entre as várias composições, sejam de contraste, harmonia ou simplesmente semelhança cromática. Identifico similitudes no ato de expor e no de criar, a mesma intenção compositiva determinante em cada peça trespassa para as paredes da galeria. Obedecer à natureza das pinturas na sua transposição para o local fortalece o seu valor estético singular e coletivo.
RDB: Sentes que a Natureza, enquanto temática principal em “Meia Sombra”, pode funcionar como um maior propulsor ao estímulo do imaginário poético do observador durante o ato contemplativo?
Filipa Tojal: Os objetos expostos refletem evidentemente o meu imaginário, mas a maneira como o faço, com uma pintura não representativa na sua íntegra, possibilita que ele também possa ser testemunhado e concluído pelos outros. A escala das obras, que vai desde pequenos esquissos a uma tela de dimensão considerável, permite ao observador recriar as suas próprias conceções do espaço e encará-lo tanto com desconfiança como com intimidade. Cada observador, com as suas conceções e contextos, habitará uma natureza distinta, aquela que é a sua. Entre quatro paredes, encontrando-se a sós com a natureza, o observador é quase forçado a ser o protagonista da história sentindo que aquele imaginário lhe pertence. A magia da pintura é eu dar o que é meu e deixar o observador concluir com aquilo que é seu, só assim é que o lugar se completa e passa a existir.
RDB: A utilização da grelha como instrumento complementar na pintura a óleo serve como uma tentativa de compreenderes o real e a sua particularidade geométrica. Em que medida?
Gonçalo Preto: A utilização da grelha surge como instrumento complementar na pintura, na medida em que esta consente uma leitura clara da estrutura do objeto de estudo. O uso da linha e do ponto permite-me desconstruir a peça em causa e perceber quais os seus pontos de cruzamento, as devidas proporções, formas e silhuetas, de modo a tentar transmitir a real
perceção do que estamos a ver ao invés das imagens criadas no nosso subconsciente. Assim, consigo obter um resultado igualmente preciso e orgânico, fruto do rigor e da geometria da linha e o uso fluído e quase abstrato do ponto. No meu método de trabalho, deixo que a grelha se desenvolva naturalmente em função da temática, sempre com o objetivo final de simplificar a composição.
RDB: Os Millennials, bem como os jovens que nasceram após este período (Geração Z), estão imersos neste tipo de realidade virtual, em que a constante quebra das barreiras de privacidade é frequente. Acreditas que no futuro haverá espaço para uma regressão? Um restabelecimento de conceitos como privacidade e aprovação social?
Horácio Frutuoso: Nos últimos anos temos assistido a uma mudança brusca na forma de interação social, bem como na ideia de privacidade, muito devido à portabilidade ou
possibilidade de aceder à internet com dispositivos móveis. Não conseguimos estar sozinhos, e a necessidade de estar em constante atualização e de atualizar os feeds é imperativa pois não
estar presente na timeline é ter parte da nossa relação social desligada. A imagem que cultivamos nas redes sociais é tão ou mais importante como aquela que temos na realidade.
Penso que perdemos a capacidade de nos expressar de forma autêntica, de construir uma identidade própria, daí expressarmo-nos por emojis, e as relações com os outros tornarem-se mais difíceis e fugazes, conhecemos mais sobre os outros mas ficamos mais afastados. Não penso que haverá uma regressão, não querendo ter ao mesmo tempo um sentimento negativo sobre isto, porque simultaneamente somos pessoas mais inteligentes, com mais possibilidades de escolha, com acesso a informação que nos permite emancipar e ser mais autónomos, acredito que é possível uma adequação de forma a melhorar essa experiência. O passado recente mostra que as redes sociais têm um fim, e esse modo de usar, habitar, está sempre em mutação.
Como isso será não posso saber, mas estando consciente disso posso fazer com que a minha experiência não seja tão imersa nessa alienação e contribuir para uma construção de um espaço de liberdade mais coerente.
Os trabalhos que apresento na exposição surgem de frases que recolhi de blogues ou perfis de redes sociais, onde esse sentimento de solidão, desilusão, e de questionamento existencial são expostos maioritariamente por adolescentes ou jovens que encontram aí um refúgio do contexto onde vivem. Embora provenientes de variados meios sociais, pontos geográficos e com referências distintas os sentimentos são os mesmos. Usei o padrão do papel de parede do quarto do Andy, personagem do filme Toy Story, dono dos brinquedos que têm vida, como paisagem nalgumas pinturas e numa outra série que entretanto comecei, como representação espacial de uma geração que deixa os brinquedos e fica presa a uma utopia, ou mundo de ilusões que se funde com a realidade, e onde temos de nos ajustar a viver. Penso o filme Toy Story como uma metáfora ao que estamos a viver, porque os brinquedos mudaram a sua realidade e tiveram de se ajustar a uma outra completamente diferente e que é uma referência importante para estas gerações que cresceram e nasceram com o desenvolver e crescer da internet. Interessa-me trazer esse confronto, destas interações sociais onde no final não ganhamos nada e continuamos sozinhos.
RDB: Estudas a capacidade do desenho separar e envolver a pintura da escultura. A utilização de cimento, enquanto recurso principal em “Concrete Mood”, tem uma influência direta naquilo que tentas explorar?
Rui Gueifão: É através do cimento que desenvolvo o meu projeto, mas a questão não se esgota no material utilizado. O cimento é um material estéril, de construção e bruto, características que no meu trabalho desaparecem, já que com ele faço o movimento que faria se utilizasse material tradicional de pintura. O cimento serve para dar corpo a uma construção. Quando opto por encher de cimento copos de plástico, cuja forma é dada por um material mais frágil, mantenho-me fiel a ambos os materiais: torno coeso e intemporal aquilo que à partida é só um invólucro sem conteúdo.
“BABEL” está patente até dia 5 de Março de 2015 na Miguel Justino Contemporary Art. Rua Rodrigues Sampaio 31, 1ºEsq. Lisboa.
Horários: Terça a Quinta das 13h às 19h / Sábado das 15h às 19h
Fotografia de André Oliveira
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