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Barreiro Rocks 2010

O rock’n’roll está morto. Ou não.

Já declararam o rock’n’roll morto uma série de vezes. Aliás, praticamente ao mesmo tempo que nasceu, já estavam a preencher a sua certidão de óbito. Na década de 1950, quando surgiu na rádio e começou a deformar a mente dos jovens, os mais conservadores preconizaram que seria apenas uma tendência passageira. Como estavam enganados… Depois, em 1969, um jovem era esfaqueado até à morte em pleno concerto dos Rolling Stones, no infame concerto de Altamont, e o flower-power era oficialmente declarado falecido. Consequentemente, o rock’n’roll também. No entanto, poucos anos depois o punk aparecia para provar exactamente o contrário. Mais Velhos do Restelo surgiram na década de 1980, depois do surgimento do hip-hop, dos DJs, da electrónica e de boys band como os New Kids on the Block, mas pouco depois vinha o grunge para o contestar. E já no final da década de 1990, o nu-metal pareceu vir dar razão a Fred Durst ou Marilyn Manson, que haviam declarado o rock morto; e nessa altura vimos a coisa negra. Mas na viragem do século, os Strokes abriram caminho novamente para as guitarras e para uma nova geração de rock’n’roll. Por isso, desde que “Rocket 88” foi gravado num quente dia de Março de 1951, nos Sun Studios em Memphis, que o rock’n’roll continua tão actual, urgente, divertido, festivo e irreverente. E são essas seis décadas de rock’n’roll que são festejadas todos os anos no Barreiro Rocks, um dos mais importantes festivais do género da Península Ibérica e que este ano comemora o redondo número de 10 edições.

Para festejar a efeméride, o Barreiro Rocks montou um dos mais fortes cartazes da sua história, talvez só comparado à edição de 2005, onde uns então desconhecidos Black Lips apresentaram-se ao lado de lendas como os Flaming Stars e, sobretudo, Billy Childish. Este ano, o cartaz tem como cabeças-de-cartaz os Strange Boys e King Khan & The Shrines, que regressam assim ao nosso país.

No que a rock’n’roll diz respeito, 2010 foi um ano marcado pelo falecimento de Jay Reatard, encontrado morto no seu quarto em Janeiro último, devido a cocaína e álcool a mais. Depois de uma carreira nos Lost Sounds e nos Reatards relativamente interessante, mas apenas no circuito mais underground, Reatard ganhara visibilidade e reconhecimento nos últimos dois anos, primeiro graças a um vídeo no youtube onde aparecia a socar um espectador num concerto e, depois, graças ao seu trabalho sob o selo da Matador Records, com um rock’n’roll directo, excitante e lo-fi.

Se fosse vivo, Jay Reatard poderia muito bem estar no programa deste Barreiro Rocks que assentava que nem uma luva. Aliás, a influência do músico de Memphis é bem visível no alinhamento do festival. Basta abrir a página de myspace dos Devila 666, a mais importante banda de garage de Porto Rico, e ler a sua inscrição no topo: “Para siempre Reatard”. Os Devila 666, que alguém já descreveu como “a resposta porto-riquenha aos Black Lips” e que já andaram em digressão com os Dirtbombs, espécie de Messias deste género, são rock’n’roll juvenil e festivo, cheio de harmonias vocais e uma pop a níveis proibitivos, nada longe do punk-rock de Jay Reatard.

Outro dos nomes que aparecem no cartaz e que não ficam nada mal colocados ao lado do de Jay Reatard é o de Ty Segall, jovem pró-activo com um dos mais viciantes discos de 2009 , “Lemons”, que afoga o rock dos anos 60 (ele que é um confesso admirador de surf-rock e de Dick Dale, ou não fosse ele da Califórnia) numa espécie de new-psych caseiro, seguindo a tendência lo-fi do garage-rock (e de Reatard), onde a atitude é o que conta, compensando muitas vezes a falta de boas condições de gravação ou mesmo a falta de habilidade para tocar melhor. Ty Segall poderá (deverá) ser uma das grandes surpresas deste Barreiro Rocks.

É como se estivéssemos novamente nos Estados Unidos, circa british invasion, quando, fascinados pelo novo rock’n’roll e r&b que chegava da Inglaterra (olá Beatles, olá Rolling Stones) e desiludidos com o Elvis que voltara da tropa molengão, os adolescentes norte-americanos pegaram nos seus instrumentos e enfiaram-se nas garagens, tentando reproduzir os novos ritmos do rock’n’roll com poucas condições, mas com muita vontade. É esta a atitude que caracteriza King Khan & The Shrines, o furacão demente e eléctrico que, em Junho último, passou pelo festival MED, em Loulé, não deixando ninguém indiferente.

Contudo, agora vão apresentar-se num ambiente mais familiar, que poderá proporcionar uma atmosfera (ainda) mais galvanizadora para o seu voodoo-wop-rock’n’roll provocador e louco, feito em cima, mas também fora de palco. Habitual companheiro de estrada dos não menos loucos Black Lips, o canadiano filho de indianos King Khan tem já uma respeitosa história no underground do rock’n’roll, mas ganhou maior projecção com a maior visibilidade que a tendência mais garageira do rock tem ganho nos últimos tempos.

Só assim se compreende que uma banda como os Strange Boys venha a Portugal pela terceira vez, incluindo uma passagem por um festival como o de Paredes de Coura. Também muitas vezes comparados aos Black Lips – que parecem ser outro denominador comum no alinhamento do Barreiro Rocks –, os Strange Boys são uns simpáticos rapazes texanos que se marimbaram para o rock sulista e abraçaram o espírito transgressor que ficou perpetuado naquela enciclopédia áudio fundamental que são os Nuggets. O lado mais trendy do rock está cada vez mais posto de lado (os Strokes já não empolgam ninguém e os Franz Ferdinand nunca empolgaram) e são bandas como os Strange Boys, em que o rock’n’roll volta a ser sobre ser jovem e viver cada dia como único, que têm os holofotes sobre si.

Apesar de ser um certame internacional, o Barreiro Rocks nunca descurou o produto nacional. E este ano não há excepção. Há o country-psicadélico dos Tiguana Bibles, a nova banda que volta a juntar em palco os ex-Tédio Boys Vítor Torpedo e Kaló; há o punk-rock-cristão-lo-fi de Tiago Guillul, o pastor Baptista responsável pela editora Flor Caveira e, hypes aparte, uma das melhores coisinhas que o nosso rock tem parido; e há a Nicotine’s Orchestra, o projecto one-man-band de Nick Nicotine, frontman dos barreirenses Act-Ups, que, paradoxalmente, sentiu necessidade de mandar o lo-fi e o diy às urtigas e convidar gente de carne e osso a sério para darem resposta aos devaneios fantasmagóricos que andavam a povoar a parte criativa da sua mente.

No fundo, são 60 anos de rock’n’roll para celebrar em dois dias apenas – 12 e 13 de Novembro –, num festival que é uma verdadeira festa.



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