“Batman – The Court Of Owls”

“Batman – The Court Of Owls”

"The Court of Owls" é do melhor que se tem feito, não só na DC Comics como na BD de super-heróis em geral

A relação entre Homem e Animal é um conceito que sempre nos intrigou. Essa aproximação do ser Humano ao seu lado selvagem ou, no sentido inverso, a racionalização dos animais é, desde cedo, algo amplamente explorado na ficção. Vejam-se os Vampiros (ainda que o mito não tenha nascido a partir do mamífero voador) ou os Lobisomens, para o primeiro caso, e o “Triunfo dos Porcos” ou “O Planeta dos Macacos”, para o segundo.

Em relação à primeira hipótese, há qualquer coisa de libertador nessa relação. Esta mistura entre Homem e Besta resulta normalmente numa maior aproximação ao nosso lado selvagem, “animal”, que por conseguinte nos afasta das nossas “amarras” morais e sociais, ou seja, da nossa racionalização. No caso dos clássicos Vampiros ou Lobisomens, existe por norma um qualquer tipo de maldição que em certa medida desculpa os seus actos, gerando ao Homem em questão um conflito interior entre os seus dois lados.

Este tema foi desenvolvido e explorado das mais diversas formas, entre as quais a Banda Desenhada. No mundo dos Super-Heróis, dois dos maiores nomes deste género têm ligações directas a animais: Batman e Homem-Aranha. O primeiro tem uma ligação simbólica ao morcego – usa a sua imagem para incutir medo nos seus adversários e, por isso, trata-se de uma relação que provém da escolha; já no segundo caso o destino desempenhou um papel maior – quando Peter Parker foi mordido por uma aranha radioactiva ficou, para sempre e biologicamente, ligado à mesma. Por norma, Parker tem total domínio das suas faculdades mentais, mas já foi retratado a perder o controlo para o lado “aranha” (devido a mutações no seu código genético).

Quando Stan Lee criou para o Homem-Aranha o vilão Scorpion, a escolha do animal em questão não foi inocente. Que melhor vilão para alguém que personifica uma aranha do que um dos seus predadores? Assim nasce o Escorpião, aparentemente em tudo superior ao Homem-Aranha, uma vez que se encontra acima na cadeia alimentar. Claro que, neste caso, a hierarquização não é tão linear, porque ambos são uma amálgama entre Homem e Animal e o factor Humano faz toda a diferença. Afinal de contas, é a superioridade intelectual de Parker que o faz triunfar sobre vilões que, à partida, o suplantariam. Ainda assim há qualquer coisa de imponente nesta relação, algo que apela ao instinto mais básico de sobrevivência e às cruéis leis da natureza, porque às vezes, pura e simplesmente, estamos em desvantagem.

Batman - The Court of Owls

Em 2011, mais ou menos por esta altura no calendário, foram lançados os “The New 52” da DC Comics – o famoso reboot da editora. Scott Snyder, que tem tido cada vez mais notoriedade graças ao seu aclamado “American Vampire”, foi o homem escolhido para pegar no leme de “Batman”, uma das séries mensais mais importantes da DC. Snyder teve uma abordagem similar à de Lee, colocando o Morcego a enfrentar o seu predador, as Corujas, apesar de neste caso Bruce Wayne não ter qualquer tipo de relação biológica com o mamífero. Porém, o autor soube dar a volta a isso e, pegando na simbologia dos dois animais, conseguiu criar essa aura de terror entre a coruja e o morcego. Para isso acontecer Snyder mergulhou fundo naquilo que Batman tem como mais precioso: a sua cidade, Gotham City. Mais do que um simples ataque, o autor criou uma nova mitologia na série, o chamado “Court of Owls” (Corte de Corujas) que, qual maçonaria, se trata de uma organização secreta cujo poder e influência em Gotham se tem mantido ao longo de vários séculos. Para a maioria a Corte será apenas uma lenda, mas Batman está prestes a descobrir que esta lenda é bem real.

Imaginem que alguém tem desde sempre vivido em vossa casa; pior, esse alguém conhece melhor o local a que chamam lar e encontra-se escondido mesmo debaixo do vosso nariz. Este é o sentimento aterrador que invade a vida de Batman entre os números 1 e 11 da sua nova série mensal, constituindo o famoso e bem conseguido arco à volta do “The Court of Owls”.

Beware the Court of Owls, that watches all the time, ruling Gotham from a shadowed perch, behind granite and lime. They watch you at your hearth, they watch you in your bed, speak not a whispered word of them, or they’ll send The Talon for your head.

Quando Bruce Wayne revela os seus planos para reconstruir e alterar Gotham City a, sua vida entra em directo conflito com os planos desta sociedade secreta. A Corte tem usado ao longo dos anos assassinos treinados, que dão pelo nome de Talons, para eliminarem todos aqueles que não agem de acordo com o desejado e, assim sendo, chegou a altura de fazer uma visita ao milionário mais famoso da cidade. Claro que Bruce Wayne não é um simples cidadão. Estamos a falar do Guardião Nocturno, do Cavaleiro das Trevas, de Batman. Mas será que uma organização tão antiga e poderosa como esta Corte não saberá que Batman e Wayne são uma e a mesma pessoa?

Há também que fazer um elogio em relação aos desenhos de Greg Cappullo: tanto a nível de cenários como de personagens o seu trabalho é notável. Estamos perante uma história intrinsecamente ligada a Gotham City e Cappullo conseguiu construir um dos melhores retratos arquitectónicos desta cidade dada a conhecer no mundo dos quadradinhos. De salientar a cena que decorre num labirinto – que poderia fazer jus ao de Creta; a perseguição de Batman pelo Talon podia ser o Minotauro – e o retrato da loucura crescente na personagem, alguns dos momentos mais intensos desta história. No final temos também 11 capas de tirar o fôlego, onde só duas pecam por conterem uma tira de publicidade (DC, publicidade é dentro dos livros, nunca nas capas).

Para criar esta nova mitologia tão ligada à cidade, Snyder e Cappullo imergiram no passado da personagem, criando-lhe novas variantes de forma a ligar a sua vida à da Corte e sem abalar os alicerces da história original. Veja-se, a título de exemplo, quando sabemos que, em criança, Bruce Wayne chegou a desconfiar da existência desta Corte acusando-a, sem sucesso, do assassinato dos seus pais. Desta forma, os autores conseguiram transmitir a sensação de que esta (recente) “lenda” esteve desde sempre presente na vida de Gotham, conferindo-lhe assim ainda mais poder.

Batman - The Court of Owls

Por falar no passado, existe uma mini-história publicada no final dos números #9-11, “The Fall Of The House Of Wayne” – da autoria de Scott Snyder e James Tyniion IV, com desenhos de Rafael Albuquerque -, onde Jarvis Pennyworth – o pai de Alfred e antigo mordomo da mansão – nos revela mais sobre a vida dos pais de Bruce Wayne. Não sendo essencial para desfrutar do arco principal, não deixa de ser uma leitura aconselhada. A forma como acompanha o arco principal é muito bem orquestrada, pois está sempre acoplada ao mistério criando ainda mais tensão a toda a história sem nunca a revelar antecipadamente.

Foi também durante esta série que surgiu o primeiro Crossover dos “The New 52”, apelidado de “Night of Owls” (“Noite das Corujas”), que tem início no #8. No final deste número existe outra mini-história, da mesma equipa mencionada no parágrafo anterior, intitulada “The Call”, e que é usada para fazer a ligação entre a Corte e outras personagens do universo do Morcego, tais como Batgirl, Catwoman, Robin ou o já envolvido Nightwing, entre outros. Mais uma vez, a aquisição das séries envolvidas no crossover não é de todo obrigatória para a compreensão deste arco que vive por si só.

“The Court of Owls” é do melhor que se tem feito, não só na DC Comics como na BD de super-heróis em geral. A dupla Snyder e Capullo é tudo aquilo que um leitor pode pedir e, felizmente, vai manter-se unida nos próximos números cuja aura já se começa a fazer sentir. Depois da criação de um novo vilão, a dupla de autores vai aventurar-se pelo território do mais clássico de todos. Senhoras e senhores, abram as alas para o regresso do Joker!



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