“Béla Tarr – o tempo do depois” | Jacques Rancière
A importância de se chegar ao fim
Um plano-sequência de uma cavalgada extenuante dá o mote àquele que Béla Tarr diz ser o seu último filme, “O Cavalo de Turim”. Ilustra um percurso sinuoso com que o cineasta decerto se deparou por várias vezes ao longo de sua carreira. Para comprová-lo, a sua obra final foi a primeira a estrear no circuito comercial português e noutros tantos países, após uma longa carreira formalmente iniciada em 1977. Foi a distribuição mundial mais ampla da carreira de Tarr.
Jacques Rancière é um dos autores expoente do pensamento estético-filosófico. Abordar a estética visual contemporânea sem discorrer sobre o cinema Béla Tarr veio a tornar-se inconcebível, sobretudo agora que o cineasta diz ter concluído o seu corpo de trabalho. É isso que “Béla Tarr – o tempo do depois” (Orfeu Negro, 2013) faz: uma análise de conteúdo e de técnica, sendo descritivo daquilo que já se viu ou se vai ver, e pensando sobre aquilo que talvez ainda não se tenha pensado. É um pequeno livro feito à medida, escrito para incitar à reflexão de um público restrito, público que possa ter interesse genuíno na análise da obra do realizador.
Tarr declarou, numa entrevista ao Público feita em 2012, que detesta «metáforas, o cinema não é feito de metáforas. O filme é o que é, simplesmente». O mundo académico discorda. Tarr não é certamente o primeiro realizador a garantir que as suas intenções narrativas e visuais são lineares e sem espécie alguma de alegoria, despertando ainda mais o debate nos círculos intelectuais. A sua obra é em tudo propícia a uma análise intensiva e rigorosa.
O ensaio foca-se, entre outros tópicos, na temática recorrente da obra de Tarr que, trajada de diferentes formas (do realismo social de Ninho Familiar à ténue aura fantástica de As Harmonias de Werckmeister), encontra sempre lugares comuns: o seio familiar; o socialismo; entre outros, o personagem com premonições ou o idiota.
Ao contrário do que o imediato sugere, a filmografia de Béla Tarr não reflecte sobre um fim apocalíptico, antes sobre uma continuidade pautada por marcos de importância que jogam com a sensibilidade e a atenção do espectador. Rancière sugere que o cineasta húngaro faz sempre o mesmo filme, e que «surgirá a mesma pergunta: por que razão fazer mais um filme sobre uma história que é, em princípio, sempre a mesma?». O próprio realizador afirma, na supracitada entrevista, que caso a sua obra continuasse para além de “O Cavalo de Turim”, estaria a plagiar-se. Com este fim é possível uma visão holística do seu trabalho, uma compreensão que, com o tempo, se torna não em um, mas em vários inícios: para o olhar sensível do espectador e para o olhar clínico do académico.
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