“Bioshock Infinite”
O Citizen Kane dos videojogos
Arte (do latim ars, significando técnica e/ou habilidade) geralmente é entendida como a actividade humana ligada a manifestações de ordem estética ou comunicativa, realizada a partir da percepção, das emoções e das ideias, com o objectivo de estimular essas instâncias da consciência e dando um significado único e diferente para cada obra. A arte se vale para isso de uma grande variedade de meios e materiais, como a arquitectura, a escultura, a pintura, a escrita, a música, a dança, a fotografia, o teatro e o cinema.
in Wikipédia
Podemos considerar os videojogos obras de arte? A partir da definição apresentada todos os jogos são “arte” porque em todos eles existe o “objectivo de estimular as instâncias da consciência, dando um significado único a cada obra”. Naturalmente que esta discussão fica nebulosa quando em muitos jogos a narrativa é o menos importante, ou inexistente, e a unicidade é dúvidosa porque na realidade apenas é repetida uma fórmula já testada – por exemplo: jogos de futebol, corridas de carros. Com paisagens deslumbrantes e um gameplay bastante peculiar, “Journey”, lançado há praticamente um ano em exclusivo para a PS3, foi muito bem recebido pela crítica, tendo recebido diversos prémios e relançado a discussão sobre este paradigma. Mais recentemente chegou ao mercado “Bioshock Infinite” da 2Kgames, desenvolvido pela Irrational Games que eleva a fasquia dos videojogos para uma dimensão nunca antes explorada. Será arte? Claro que sim.
Columbia
O jogo arranca num barco a remos a caminho de uma ilha numa noite de tempestade. Controlamos Booker DeWitt, um ex-militar que é escoltado com o objectivo de resgatar uma rapariga chamada Elizabeth e trazê-la de volta a Nova Iorque. Apenas sabemos que este resgate é necessário como forma de pagar um dívida antiga. Ao chegar à ilha encontramos um farol e dentro dele uma cadeira que nos leva a 20000 pés de altura para a cidade “voadora” de Columbia. Este é o verdadeiro ponto de partida para uma aventura surpreendente e sensorialmente quase indescritivel.
Columbia é uma alegoria e uma das mais deslumbrantes e épicas criações digitais da história dos videojogos. Columbia é uma cidade fundada por Zachary Comstock, um dos muitos antagonistas com os quais nos vamos cruzar, que ao sentir-se traído e com a sua visão ignorada pelos Estados Unidos decide levar, no ano de 1893, toda a sua cidade para os céus através de uma tecnologia de física quântica. O resultado é uma cidade inteira que flutua acima das nuvens, onde os prédios parecem barcos e na qual a cada passo nos apetece parar, olhar em redor e desfrutar. Durante a nossa aventura vamos conhecendo em pormenor a história da cidade, seja através de conversas que vamos ouvindo ou através de pequenos filmes que são disponibilizados durante a nossa “viagem”.
É aqui que as equipas de futebol de Columbia festejam os seus títulos
Uma cidade bela, com pessoas felizes, um ambiente festivo. Estas são as primeiras impressões que temos de Columbia nos primeiros minutos de gameplay. Sem querer desvendar qualquer pormenor sobre a história, existe um momento a partir do qual o sangue é obviamente derramado (se uma forma surpreendentemente brutal), ou não fosse este um shooter na primeira pessoa. A perfeição de uma sociedade burguesa, apostada em conduzir uma vida de correção moral e valores religiosos, descamba numa luta na qual nos vemos também envolvidos. Era inevitável, pois esta é também uma sociedade de racismo, onde os negros, os irlandeses e outros estrangeiros estão abaixo dos animais, escravizados ao trabalho sem direitos nem liberdades. Esta é uma sociedade envolvida na religiosidade do seu profeta e dos seus rituais e mensagens constantes, espalhadas nos enormes cartazes, nas estátuas e nas mensagens sagradas dos altifalantes.
Armas, Vigors e Escolhas
Existe um grande leque de armas que vão sendo disponibilizadas durante a nossa aventura. Podemos transportar apenas duas. Para além do poder bélico temos “poderes especiais” chamados de vigors que são utilizados com a mão esquerda. Não sendo complicado perceber a mecânica da sua utilização, o primeiro impacto pode ser um pouco confuso porque o primeiro vigor que recebemos é a habilidade de possuir um inimigo ou máquina. Não sendo obrigatório utilizar estes poderes para avançar no jogo, algumas batalhas tornam-se quase impossíveis de ultrapassar sem o seu uso, que para além de útil é extremamente recompensador e divertido, possibilitando um grande número de combinações e elevando o combate a um nível nunca antes alcançado em shooters.
Eu tenho muitos poderes ….
Existem obviamente traços de progressão RPG ao longo da aventura, no que toca a upgrades das armas, poderes especiais e peças de roupa (gears) que nos dão mais poderes e atributos, mas está afinado a um ponto em que não podemos simplesmente acumular e desbloquear tudo, mas sim em que temos que fazer as nossas escolhas, como já é habitual na série. Essas escolhas funcionam, sejam quais forem, e permitem que tipos diferentes de jogadores possam abordar o jogo da forma que preferem, enquanto também premeia a repetição da aventura entre 15 a 18 horas com estratégias diferentes.
Uma nota para a forma como é gerida a nossa morte no decorrer da aventura. Existe uma diferenciação entre uma morte acidental e uma morte em batalha. Se a nossa morte ocorrer devido a, por exemplo, um salto mal dado entre edificios, voltamos automaticamente ao topo do mesmo como se nada tivesse passado. Se morrermos em batalha perdemos moedas (que vão sendo recolhidas durante a aventura e podem ser utilizadas para adquirir uma enorme variedade de “bens e serviços”). Em ambas as situações o jogo não é interrompido porque voltamos sempre ao mesmo ponto onde morremos. Por exemplo, se numa batalha com 20 inimigos morrermos depois de ter aniquilado 10, ao regressar apenas temos que ultrapassar os restantes 10.
Épico
Esta é a melhor palavra para descrever o que se sente ao jogar “Bioshock Infinite”. Tudo é épico. Existem pormenores no cenário que nos vão dando pistas para o subconsciente, nem que isso signifique que o vento sopre um pouco mais forte naquele momento. A banda sonora é sublime e vai da música clássica à música do século passado, e até a toques geniais como “Girls just wanna have fun” ou “God only knows”. Todo o som ambiente torna a experiência ainda mais enriquecedora e devido a isso é aconselhável jogar com uns bons headphones. Todas as personagens são trabalhadas como se de um filme se tratasse. Todas têm uma história, todas ficam na nossa memória e todas têm uma razão para existirem dentro do argumento mágico criado.
Embora seja contraditório, a grandiosidade do jogo é também o seu ponto fraco. As expectativas criadas no decorrer da história podem, para alguns jogadores, ser defraudadas com o final. Não quero com isto dizer que “Bioshock Infinite” tem um mau final, longe disso, o problema reside no constante desejo que o jogo nos cria em ser surpreendidos. O jogo dá tanto, mas nós queremos sempre mais, mesmo sabendo que o que temos já é muito bom.
A nossa missão …
Uma última nota para Elizabeth, a razão pela qual estamos em Columbia e uma das personagens mais bem criadas na história dos videojogos. A partir de certo momento ela faz parte da nossa aventura e irá ajudar-nos e muito na acção (não desvendando de qualquer forma). A inteligência artificial de Elizabeth é impressionante. Observa o cenário com curiosidade, afasta-se e aproxima-se de nós no momento certo, encosta-se à parede quando não há nada para fazer, ou comenta e faz-nos perguntas na sua voz doce.
Melhor do ano?
Tal como em qualquer outro produto artístico, não acredito que se deva pontuar o que por definição é subjectivo. “Bioshock Infinite” é uma obra de arte e um dos melhores jogos de sempre. É um jogo que fica na história, que marca a indústria e que será lembrado por muitos e muitos anos. Obrigatório em qualquer colecção.
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