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“Black Panther” de Ryan Coogler

Wakanda para sempre.

Em Julho de 1966 aparecia pela primeira vez nas páginas do número 52 do “Quarteto Fantástico” a personagem “Black Panther”. Criado sobre a chancela da Marvel, pelo argumentista Stan Lee e pelo genial desenhista Jack Kirby, este é o primeiro super-herói negro com mais relevo da história da banda desenhada americana.

O início dos anos 60 nos Estados Unidos foi marcado por eventos relacionados com o Movimento dos Direitos Civis, que pretendia reformas legislativas que terminassem com a discriminação e segregação racial. 1963 é marcado pela Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, onde Martin Luther King fez o histórico discurso “Eu tenho um sonho”. Em 1964 Sidney Poitier torna-se o primeiro actor negro a receber um Óscar, pelo seu desempenho como actor principal no filme “Os Lírios do Campo”. Ainda neste ano era aprovada a Lei dos Direitos Civis, que punha fim a qualquer tipo de discriminação em todos os estados e Luther King recebia o Nobel da Paz. No ano antes do nascimento de Black Panther era aprovada a Lei dos Direito de Voto.

Cinquenta e dois anos dois depois Black Panther vê a sua história passada para cinema, causando algum impacto na sociedade norte-americana: não só pelo estrondoso sucesso de bilheteira, pelo tema do filme, mas também por ser realizado e argumentado por afro-americanos e pelo seu elenco ser maioritariamente composto por actores negros.

Se voltarmos a recuar no tempo, recordamos que em 2009 os Estados Unidos da América elegeram o seu primeiro presidente afro-americano, mandato que durou oito anos. Em 2013 nasceu o movimento “Black Lives Matter” para expor situações de violência contra pessoas negras. Em 2016 personalidades de Hollywood como Will Smith, Jada Pinkett Smith e Spike Lee criticaram a falta de diversidade racial na indústria do entretenimento. Lembrar também que o primeiro ano da administração Trump foi ensombrado por questões sobre a Imigração e a Saúde.

Parece que Black Panther surge em momentos em que sociedade norte-americana precisa de falar sobre o tema da raça, mas como é que esta personagem pode ajudar?

Nos anos 60, se não houve intenções políticas na criação deste personagem, a realidade é que havia uma geração que pela primeira vez tinha direitos e precisava de histórias que a representasse e a inspirasse.

Lee e Kirby recriaram a “Utopia” de Thomas More: o reino de Wakanda, no continente africano, é uma sociedade prospera, tecnologicamente avançada e que nunca foi colonizada. A riqueza de Wakanda vem de um metal, o Vibranium, que os cientistas do reino aprenderam a manipular para dele extrair a energia que alimenta toda a sociedade e permite que todos vivam com conforto. Mas Wakanda esconde-se do mundo, nunca partilhando nem a sua riqueza, nem o seu conhecimento.

O realizador e argumentista Ryan Coogler em conjunto com o argumentista Joe Robert Cole colocam esta ideia utópica em confronto com o quotidiano de milhões de pessoas negras que em todo o mundo sofrem de discriminação e todos os dias têm de lutar pelos seus direitos. Criam-se duas facções, de um lado os privilegiados que vivem em Wakanda e que defendem que o reino deve permanecer afastado do mundo, temendo que a partilha do seu conhecimento provoque a sua queda. Do outro lado, as personagens que vivem fora de Wakanda, que sempre sofreram por serem negras e vêem no poder económico e tecnológico que o Vibranium garante o caminho para o fim da opressão. É o choque entre estas duas visões antagónicas o motor de toda a acção.

O filme também é rico por oferecer visões pertinentes: grande parte das personagens é feminina, a guarda pessoal do Rei, as Dora Milaje, é composta por mulheres; a irmã do Rei, Shuri, interpretada por Letitia Wright, cientista é a responsável por toda a tecnologia do reino (sendo muito mais inteligente que o Tony Stark). Não é só o número, mas a sua relevância é superior à das personagens masculinas, são independentes, tomam decisões e em confronto os homens cedem a seu favor. São personagens que encarnam ideais que devemos aspirar um dia alcançar, ou pelo menos ir vivendo a caminhar nesse sentido.

É interessante o diálogo entre a Tecnologia e a Tradição. É uma sociedade que assenta o seu governo no sistema tribal, utiliza a ciência para gerar uma sociedade mais desenvolvida e mantém uma profunda ligação à Natureza, respeitando os rituais tribais e místicos.

O filme “Black Panther” aparece na continuidade do Universo Cinematográfico da Marvel, mas não é só mais uma história de super-heróis com muitos efeitos especiais, vilões, extraterrestres, malta de colãs ao murro e que no fim fica tudo na sala à espera das cenas extra sobre o evento dos Vingadores. “Black Panther” vai beber ao papel social do Cinema, vertendo para uma história ideais de Igualdade, Fraternidade e Liberdade e relembrando um dos mais emblemáticos lemas (que peço emprestado ao “Spider-Man”): com grande poder, vem grande responsabilidade.

Para quem gostar deste personagem e quiser ler a banda desenhada, já há várias histórias traduzidas para português e disponíveis no mercado. O mais recente lançamento é da editora Goody com o título “Pantera Negra”.

 



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