Blaxploitation na 9ª arte
Estamos nos conturbados anos 70 dos EUA onde proliferam conflitos sociais e as diversas áreas de expressão artística procuram reflectir este sentimento.
Inevitavelmente surgem no cinema representações deste período. Como resultado do próprio contexto social nasce um subgénero que se destacou pela sua peculiaridade. Esta corrente denominada Blaxploitation trouxe o protagonismo dos filmes para realizadores e actores de raça negra. O género foi duramente criticado pelo facto de estereotipar as personagens e temáticas, abordando-as de forma primária. Os argumentos incidiam usualmente sobre a delinquência, tendo como pano de fundo uma banda sonora composta por temas funk e diálogos repletos de calão. Apesar das vozes dissonantes, assistimos á proliferação destes filmes durante toda a década de 70, podendo destacar-se a título de exemplo a trilogia de Shaft (que mais tarde daria lugar a uma curta série de TV) , Super Fly, Black Caesar, Across 110 th Street ou Disco Godfather.
À semelhança do que se passava na 7ª arte, o fenómeno de utilizar protagonistas negros nos comics tornou-se moda nas editoras mainstream sendo o caso da Marvel o mais emblemático.
Comics como o do Capitão América, ou Homem Aranha introduziram personagens que tentavam dar um maior protagonismo a um segmento da sociedade que habitualmente era simplesmente ignorado.
No caso do Capitão América é nesta fase que é introduzido o super-herói afro-americano Falcão , chegando mesmo o titulo original dos EUA a designar-se por Captain America & Falcon entre 1971 e 1978. O alter ego do Falcão , Sam Wilson , tinha um papel activo no apoio social à comunidade do Harlem , sendo este um dos elos de ligação, habitualmente utilizado pelos argumentistas, com as temáticas características dos filmes Blaxploitation.
Em 1972 é criado o personagem que cristaliza este fenómeno: Luke Cage – hero for hire (à semelhança dos detectives privados) . Para quem se recorda das edições da editora Abril , não pode deixar de lado algum saudosismo pelas deliciosas “adulterações” do português do Brasil , neste caso denominando Luke Cage de “herói de aluguel”.
Luke Cage é um herói do Harlem com força sobre-humana, pele indestrutível, e uma predilecção por camisas de seda amarela. O seu estilo e vocabulário imortalizado pelo grito de guerra “Sweet Christmas!” acaba por tornar o personagem numa caricatura daquilo que pretende representar. Mais tarde viria a partilhar o seu título com um dos heróis da B list da Marvel , Iron Fist. Esta opção revela alguma dualidade editorial em relação à abordagem de um super-herói negro dado que o tom do comic passa a ter paralelismo com uma sitcom, não sendo exploradas questões sócio politicas como já havia sido aflorado anteriormente no título da DC Green Arrow/ Green Lantern.
Black Panther (nenhuma relação com Eusébio) foi uma abordagem mais original dentro do conceito, cruzando a aventura clássica situada no “misterioso continente Africano” vs a cosmopolita Nova Iorque. O personagem consegue sobressair em termos de originalidade dado o seu perfil de líder aristocrata permitindo que as suas aventuras saíssem fora do habitual contexto de gangsters. Curiosamente o seu nome foi temporariamente alterado em 1972 para Black Leopard para evitar conotações com o grupo activista Black Panthers.
Apesar de não ser um exemplo tão vincado do típico personagem de Blaxploitation, cabe uma menção a Blade. Popularizado pelas adaptações para cinema realizadas nos 00s, foi também um produto deste período, surgindo mais concretamente em 1973 no título Tomb of Dracula como personagem secundária.
O fenómeno Blaxploitation tal como foi imortalizado no cinema dos anos 70, esmoreceu com o inicio da década seguinte, acompanhando os Comics esta tendência. Ignorando algumas das experiências relativamente desajeitadas da Marvel na época, o legado sobrevivente a este ciclo é composto por personagens suficientemente interessantes, justificando assim a sua existência em termos criativos. Após alguma cosmética nas diversas facetas das suas personalidades ocorrida ao longo dos anos, conseguem actualmente reflectir de forma mais equilibrada o seu propósito original.
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De notar que a Marvel, desde os tempos do Martin Goodman, tentou sempre capitalizar em tudo que era moda em determinado período, inundando sempre o mercado com histórias sci-fi, cowboys, teen romance ou qualquer que fosse o trend. São o Roger Corman da banda desenhada