Bom dia, Noite.

A Rua de baixo foi ao cinema conhecer a mais recente obra de Marco Bellocchio.

Estreou este mês o novo filme de Marco Bellocchio “Buongiorno notte” que arrecadou o Prémio de Melhor Contribuição Artística Individual no Festival de Veneza de 2003 e o Prémio FIPRESCI no Festival de Cannes de 2003. Trata-se de um filme muito interessante, inspirado no livro “Il Prigionero” de Anna Laura Braghetti, que aborda o sequestro e subsequente assassinato de Aldo Moro em 1978 por parte das Brigadas Vermelha.

De 1969 a 1978 a República Italiana viveu um dos períodos mais negros da sua História: foram os chamados anos de chumbo. Um grupo de activistas de esquerda, que se auto-intitulava de Brigadas Vermelhas, emerge em Itália em 1969 com diversas acções terroristas, das quais a mais mediática acabou por ser o sequestro do então líder do Partido Democrata Cristão Aldo Moro em 1978.

Aldo Moro foi raptado em Março de 1978 e os seus cinco guarda-costas assassinados. O objectivo era conseguir a libertação de 13 membros das Brigadas Vermelhas que estavam a ser julgados em Turim. Moro escreveu várias cartas aos companheiros de Partido, ao Governo de Andreotti e ao Vaticano mas todos os esforços empreendidos provaram ser inúteis face a um destino que já se vislumbrava como certo. No dia 9/05/1978, o corpo de Moro é encontrado num carro estacionado numa rua entre a sede do Partido Democrata Cristão e a sede do Partido Comunista.

Marco Bellocchio é um reputado cineasta italiano conhecido pela sua obra fortemente crítica em relação a instituições estabelecidas, regras e dogmas. O tema da contestação está também presente em “Buongiorno, notte”, mas agora filtrado por uma dimensão humana que torna este filme ainda mais interessante.

Em “Buongiorno, notte” não estamos perante uma justificação, uma condenação ou uma denúncia. Bellocchio surge aqui politicamente neutro. Através do olhar de Chiara, jovem brigadista responsável, juntamente com mais 3 companheiros, pelo sequestro de Moro, Bellocchio mostra-nos o lado humano dos seus raptores.

Chiara é uma jovem operacional das Brigadas Vermelhas que oculta a sua identidade trabalhando numa biblioteca. Ernesto (Pier Giorgio Bellocchio), outro camarada brigadista, faz-se passar por seu marido, mas é Primo (Giovanni Calcagno), outro membro da organização, o seu verdadeiro amor. Chiara e Ernesto fazem-se passar por um casal e arrendam uma casa que servirá de abrigo para os seus companheiros terroristas e será o local para onde será levado Aldo Moro (Roberto Herlitzka). Mariano (Luigi Lo Cascio) comanda esta pequena célula que executa o plano de sequestro.

É travando amizade com Enzo (Paolo Briguglia), um colega de trabalho que lhe fala do seu guião “Buongiorno, Notte”, inspirado na actualidade italiana, que Chiara toma consciência de que o ideal que rege a sua luta perdeu sentido e a partir desta altura sonho e realidade misturam-se para Chiara.

A partir do momento em que Aldo Moro é raptado temos um longo e lento plano de sequências que nos apresenta este ambiente fechado, escuro e muitas vezes claustrofóbico. A alternância interno/externo reflecte, por um lado, a angústia por uma sociedade assim estruturada e, por outro, o desejo de sair daquela casa e fugir.

Em “Buongiorno, notte” temos três filmes dentro do mesmo: o filme histórico em que, através de imagens a preto e branco, somos reportados à época da propaganda estalinista e ao fuzilamento dos resistentes por parte dos fascistas durante a Segunda Guerra Mundial; o filme real que relata os 55 dias de sequestro e todo o “julgamento” de Moro; o filme imaginário que retrata o conflito interior vivido por Chiara que já não crê no que está a fazer e sonha libertar Moro e a si própria de um mundo clandestino.

Não se trata de um filme de acção, é um filme histórico que vale pela intensidade dos olhares, pela densidade psicológica dos protagonistas, pelos diálogos políticos.

Chiara e Moro são os verdadeiros protagonistas deste filme. Através do olhar de Chiara aparece-nos o próprio Bellocchio a tomar uma posição contra o extremismo. Moro é um diplomata que, ao longo dos seus 55 dias de cativeiro, se vai apercebendo de que foi abandonado à sua sorte e que os companheiros de Partido e o Governo irão usá-lo para servir de mártir e colocar a opinião pública contra as Brigadas Vermelhas.

O terrorismo domina a actualidade e este filme, ao centrar-se num acontecimento ocorrido há 26 anos, é muitíssimo actual. “Buongiorno, notte” torna-se um filme interessante por apresentar o terrorismo da perspectiva dos terroristas.

 



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