Buraka Som Sistema @ Clube Mercado
O mundo cabe na Buraka.
Buraka Som Sistema representa um novo mundo. Em traços muito genéricos e, fatalmente, exagerados, a música portuguesa é um deserto total. Não há nada de interessante, original e, sejamos explícitos, verdadeiro, há tanto tempo que já não nos lembrávamos como seria… Como seria sentir na pele as mazelas que o desbravar de um território novo provoca. Sentir o suor a escorrer pelos corpos que dançam convulsivamente o momento certo da história. A alegria de estar no centro dos acontecimentos, de pertencer ao acontecimento.
Um concerto da Buraka é uma festa, uma celebração do instante, do efémero. É um abandono ao mau gosto – um mau gosto estilizado, mas, apesar de tudo, mau gosto. Não acredito que uma só das pessoas que estavam no Mercado na noite de 28 de Julho ouvisse de bom grado o kuduro, que sai das janelas de carros a acelerar ou dos prédios dos subúrbios lisboetas. Mas Buraka já não é kuduro, é outra coisa, e é essa coisa que interessa.
Toda a boa arte nasce do mau gosto. Buraka Som Sistema nasceu do kuduro. Os músicos que compõem este sistema têm outros projectos, que provavelmente levam mais a sério, projectos que estão dentro dos padrões do bom gosto e do mofo que é a cultura em Portugal – atente-se, que não se discute aqui a sua qualidade. Pegaram no kuduro, acredito que por brincadeira, pirraça, e injectaram-lhe toda a música urbana da actualidade – Diplos (eu sei que é só um gajo), baile-funk e afins e algum techno e drum n’ bass à mistura. E fizeram bem. Por uma vez, se estamos a reboque, estamos no reboque certo. E Deus sabe como não só o nosso carro está avariado como o rádio tem uma cassette encravada faz agora uns quinze anos (isto era uma metáfora – o carro é Portugal, o rádio a nossa música, obrigados a quem percebeu).
Do gozo (de brincar e de prazer) ao hype é fácil. É preciso um patrocinador e esse patrocinador foi Vítor Belanciano, que em boa hora professou o seu amor à causa no jornal onde escreve, o Público. Chamou a populaça, neste caso, a malta cool que se passeia no Bairro Alto ao barulho. E fez com que gostar de Buraka não fosse um guilty pleasure mas um orgulho que se expressa pelos movimentos do corpo. Quando se está no meio do público num concerto de Buraka não se pensa, não se raciocina, um gajo deixa-se levar pela dança. Aliás, só se pode perceber e gostar de Buraka dançando-se. Já David Byrne defendia tese parecida quando tocava com os Talking Heads. É por esta inteligência do corpo que nos devemos guiar. Ela está certa, os nossos receios de ridículo não.
Podia escrever mais concretamente sobre o concerto? Podia e assim o farei. A noite está boa e lá para a uma hora, com o Mercado quase cheio, aparecem Lil’ John e Riot e atiram com as primeiras batidas, sintéticas, repetitivas. De pronto juntam-se-lhes Conductor, Kalaf e Petty que partilham entre si as palavras de ordem com que a plateia é servida. «Buraka Entra», e entra pelos nossos ouvidos e pela nossa pele. A dança (sempre a dança) é natural e espontânea, é verdadeira. É uma delícia ouvir e ver Petty, de longe a melhor MC (chamar-se-á assim?) dos três. Ela, sim, dá o corpo (outra vez o corpo) ao manifesto. Ela tem a vida e a verdade nas ancas e na ponta da língua. O público responde efusivo, alguém sobe ao palco para dançar com ela. E dança.
O concerto é curto, tocam-se as músicas que fazem parte do recentemente lançado EP “ From Buraka to the World”: «Puxada», «Com Respeito», «Sem Makas». O público é uma marioneta (no bom sentido) manietada pela Buraka. Buraka diz “todos de cócoras”, e ninguém desobedece e todos se levantam quando o ritmo da música sobe, em conjunto, como um corpo comum. Para o fim, o melhor, a melhor canção: «Yah!», o grande single deste Verão Português. E, aí, não há dúvidas, estamos perante aquilo por que sempre esperámos.
Depois do concerto, tempo para Lil’ John e Riot espalharem os seus talentos como Dj’s. Ouvimos Gwen Stefani, Nelly Furtado, Basement Jaxx, um pouco de baile-funk, e continuamos a dançar, e continuamos certos.
There are no comments
Add yoursTem de iniciar a sessão para publicar um comentário.
Artigos Relacionados