O Cais do Sodré é sexy!
Pensão Amor, Bar da Velha Senhora e O Povo: A troika de bares que veio arrasar a noite Lisboeta.
Segunda-feira. Foi duro não foi? E ao mesmo tempo tão bom! Está tudo recuperado da semana inaugural dos três novos locais do Cais do Sodré? Já há muito que algo em Lisboa não surpreendia tanto. Porque uma coisa é ser kitsch e achar que sim, outra coisa é acertar em cheio. Bang!
E Boom! Nunca se viu a Rua Nova do Carvalho tão cheia! Inundada, talvez seja o termo exacto, por uma boa onda de noctívagos habitués, bon vivants e curiosos, dentro e fora dos bares. Pelo meio ainda se encontravam amigos nas varandas da Pensão Amor e conhecidos cá fora, de copo na mão, a olhar para o tamanho do “acontecimento”. Estava tudo lá como numa festa de aniversário, das boas. Parabéns, Cais do Sodré pá!
Quantos fazes? Não sabe ao certo, o Cais é um velhinho matreiro, habituado a peep shows, depois tornou-se adicto dos 80´s entre o Jamaica e o Tokyo, e, quando queriam que arrumasse as botas, deu-lhes com as muletas na cabeça para não perder os bons concertos do Musicbox. A partir daí e até aos afters no Europa foi só rejuvenescer.
Hoje digo-vos, sem risco de ruir e com acções culturais empreendedoras de louvar, o Cais do Sodré está vivinho da Silva, e recomenda-se. Qual cota enxuto que sai à noite com novo ritmo, gosta de picar uns petiscos renovados à la carte, um piano ou fado ao vivo, um burlesco com estilo e copo de vinho a acompanhar, de bar em bar, aberto a novidades. Um cota de alma renovada, contemporânea e com pinta, muita pinta.
Queiram desculpar o toque de jornalismo gonzo e demais eufemismos mas é inevitável quando se esteve presente na inauguração de quinta-feira a sábado. Com umas vindas a casa para mudar de roupa, obviamente, mas havia que regressar, havia sempre mais para incluir na reportagem porque a “coisa” não parava de acontecer. Era a noite, várias noites dentro de uma, quais matrioshkas a cheirar a tinta fresca, mas com um à-vontade dos antigos, como se tivessem estado todo este tempo à espera de acontecer. E assim, natural e euforicamente, lá se esteve no Cais.
Como foi? Na Pensão Amor, um sobe e desce pelos andares do prédio Pombalino. Nas escadas, pintadas com comédia do burlesco de outros tempos, risinhos e boquinhas (ora de agrado, ora de falso pudor) por entre a Zita, a Anita, a Palmira: as meninas na parede. Lá dentro, gargalhadas e boa conversa entre veludos, brocados, lustres, espelhos, peles e um espólio agradável de antiguidades do imaginário burlesco. Qual Maxime ao cubo e com o lustro bem puxado, deu-me saudades da Alegria da Praça.
No Povo, uma fome doida de petiscos até quase à hora do fecho, como se a cebola das saladas de grão e de polvo ou das pataniscas tivesse algum feitiço.
No Bar da Velha Senhora, para furar o ambiente de vela, boa música e, de quando em vez, um show burlesco. Havia sempre uma fila à porta ajudada pelo bom cheiro que pairava no ar, causa da cozinha aberta para a rua, e que a senhora loira que me pisou disse ser de bolas de berlim, mas não é, é das bruschetas de chorar por mais.
O triunvirato de bares que se estreou este Novembro no Cais do Sodré não aconteceu por acaso. “A Cultural Trend Lisbon (CTL) há alguns meses que pensava estender as suas actividades ao Cais do Sodré, noutros formatos mas sempre com uma vertente cultural. Começámos a desenvolver este projecto em Abril deste ano, tendo as obras sido iniciadas em finais de Agosto.” Explica Alexandre Cortez sócio da CTL, do Musicbox, e dono do novo Povo.
Este foi o primeiro e grande passo para a requalificação desta zona, quer do ponto de vista urbanístico quer cultural. A meta, refere Alexandre Cortez, é “trazer uma nova vida, uma nova visão da noite que se quer também rica na oferta cultural, tentando manter uma forte ligação ao imaginário que a história deste bairro nos transmitiu ao longo de décadas. Ė importante ressalvar que é para nós fundamental que se mantenha esta ligação ao passado e à tradição desta zona”. A visão foi partilhada numa feliz coincidência com os investidores da MainSide, proprietários da LX Factory e agora da Pensão Amor e com Micas, proprietário do Clube Ferroviário e os seus dois sócios, agora responsáveis pelo Bar da Velha Senhora.
No Bar da Velha Senhora, que rima com cabaret em pormenores refinados, ouvimos jazz e música brasileira directas do vinil enquanto esperamos por Micas, (como é chamado, ou nem ele responde). Por estes dias não tem havido abertas na enchente mas Micas lá larga o serviço de bar onde serve copos e um menu de petiscos renovados em loiça antiga (um mimo a minha chávena de café), para se vir sentar no palco ao fundo do Bar da Velha Senhora. “Este palco nunca está parado, as meninas já estão a vestir-se, vai começar um espectáculo de burlesco que é certo todas as quintas-feiras e aleatoriamente durante o fim-de-semana. Um palco que não é para concertos, para isso há o Musicbox, é para acontecimentos, para novos artistas, instrumentistas, cantores”. Do Clube Ferroviário para aqui a viagem é feita enquanto habitué; “todos nós passámos pelo Cais do Sodré e conhecemos a carga da cidade que assim se junta, a tradição cultural e esta essência nocturna de há muitos anos, mas que estava cada vez mais a desaparecer. Vamos voltar a dar vida ao Cais do Sodré de outrora mas com uma nova forma de estar, mais contemporânea, onde em vez de senhores dos mares e senhoras das esquinas, vêm designers, criativos, gente muito diferente, gente como nós”. Uma aposta feita também como proprietário investidor. “Estava à espera deste boom. Porque isto não é só um conceito novo no cais do Sodré, mas na cidade. É novo e é bom. Faz cruzar os públicos entre os bares e ainda de outras zonas como o Bairro Alto. Só nesta semana já se sente uma massa que é, também e curiosamente, feita de um novo público que não conhecia o Cais e acaba por vir. As pessoas estavam a precisar de algo novo, fresco e que é também quente, picante que nos faz sentir vivos e felizes”.
Subimos a Pensão Amor como deve ser: com tempo. Porque se este fosse mais um bar para beber copos, mesmo com o espólio antigo e erótico, não seria a mesma coisa. Aqui a coisa é outra, ao jeito dos donos, proprietários da Lx Factory, que tal como ela abriga vários projectos, em cada andar e sala. Aqui o abrigo sim, já foi de prostituição e hoje renovado – mas pouco, o que lhe dá ainda mais charme – continua a ter quartos, à hora, ao dia, ao mês, para dar e vender, tal o amor. Novos projectos criativos podem e devem tentar alojar-se e juntar-se aos que já existem: uma livraria erótica a cargo de José Pinho da Ler Devagar, o cabeleireiro Facto Fetish da FactoLab, uma boutique de lingerie e artigos eróticos, uma videoteca e um bar cevicheria com especialidades peruanas. Descansamos na sala de espelhos, com sofás tigrese e um varão que não choca mas antes une, à nossa volta os sofás estão todos ocupados de gente na boa cavaqueira. Esta sala remonta às antigas discotecas onde não se poupava em cores vivas florescentes e rodopiantes (ah desculpem isso é do varão e do tecto, olhem para o tecto). Antes de descer, um cigarro à varanda, uma das muitas, viradas directamente para a Rua Nova do Carvalho e que tornam a pensão ainda mais perigosa; “está-se tão bem aqui à conversa, que um dia troco a casa pela pensão, amor”. As coisas que se ouviram por estes dias. Quem veio esteve animado, bem disposto, surpreso, agradecido. E com fome.
Acabamos por isso como muita gente começou, nos comes, no Povo. Mas não é tarde, só se for para as pataniscas que esgotam rápido. O Povo serve caldo verde, prego em bolo do caco, saladinhas e outros petiscos até tarde e entre músicas e tertúlias, recriando o espírito das tascas antigas hoje com uma programação que chama novos artistas, “tem mensalmente um jovem fadista residente que aos domingos, terças, quartas e quintas aqui se apresentará sempre que possível com convidados, cantores, fadistas, músicos de diferentes áreas musicais para uma troca e partilha de experiências. Esta residência resultará na gravação de um CD que será por nós editado. No fim do ano contámos ter uma colecção de CD’s do POVO que seja um registo dos 12 fadistas que por aqui passaram, das suas experiências e do ambiente que por aqui se viveu”, conta Alexandre Cortez.
Vamos para casa de rastos. Kiss Kiss Bang Bang Baby! É desta violência que eu gosto e cheira-me que esta vai afastar a outra, daquela que se sabe mas se fala pouco. O que só marca ainda mais pontos para esta nova onda do Cais do Sodré que não vem só servir copos mas mostrar que a melhor forma de protesto é esta mesma: fazer. E fazer coisas bem feitas. Qual crise? Não há mal que venha ou possa vir. Tudo de bom. “Com futuro”, é como define esta nova fase Alexandre Cortez que já anda por estas andanças há um tempo. Com futuro e bem próximo, é já ali no centro ribeirinho desta Lisboa cada vez mais sexy.
Fotografias por Ana Jerónimo
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