Camões
De vós não conhecido nem sonhado?
A editora Plátano lançou no ano passado o livro “Camões – De vós não conhecido nem sonhado?” da autoria de Jorge Miguel que aqui volta novamente a viajar pela História de Portugal, debruçando-se agora sobre um dos seus maiores poetas.
O autor optou por iniciar esta história no mesmo ano em que a decidiu terminar, ou seja, 1580 naquele que viria a ser o ano da morte de Camões. No entanto rapidamente vai caminhando para trás no tempo até chegar a 1542 ano em que a narrativa propriamente dita tem início, mas não sem antes passar por 1552, aproveitando para fazer referência à rixa entre Camões e Gonçalo Borges a qual conduziria o primeiro ao encarceramento na tão famosa prisão do Tronco. Desta forma o autor consegue logo no início e em poucas páginas providenciar-nos uma ideia geral do tipo de homem que Camões foi, um boémio compulsivo que não pesava as consequências das suas acções.
Como havia referido a trama propriamente dita tem início em 1542, quando o poeta, com 18 anos, regressa a Lisboa vindo de Coimbra, cidade que abandona sem completar os estudos. Consigo traz uma carta de recomendação de seu tio, D. Bento de Camões, dirigida a D. Francisco de Noronha graças à qual se tornará o educador do seu filho, António de Noronha.
Não demora muito até os seus versos começarem a fazer furor entre a corte de D. João III, derretendo o coração de muitas mulheres e causando a inveja de muitos homens.
O seu espírito rebelde, tanto na escrita como nas acções levam-no a abandonar o país em mais do que uma ocasião. Desta forma é obrigado a aventurar-se no Norte de África, em Ceuta, local onde acabará por perder o seu olho direito. Posteriormente terá de embarcar para Goa repetindo o caminho descoberto por Vasco da Gama. Aqui escreveu grande parte dos “Lusíadas”, mas teve também tempo para irritar o seu Governador, na altura, Francisco Barreto com a “Comédia de Filodemo” e os “Disparates da Índia”, obras que o obrigarão a partir novamente. Desta vez consegue embarcar para Macau mas voltará a ser preso e despachado de volta para Goa. Foi neste regresso a Goa que ocorreu o tão famoso naufrágio no qual Camões conseguiu salvar não só a sua vida como o seu manuscrito de “Os Lusíadas”.
Devido a mais algumas peripécias acaba por ir parar a Moçambique. Sem dinheiro para regressar a Portugal vai sobrevivendo graças a expedientes. Em 1570 retorna novamente à pátria amada graças à ajuda de amigos. Após a aprovação do rei D. Sebastião e do Clero, publica em 1972 aquela que viria a ser a sua obra mais conhecida, “Os Lusíadas”.
Um dos aspectos mais bem conseguidos do livro é sem dúvida a utilização de versos do poeta ao longo da narrativa, sempre perfeitamente enquadrados na história e que contribuem para enaltecer a obra e tornar mais saborosa a sua leitura. Ao longo da narrativa somos também presenteados com alguns excertos de cartas de Camões a amigos onde aproveita para descrever pessoas e aventuras. A utilização da linguagem de Camões a partir destas cartas e dos versos ajudam a tornar o seu espírito mais presente na obra, algo com que o livro só tem a ganhar.
Em apenas 65 páginas Jorge Miguel consegue a proeza de contar de forma sucinta mas elaborada a vida de um dos maiores poetas de sempre, sem nunca cair no aborrecimento ou no sentimentalismo fácil.
Um livro aconselhado a todos os apaixonados pela obra de Camões ou por Banda Desenhada, o que devia abranger praticamente todos nós.
O autor Jorge Miguel teve a amabilidade de estar à conversa com a Rua de Baixo.
Em poucas palavras poderias descrever-nos o teu percurso profissional?
Os meus primeiros trabalhos profissionais foram no âmbito da publicidade. Cartazes, ilustrações e story-boards para filmes publicitários para os mais diversos produtos de supermercados, anúncios de automóveis, pizzas e produtos de beleza. Depois interessei-me pela ilustração para livros assim como gravuras para edições especiais. Por fim, decidi-me pela BD. A pintura é somente para mim um passatempo.
O teu trabalho na ilustração é já conhecido, agora com “Camões – De vós não conhecido nem sonhado?” enveredaste pelo caminho da BD. A BD é algo com que sempre tiveste intenções de trabalhar?
Sim. Gosto de desenho e gosto de contar histórias. A BD parece-me o caminho lógico que mais tarde ou mais cedo teria de seguir. Em Portugal porém, essa profissão dificilmente paga as facturas do dia-a-dia e para mim tem de ser uma ocupação secundária em termos de prioridade.
Mas planeias continuar por este caminho?
Tenciono na medida do possível editar um álbum em cada dois ou três anos.
No passado tinhas ilustrado a saga dos livros “Chamo-me…” que abordavam a vida de alguns dos mais ilustres portugueses, entre Pessoa, D. Afonso Henriques ou Eça de Queirós. Nas tuas aguarelas pintas Lisboa e Porto de uma forma lindíssima e agora escolheste abordar a vida de outro grande nome da nossa História, Camões. Podemos dizer que és um apaixonado por Portugal?
Os nossos valores culturais, são muitas vezes adulterados e injustiçados quando relatados no estrangeiro. Muitas vezes algumas das páginas mais belas da nossa História são atribuídas a iniciativas de outro país sem que nós portugueses, tenhamos o desplante de reclamar o que é nosso. Como português, gosto de contar e de desenhar o que temos de notável.
Como surgiu a ideia deste livro?
A ideia surgiu ao ver numa sondagem televisiva o quão pouco a pessoa comum sabe das personalidades históricas portuguesas. Camões é visto como o nome de um feriado nacional. Além de algumas pessoas saberem que o homem era zarolho só poucos entrevistados souberam dizer o que ele escreveu. Isto é incrível, se se pensa que foi o nosso maior poeta e que o dia de Portugal se glorifica do seu nome. Quis repor com a minha modéstia contribuição, alguma justiça.
Podes descrever-nos um pouco como foi o processo de pesquisa para este livro?
A feitura do álbum completo levou-me dois anos. Seis meses foram para o desenho. O resto foi para a pesquisa e para a escrita do guião. A parte que me deu mais que pensar foi a linha do tempo que utilizaria para contar a história do nosso vate. Com efeito, havia de se evitar começar pelo nascimento, acabar com a morte e preencher o vazio restante. Aliás, não quis de modo algum mostrar a morte de Camões até porque a vida dele já foi patética o suficiente. Há que evitar lamechices fáceis. Fora isso, muitas visitas à biblioteca local onde aprendi a conhecer os cantos.
Quais as tuas maiores influências?
Na BD diria que muito cedo sofri influências daquele que para mim ainda considero o maior, o argentino José Luís Salinas. Penso o melhor de Jean Giraud (Moebius), Raymond Poïvet, Jordi Bernet, Alfonso Font.
Podes desvendar um pouco sobre os teus futuros projectos?
Estou a preparar o meu próximo álbum, que se tudo correr bem sairá em Outubro de 2010.Vai passar-se no final do século XIX. É uma época que me atrai bastante pelo facto de poder desenhar os trajes e os bibelots dessa época.
Recentemente no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja decorreram os troféus Central Comics. Podemos dizer que “Camões – De vós não conhecido nem sonhado? ” foi o grande vencedor nacional desta edição arrecadando os prémios de “melhor publicação nacional” e “melhor desenho nacional”. Queres comentar?
Obrigado pelo Luís (De Camões) e obrigado por mim.
Como foi/tem sido a receptividade deste livro por parte do público?
Ainda não tenho bem a certeza. Confesso que estou um tanto decepcionado. Dado o tema do livro, esperava mais barulho. Tentarei obter mais efeito para o ano.
Tens algum poeta predilecto?
Além de Camões (sobretudo na poesia lírica) leio e releio frequentemente Fernando Pessoa. Confesso, porém, que prefiro a prosa. Estou a redescobrir Eça de Queirós cuja vida daria certamente para um bom projecto.
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