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Cândida @ Teatro Aberto

As trocas e baldrocas de uma vida.

A partir do texto de André Murraças, e numa encenação conjunta do mesmo com Paulo Ferreira, chega à Sala Azul do Teatro Aberto a peça “Cândida – Uma história portuguesa” a 14 de Setembro, mantendo-se em cena até 2 de Outubro.

Um artigo do Expresso serviu de mote à criação deste espectáculo que pretende abordar a vida de Cândida Branca Flor, cantora portuguesa que se notabilizou na década de 80, como ponto de partida para uma abordagem mais geral que pretende mostrar o “sistema da fama espontânea” e os seus impactos na vida daqueles que nele são apanhados.

Em “Cândida – Uma História portuguesa” explora-se a vertente pessoal tão pouco conhecida da intérprete de “Trocas e Baldrocas”, mostrando os seus dramas pessoais e os sentimentos que ficavam guardados a sete chaves no camarim e a que muito poucos tinham acesso.

Segundo André Murraças, este espectáculo “É para ela e para todas as Cândidas da música e outras artes, para aqueles que as imitam e para os que querem ser essa ilusão.”

A ideia é reforçada por Paulo Ferreira que fala da década de 80 como a década do início das revistas e do glamour e de como Cândida é exemplo desta realidade. O encenador destaca o pudor que é falar de figuras mediáticas que se suicidaram, de que a cantora interpretada por Sílvia Filipe nesta peça é exemplo, acrescentando que “ninguém sabe como é esta mulher”, já que o seu lado pessoal era muito pouco abordado.

“As pessoas param para aplaudir. Não é isso que completa qualquer artista?”, ouve-se a determinada altura no espectáculo. Cândida Branca Flor é mostrada nesta peça como um exemplo de dedicação à carreira musical. A noção de que por vezes é necessário superar alguns obstáculos, mas que no final tudo é compensado pelo aplauso do público e que por ele se fazem “todos os sacrifícios que sejam precisos”.

A relação entre Cândida e o seu marido Emanuel, o suporte para a sua carreira, é mostrada como tensa. Viviam um para o outro e os dois para o projecto musical de Cândida. O contraste entre os problemas que existem em casa e a paz repentina do camarim, das exigências constantes e dos momentos a sós, da pressão sem medida e da calma esperada (nem que fosse por uma noite apenas).

“Agora que estou no caminho certo não volto atrás. Esta é a minha vida: amar e ser amada”. A necessidade de ser amada e aceite é para Cândida uma das maiores vontades da sua vida, considerando que “o mais importante é não deixar de ser amada”. Mas o que acontece quando se duvida do amor do público? Quando se sente a obrigação de não defraudar expectativas? Aí começa a interrogação do artista que não sabe se vale o suficiente ou se merece inclusive a sua oportunidade de brilhar. As inseguranças instalam-se. Para agradar, perdemos quem somos e partimos em busca do que o outro quer que sejamos.

Um conjunto imenso de “E se…” instala-se. “E se eu falhar?”, pergunta-se por fim. A noção de que a morte no palco é possível, mas que o esquecimento pode imperar. A noção de que a esfera decrescente é uma realidade, que os sonhos já não se tornam realidade. A noção de que a época de ouro já passou e que foi tudo tão rápido. “A partir de agora é sempre a descer. E não há nada que se possa fazer”.

Uma peça de emoções, sensações e aparências, onde a angústia, a realização e a solidão andam de mãos dadas, ofuscadas pelo brilho dos holofotes. Uma crítica à rapidez da fama, ao mesmo tempo que se homenageia uma nova geração que se destacou na música em Portugal após o 25 de Abril de 1974.

“Um artista pode matar-se por não apreciarem a sua obra suficientemente”. Foi exactamente o que aconteceu a Cândida Branca Flor. As trocas e baldrocas de uma vida que não foi mais do que um sonho inacabado. Um sonho, um trabalho e um empenho que não foram tão longe quando deviam. “As horas passam, a vida desaparece e voltamos aos malditos espelhos” e reconhece-se que é tarde demais para sonhar outra vez. Aí só o ponto final parece fazer sentido. Aí só uma mudança definitiva faz sentido.

“Daqui a pouco entro em palco. Está tudo pronto, não está?”.

Fotografia por Mário Tavares



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