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Carloto Cotta

“Para mim a felicidade é flutuar”. Entrevista com o protagonista de "Arena" de João Salaviza.

Começou a carreira aos 19 anos sentado numa sanita a “cagar en Dios”, num monólogo polémico que ele próprio traduziu, encenou e interpretou. Aos 25 anos já tem no currículo um prémio de Cannes e um prémio do Indie. O actor Carloto Cotta explica à RDB que, para ele, o importante na vida é flutuar e perceber o “porquê” das coisas que fazemos.

Foi na Abril em Maio que apresentaste a tua primeira peça…

Sim… Eu tirei o curso da Escola de Teatro de Cascais e escolhi a minha PAP [Prova de Aptidão Profissional] quando estava na sanita a ler uma notícia sobre uma peça que estava a gerar polémica em Espanha. Era a peça do Íñigo Ramírez, “Me Cago em Dios”, e decidi apresentá-la como trabalho final do curso.

Optaste por não traduzir o título…

É uma expressão espanhola que é utilizada quotidianamente e a tradução literal perdia sentido. Além disso percebe-se perfeitamente em português… “Me Cago em Dios”, qualquer “tuga” percebe o que isso quer dizer.

E depois levaste-a para a Abril em Maio?

Sim, cheguei lá e disse que tinha uma peça. Eles perguntaram o que eu fazia na peça e eu disse: “tenho uma sanita e cago”. Eles curtiram e não me perguntaram mais nada. Foi uma coisa pequena, muito underground, mas foi uma óptima experiência porque foi tudo feito por mim, tive só a ajuda de um amigo nas luzes.

E como é que a peça foi parar à Comuna?

Antes disso houve uma peripécia porque, enquanto esteve em cena na Abril em Maio, houve um gajo que denunciou ao Íñigo que eu estava a fazer aquilo sem direitos. Pronto, era verdade, eu não tinha dinheiro para pagar os direitos e aquilo era uma coisa muito amadora. Depois o Íñigo veio a Portugal para um colóquio e eu mostrei-lhe o meu trabalho.

E cedeu-te os direitos de autor…

Ele curtiu bué e não só me cedeu os direitos de autor como perguntou se me podia dirigir. Eu nem queria acreditar, ele para mim era quase um deus. Tive sorte. Ele agora é um dos meus melhores amigo, estamos poucas vezes juntos porque ele vive em Espanha, mas foi uma pessoa que me ajudou muito a crescer.

A peça incomodou algumas pessoas…

Houve ameaças e tudo. Na noite da estreia apareceu lá uma mulher com um pau para nos bater e houve pessoal que pintou o cartaz de preto durante a noite. E isto foi em Lisboa porque se fosse no interior do país eu estava f*****. Em Espanha, o Íñigo foi espancado por um maluco!

Foi na Abril em Maio que conheceste os pais do João Salaviza (realizador da curta Arena)…

Sim, Sim. Mas eu só conheci o João no casting do Arena. Não fazia ideia quem eram os pais dele. Só mais tarde descobrimos que eu já conhecia os pais do João da Abril em Maio, do teatro.

Gostaste de trabalhar com o João Salaviza?

Eu com o João trabalho muito bem porque ele deixa-me fazer a personagem, não vai para ali já a saber o que vai filmar. Ele acredita em mim como actor e deixa-me construir a personagem de uma maneira livre.

E o prémio de Cannes?

Teve um grande impacto sobre nós. Nem estávamos à espera de ganhar o prémio do Indie quanto mais ganhar em Cannes. Não tínhamos muitas expectativas em termos de prémios. Além disso todas as curtas em competição eram excelentes.

Dá-te mais gozo fazer curtas ou longas?

É um bocado ingrato porque o trabalho que dá fazer uma curta bem feita é quase igual ao de uma longa. Claro que em vez de filmares durante uma semana, filmas durante um mês ou mais. Mas a equipa, a produção e a edição são exactamente a mesma de uma longa.

Preferes trabalhar em televisão, cinema ou teatro?

Depende sempre do projecto, do texto, das pessoas que estão envolvidas e da razão pela qual as pessoas estão a fazer aquilo. Uma vez tive um professor, o João Mota, que me disse uma coisa que nunca mais me saiu da cabeça e que se aplica a várias situações. Ele disse que não importa como é que fazes, ou o que é que fazes, o importante é saberes porque é que o fazes. Se te concentrares no “porquê” podes vencer vários bloqueios como a timidez, a falta de confiança.

É um bom conselho…

É um bom conselho. Sobretudo ao nível de projectos artísticos, o “porquê” transpira sempre. No teatro isso é muito óbvio porque é uma experiência física perante os actores. Mas mesmo no cinema, apesar de ser uma projecção de algo que foi filmado, dá para perceber o espírito e o empenho da equipa. Sentir o carisma, e o “porquê”. O “porquê” é uma cena que dá sustentabilidade ao processo criativo.

Ainda sabes os diálogos de Shakespeare de cor?

Sim, ainda sei alguns… Sei muitos diálogos dos trabalhos que fiz de cor, sobretudo no teatro. É uma memória quase emocional.

Tens alguns truques para decorar os textos?

Uso um bocadinho de tudo, escrever o texto com a minha letra, gravar a minha voz e ouvir, etc.. Depois de fazer televisão fiquei com mais facilidade. Na televisão tens de decorar todos os dias muitas coisas.

Como decidiste ser actor?

Sempre estive ligado à arte, a minha avó paterna era cantora de ópera, o meu avô também era pintor e cantor de ópera. Depois fui para a escola de Teatro de Cascais. Mas nessa altura nem pensava ser actor. Já tinha feito o 10º ano, em artes, no ensino normal mas acabei por desistir…

Porquê?

Uma vez quis fazer uma escultura e roubei o palhaço do McDonald’s. Não foi bem roubar porque o palhaço já estava nas últimas, mesmo a cair, mas a verdade é que apareceu na escola a directora do McDonald’s e a polícia. Eu já estava um bocado revoltado contra o sistema de ensino, aquela revolta de adolescente e, por isso, decidi sair da escola “normal” e fazer um técnico profissional. Como andava sempre a fazer macacadas com os meus amigos, e já tinha o background da minha família, achei que fazia sentido ir para a escola de teatro.

Tens alguns ídolos a nível de trabalho?

Tenho, tenho bué. Não tenho nenhum ídolo que idolatre [risos] mas tenho muita gente que admiro. É difícil dizer nomes. Há muitas pessoas que me inspiram tanto ao nível de nomes importantes do teatro e do cinema, como pessoas que encontro no dia-a-dia, anónimas, que têm um saber imenso sem sequer saberem, sem o sublinharem.

Representas na vida real?

[Silêncio] É uma resposta cliché mas acho que toda a gente representa na vida real. Esse termo, “representar”, é traiçoeiro. Mas sim, por exemplo se me mandarem parar numa Operação Stop claro que represento e faço-me de totó, de distraído. Mas deliberadamente não.

Quando não estás a trabalhar o que é que gostas de fazer?

Há muitas coisas que gosto de fazer sempre: música, surfar, ler. E ao mesmo tempo andar na rua, dar-me com todo o tipo de pessoas. Isso dá-me muita inspiração.

Que instrumentos é que tocas?

Toco guitarra, toco hang, toco percussão, toco xilofone da Indonésia… Toco vários instrumentos. Agora estou a aprender a tocar viola da terra que é uma viola açoriana, muito fixe, tem um som muita bonito.

Deve ser difícil, tem muitas cordas não é?

A minha tem 15 cordas mas não é assim tão difícil.

Mas aprendeste sozinho?

É um bocado injusto dizer que aprendi sozinho, mas nunca tive aulas numa escola. Tive aulas de contrabaixo quando era miúdo mas já nem me lembro do solfejo.

Tocas de ouvido?

Toco de ouvido, não sei o nome das notas nem nada. Essencialmente gosto é de compor. A partir do improviso surge-me uma música… Que às vezes parece que já lá estava. É um processo muito estranho. Encontrar uma música é mais reencontrar uma música.

Tens banda?

Sim, As Aves Migratórias. Vamos dar um concerto no Chapitô no dia 12 de Novembro.

As Aves Migratórias?

Sim. Somos seis ou sete, já demos concertos em que éramos só três. Somos aves migratórias [risos].

Vais votar?

Vou, vou.

Direita ou esquerda?

Direita [risos]… Não!… Ainda não sei, a sério. Vou votar para a oposição ou voto em branco. Acho importante votares na oposição neste sistema bipartidario.

Acreditas em Deus?

[Silêncio] Isso é uma das questões que mais me ocupa espiritual e filosoficamente. Tento viver com isso de uma maneira humilde, porque não me cabe a mim perceber isso. Mas posso questionar. Eu acho que, por exemplo, a inspiração pode ser uma experiência religiosa. Nós inventámos esse nome, Deus, e agora estamos muito agarrados a ele.

Mas achas que se fores uma pessoa íntegra e justa podes ser recompensado por isso?

Sim, sim. Acho que sim. Essa questão não tem uma resposta definitiva. Podíamos ficar a noite toda a falar disso. Gosto de me ir questionando.

O que é para ti a felicidade?

Para mim a felicidade é saber flutuar… Procuro a felicidade mas não é uma coisa que eu tente alcançar todos os dias.

E erros?

Já errei muito. Concordo com aquela máxima “Errar, errar mais e errar melhor”. É importante também não ter medo de errar. Podes ter medo mas não ligues. Se falhares, falhaste. Qual é o problema?

E o que é que estás a fazer agora?

Estou a fazer o filme com o Raoul Ruiz [realizador chileno, júri de Cannes], a partir das crónicas do Camilo Castelo Branco, Os mistérios de Lisboa, que também vai ser adaptado para a televisão. É um bom argumento e – nunca trabalhei com ele – mas dizem que é um bom realizador.

Qual é a tua personagem?

É um fidalgo que se apaixona por uma mulher casada e depois foge com ela. Entretanto eles têm um filho, ela morre de parto e ele decide ir para um convento. É uma personagem engraçada. Também vou repor o Shopping and Fucking, do Mark Ravenhill, para aí em Maio, no S. Luiz. É um bom espectáculo, ganhámos o prémio da critica em 2007.

São muitos projectos…

Não são nada, só este e o do Ruiz, estou à rasca de guito [risos].

Já te aconteceu não pagarem um trabalho?

Não. Já fiquei muito tempo à espera mas pagam sempre. Ás vezes até sou eu que não quero receber logo para poupar o dinheiro, porque quando tenho dinheiro no banco preciso sempre de imensas coisas. Quando não tenho estou na boa. Olha! É um bom exemplo do que é a felicidade. Isto ainda está a gravar?

Está…

Pronto, sobre a felicidade, há alturas em que tenho muito dinheiro e só faço coisas que no fundo não quero, que não me fazem sentir bem. Depois há alturas em que tenho menos dinheiro e tudo o que faço me sabe melhor. Acho que isso é a felicidade, dar valor ao que tenho e pronto.



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