Carne Doce + Bruno de Seda @ JUR 2019 (23.10.2019)
Gravita sempre tudo em torno de Salma; ela é a constante, o centro de tudo e ninguém se queixa. De outra forma simplesmente não faria sentido.
Quando entramos no Musicbox, Castello Branco faz-se ouvir no sistema de som do número 4 da Rua Nova do Carvalho. E soa adequado. Mesmo! Já a sala, essa vai enchendo a conta-gotas, mas desde logo fica claro que a falange de apoio à Carne Doce não vai faltar, o que não surpreende de todo. A banda de Goiânia vive um momento ímpar de criatividade, do qual “Tônus” é, até ao momento, o expoente máximo e que lhes permitiu dar o salto até à Europa, através da magnífica porta que Portugal representa.
São 21h45 quando Bruno de Seda envergando um robe no material homónimo sobe ao palco, acompanhado pela sua banda. O arranque, feito ao som de «Além Mar», leva-nos a imaginar que estamos perante um Destroyer à portuguesa (elogio!) mas a verdade é que Bruno de Seda imprime um cunho própria a esta canções. Quando as escutamos, sentimos que são efectivamente suas e com mais músculo face ao que se pode escutar nas versões de estúdio. Em «Coral Sensual» e «Chuva na Areia» a veia romântica do artista é verdadeiramente pulsante. O hino que é «Perigosa» fica guardado para o fim. Missão cumprida naquela que foi a apresentação do álbum homónimo.
No palco reina uma azáfama, numa corrida contra o tempo para desmontar a parafernália de Bruno de Seda e da sua banda e montar a de Carne Doce. Escuta-se Maria Beraldo no sistema de som que passou por esta sala há alguns meses. “Tão sexy com seu sling / Tão sexy com seu bebê / Tão sexy sem seu sling / Tão sexy sem seu bebê”. É quase palpável um nervoso miudinho nas faces dos elementos da banda que estão por ali a garantir que fica tudo pronto. Por esta altura, de Salma Jô não há sinal mas isso está prestes a mudar.
São 22h45 quando todos menos Salma entram. Há que causar o máximo suspense. E no momento em Salma Jô ocupa o seu lugar no meio do palco, no centro de tudo, sentimos que realmente o cenário fica completo. «Comida Amarga» arranca com uma introdução estendida e desde logo salta ao ouvido aquele toque à The Xx, muito por culpa daquela guitarra. Depois há a voz de Salma. Não engana. Que voz. Em «Irmãs», qualquer resquício de nervosismo há muito que desapareceu. Aqui a guitarra confere o rendilhado e o baixo a profundidade e depois há Salma. Os nossos corpos deixam-se levar. “Força nos quadris / Perfume nas orelhas / Ataque nos cabelos / Dance com seus medos”
Gravita sempre tudo em torno de Salma; ela é a constante, o centro de tudo e ninguém se queixa. De outra forma simplesmente não faria sentido. «Amor Distrai (Durin)» é um estado de espírito, é amor carnal, intenso, sincero. A letra é de um Boogarin que achava a canção demasiado “safada” para ser cantada por eles. “Eu sou safada” dia Salma com um sorriso imenso na sua face…“Porque eu só gozo assim em alto e bom som”. Encaixa que nem uma luva. E por muito que os nossos olhos procurem seguir o que se passa no resto do palco, sentimo-nos sempre atraídos para aquela figura que tão bem se sente na sua pele.
«Brincadeira» é sobre desorientação (também a nossa) nos tempos que correm. Embora “Tônus” seja o cerne da questão, há tempo para visitar trabalhos anteriores. «Artemísia», do álbum “Princesa” de 2016 é um exemplo disso, com Salma a cantar “É da minha natureza”, enquanto nos olha olhos nos olhos. Por instantes os Foals passam pela cabeça. Regressa-se a “Tônus”, e à sua faixa título, tudo com uma entrega inquestionável. “Óptimo, bom demais” diz Salma. Ninguém discorda. «Nova Nova» soa densa na reflexão que faz sobre uma relação. «Golpista» é nos oferecida com uma interpretação arrepiante de Salma Jô. Cada palavra é dita de uma forma incisiva. São versos curtos que desferem cortes. “Flores em fogo / Tédio na brisa / Tudo faz ânsia / Nada sacia / Houve um surto de bege euforia / E por fazer nada, estive golpista”. Pelo meio estendem a canção, ameaçando deixar-nos num limbo mas eis que no último momento… nos dão a mão.
Os álbuns anteriores são mais gritados, talvez fruto da necessidade de se fazerem ouvir, como em «Passivo», do álbum homónimo do colectivo de Goiânia, onde Salma Jô canta bem lá do fundo, “Eu grito sim / É para você me escutar / Que eu quero ver / Você fazer / Eu me calar”. O encore trás «Fruta Eléctrica» e um final feliz. Para todos.
Texto por Miguel Barba e fotografia por Andreia Carvalho.
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