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“Começar”, Teatro Aberto

As incertezas do desconhecido.

O espectáculo Começar, com texto de David Eldridge e encenação de João Lourenço está de regresso ao Teatro Aberto de 10 de Dezembro e está previsto ficar em cena até 16 de Janeiro.

Este espetáculo não esquece o tempo em que vivemos. Com versão do próprio encenador e da responsável pela dramaturgia, Vera San Payo de Lemos, chega ao público uma história acerca de um encontro cara a cara entre um homem e uma mulher que se tentam conhecer sem as máscaras, os filtros e as defesas que os encontros digitais proporcionam.

Até aqui não parece haver nada de surpreendente, mas este Começar realça a dificuldade dos dias de hoje em saber por onde continuar quando as circunstâncias da vida se alteram. O indivíduo é de tal modo frágil que vive assombrado pelo medo da mudança inventando desculpas quando se depara com situações inesperadas, ainda que desejadas. Aquilo que conhecemos é sempre mais confortável, e por mais que o desconhecido se mostre tentador, ceder é muito difícil quando não mesmo impossível.

Laura e Daniel são dois lone wolves que trocam uns olhares durante a festa e no fim, depois de todos se terem ido embora, estão frente a frente sem saber, lá está, como começar. Aproximam-se, hesitam, afastam-se, e voltam a aproximar-se. Entre silêncios, desentendimentos e confissões, decidem partilhar aquela noite num equilíbrio entre medos e desejos. O diálogo é confuso, o que até combina com a estranheza daquele momento em que dois desconhecidos se deparam com uma situação de engate. Ambos querem ceder, só não sabem muito bem como… “Porque eu não sou assim”, “Porque tu não me conheces”, “Porque eu tenho uma história”, blá, blá , blá. O público já conhece o desfecho e o diálogo prolonga-se como um “encher chouriços” até se dar o cliché habitual das histórias de amor. Mas não acho que “história de amor” seja uma expressão adequada para descrever esta encenação. Vejo antes como uma história de engate com todas as promessas que têm os engates. Uma história de amor precisa de mais sumo. Não se declara nem se consome somente numa noite, pelo que talvez seja mais adequado algo como “história de engate com um possível desfecho amoroso”. E se formos a avaliar pela química entre as personagens é só mesmo uma história de engate que nos é contada por alguém. A estranheza é clara na interpretação de Pedro Laginha e de Cleia Almeida mas a química é inexistente. O que até é credível na minha perspectiva, uma vez que não considero que se trate de uma história de amor.

O dispositivo audiovisual que acompanha o texto, esse sim é surpreendente e bastante apelativo ao início, assim como a forma como nos é dado a conhecer o espaço cénico. No entanto, o vídeo torna-se meramente acessório no decorrer da peça e no fim alimenta o cliché com o fatela: o gesto de estender a mão da atriz seguido do vídeo que mostra o que acontece no quarto. É uma opção que dá ao público o óbvio, quando seria mais interessante deixar isso para a imaginação de quem assiste. Este tipo de espetáculo peca por dar demasiados estímulos visuais ao público. No fim paira a dúvida do “Será que ficam juntos?”, “Será que não?”. Mas entendo que não é dada oportunidade ao espectador para se envolver o suficiente na trama a ponto de realmente se interessar pelo eventual futuro deste casal. 

É de realçar o comprometimento de Pedro Laginha com a personagem do início ao fim. Homens e mulheres têm de facto uma postura assustadiça e incongruente por causa de sofrimentos do passado quando procuram aventurar-se em novas relações. Chegam até a demonstrar comportamentos desajustados e isso é interessante de observar na interpretação deste actor. 

Esta versão de Começar que está em cena no Teatro Aberto é uma abordagem curiosa sobre a vontade de querer encontrar alguém adequado para partilhar a vida nos dias que correm, ou somente partilhar um momento que poderá servir de ponto de partida para novas sortes.

FICHA TÉCNICA

Versão João Lourenço e Vera San Payo de Lemos

 Dramaturgia Vera San Payo de Lemos

Encenação e Cenário João Lourenço

Vídeo João Lourenço e Nuno Neves 

Figurinos Lia Freitas

Fotografias Filipe Figueiredo

Assessoria de Imprensa  Mafalda Simões

Interpretação Cleia Almeida e Pedro Laginha



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