jusqu-a-la-garde

“Custódia Partilhada” de Xavier Legrand

Standing ovation.

Que nem o cartaz, a não familiaridade de Legrand, ou mesmo a potencial banalidade do tema afastem quem quer que seja desta obra-prima. Não conheço Legrand, e a proliferação de dramas familiares franceses a insistir no mesmo tópico não ajudaram a alimentar expectativas. O cartaz quase demasiado óbvio fez-me questionar os carimbos de prémios, mas aguçou ainda que de leve a curiosidade.

Há momentos em que me congratulo pelo meu sexto sentido; são raras as vezes em que me sinto feliz pelo mesmo ter falhado.

Custódia partilhada merecia aplauso de pé. Primeiro, porque não conquista à partida. Levanta a dúvida, provoca sem abanar, deixa-nos à escuta e como que nos leva a medo a pedir por mais. Mais informação, mais diálogo, mais contexto, mais emoção, mais violência, mais amor… A genialidade que cativa é precisamente a ausência de tudo, o que nos leva a confiar cegamente nas personagens (tão profundamente humanas) e em tudo o que deixam por dizer. Parece que estamos desde o minuto um a resolver um crime sem pistas, mas com um único suspeito – o qual, confesso, me gerou uma certa simpatia inicial. Ou, pelo menos, conquistou o benefício da dúvida. A cena de abertura, tão majestosamente orquestrada, sonoridade alinhada ao milímetro, e a decisão já adivinhada (o titulo não permitia enganos) levam-nos a crer na genuinidade e necessidade de proximidade e presença daquele pai. Um pai de coração partido e alma aparentemente em farrapos (sim, aqui ainda vemos o coração e a alma) que é fazer parte da vida do filho. E, sim, é credível que a criança manifeste relutância dada a hiperprotecção de uma mãe em tudo destruída. Parece legítimo – mas Xavier ensina-nos pouco a pouco a arte do questionamento. Não há nada de fácil nem nada de racional ou lógico a ida de um filho para uma casa que rejeita. Há angústia, mas mais que isso, há medo. Não o medo comum de o “perder” para o pai, de que ele goste mais da segunda casa, ou que eventualmente encontre conforto na nova dinâmica. É medo efectivo, comprovado de forma excepcional em todas as cenas pai-filho.

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Interpretação brilhante de Thomas Gioria, a pequena bola de ping-pong com força inquebrável (ou quase inabalável).

Há derrotas que aprendemos a assumir, mas aqui não se trata de um mal menor. Há algo de transcendente na sobrevivência daquela família, que surge da dinâmica e do amor jamais proferido. Não é necessário. Está lá de sempre e para sempre. São uns pelos outros como se de um pacto de guerra se tratasse.

O amor é amor quando abala montanhas sem falar

Cinco estrelas para a cena do aniversário; a ameaça adivinhada e simultaneamente o amor, a protecção e a incondicionalidade de uma mãe que, ao contrário do que nos fizeram crer no início, jamais estará destruída. É uma força crua de quem não se resigna e se reinventa. O momento em palco transporta-nos para “A vida é bela” e a força da ficção – ou “só” da atenuação da realidade – que vem com a parentalidade – a dela neste caso, em oposição à dele em Benigni.

Este texto não incluirá spoilers. Com esta promessa, infelizmente, vou-me abster de mencionar a cena final. A certeza culmina aí, e vem em vestes absolutas – como pudemos sequer duvidar?

Excelente trabalho sonoro, interpretações genuínas e reais de tão humanas, e um argumento com o tom certo – a realidade não se veste de drama quando não precisa. A realidade é dura por si e, em si mesma, triste e de uma beleza sem fim.

Haja amor.

E desenganem-se os que acreditam no amor-violência, no amor-agressão ou no amor-posse. O amor é amor quando abala montanhas sem falar.

Obrigada, Xavier, por nos lembrares que ele existe, seja na mãe-fera, na adolescente inundada de revolta e ternura ou no centro de tudo – um miúdo que só quer garantir que a mãe continua ali de braços e coração abertos para o que está por vir.



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