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David Longstreth @ ZDB (22.09.2024)

O regresso a um local onde se foi feliz, um encaixe perfeito nesta incontornável sala lisboeta.

David Longstreth, continua a ser um dos nomes mais intrigantes da música contemporânea, reconhecido sobretudo como líder dos Dirty Projectors. Começou a explorar a música enquanto estudava em Yale, onde, apesar de nunca ter terminado o curso, moldou a sua visão artística única. O álbum de estreia, “The Graceful Fallen Mango” (2002), marcou o início de um percurso criativo marcado pela experimentação e pela fusão de géneros. Sob o nome Dirty Projectors, Longstreth lançou álbuns icónicos como “Bitte Orca” e “Swing Lo Magellan”, conhecidos pela complexidade rítmica, harmonias vocais elaboradas e uma constante reinvenção. Mas o seu percurso vai muito além dos Dirty Projectors, contando colaborações com nomes inconformáveis como Björk, Solange e David Byrne ou assumindo a produção de álbuns para nomes tão distintos como Joanna Newsom ou Bombino. Recentemente este percurso ímpar, conheceu um novo capítulo, quando no passado dia 2 de Março , em Los Angeles, os sues Dirty Projectors actuaram juntamente com a LA Phil (Orquestra Filarmónica) para apresentar “Song of the Earth”, um ciclo de canções para orquestra e vozes, da autoria do próprio David Longstreth, e mais recentemente em Amesterdão e Haia.

Eis-nos agora aqui reunidos, neste final de tarde de Setembro, com o Outono a dar os primeiros passos, prontos para receber Longstreth, num registo único, pessoal e intimista, deambulando entre a guitarra e a voz (o piano acabou por ficar esquecido, quiçá um pouco das circunstâncias e do rumo que o concerto foi tomando). O Aquário vai enchendo lentamente, o que deixa antever algum atraso, que se confirma pouco depois com o arranque adiado para 30 minutos após a hora marcada, mas impera a calma e a descontracção. No sistema de som da sala vai-se escutando o mais recente álbum de Mabe Fratti, que passará pelo B.Leza no derradeiro dia de Outubro, com o selo da ZDB.

«Irresponsible Tune» marca o início à guitarra, que a meio deixa temporariamente a amplificação fazendo, a projecção da voz de David o resto. Experimentação é a palavra de ordem, porque de certa forma estamos perante um concerto sem guião ou pelo menos com um pouco rígido. Segue-se uma nova composição onde David Longstreth canta (e nos mete a cantar), “I might be the headline but you’re the story”. Estamos num laboratório, e nós somos parte da experiência. Há uma procura na forma de usar a voz como um instrumento, procurando mesmo encontrar o limite, e indo além dele para o validar. O improviso ganha como que o dom da ubiquidade aqui. Está em tudo; na forma como se toca, na forma como se canta, nas letras que facilmente são adaptadas ou suavemente ignoradas, e não menos importante como nós, público, nos tornamos parte do que está ali a ter lugar.

«The Bride» surge num formato solto e desconstruído, embora procurando respeitar a matriz da canção. A memória é algo importante para David Longstreth; um desafio que ele impõe a si próprio. Em «Search for Life», Longstreth canta “Where is the time we spent”, sempre mergulhado num silêncio arrepiante que suporta e projecta a ausência definitivamente assumida de qualquer tipo de amplificação para a voz.

Nos entretantos somos surpreendidos com um cover de «Para Machucar Meu Coração» de João Gilberto, num português louvável. O registo bossa nova permanece por mais dois ou três minutos, e Longstreth faz inclusivamente a piada de que actualmente é o único registo em que está a conseguir compôr canções, enquanto vai cantando «Patience is a Virtue». Nas canções de Longstreth, e em especial aquelas com os Dirty Projectors, há um padrão circular que é recorrente e emerge também aqui, de tempos a tempos. Chega a altura em que “Song of the Earth” dá um passo em frente, em versões simplificadas e encurtadas face ao original, por razões óbvias. Cada canção parece um pequeno snippet, e migradas de um formato de orquestra para uma simples guitarra acústica, deixam Longstreth agradavelmente surpreendido com forma como soam, mesmo que cruas.

A mente de David Longstreth está repleta de peculiaridades que tornam as suas obras peças tão únicas. «Spray Paint (The Walls)» primeiro, e «Uninhabitable Earth», inspirada no livro de David Wallace-Wells, são exemplos perfeitos, com o toque apocalíptico da última a marcar o passo.

«Swing Lo Magellan» é entoada em uníssono, mas num registo quase sussurrado. Belíssima. Antes da saída para o primeiro encore, há tempo para o agradecimento a Sérgio Hydalgo e à ZDB, pelo papel único que desempenham no apoio da cena local e internacional, e recorda também a semana que passou cá em 2008 e lamentou que o regresso tivesse demorado tanto tempo.

«Temecula Sunrise» começa por ser  apresentada como uma canção que não sabe de cor, e pede para ajudarmos se a reconhecermos. Assim o fizemos, aos solavancos, entre acordes falhados e ajudas do público com as letras. Não havia outra forma; era este o caminho a percorrer.

O segundo encore acontece com condições, reflectidas num shot de tequila. Há pedidos, mas algumas das canções sugeridas estão num campo mais recôndito da memória. A escolha recai sobre «Holy Mackerel», interpretada a meias com Alex D’Alva Teixeira, que por ali andava e que encerrou uma noite única, que foi perfeita nas suas imperfeições.



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