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Dazkarieh

Dez anos da nova geração da tradição oral portuguesa no passado dia 18 no S. Jorge. A Rua de Baixo assistiu ao concerto e entrevistou o quarteto.

No passado dia 18 comemorou-se, no antigo cinema S. Jorge em Lisboa, o 10º aniversário de uma das bandas mais internacionais do novo folk tradicional português. Os Dazkarieh apresentaram o seu quarto trabalho,“Hemisférios“, um duplo de originais e recolhas do fundo musical português, aquele que é considerado como um dos melhores trabalhos do género feito em Portugal.

A Rua de Baixo foi recebida por Vasco Ribeiro Casais e por Joana Negrão para uma conversa informal à mesa de café, sobre música, política e o novo paradigma de mudança.

Dez anos de carreira comemorados com o lançamento do quarto trabalho, uma plateia à pinha e mais de 40 datas pela frente. Como sentiram o lançamento deste novo disco? É um novo começo?

JN – Sim, de certa forma sim. É um novo começo porque editámos um disco novo. Para nós são novas músicas e é uma nova magia na estrada. Mas por outro lado porque sentimos que o concerto do S. Jorge foi o culminar de uma fase, e um início de outra.

VC – Desde Agosto que estamos fechados a trabalhar no disco. Iamos fazendo alguns concertos para fora, iamos tocando, mas sempre que voltávamos iamos para a sala de ensaios, fechados a trabalhar no disco.

É um concerto grande na nossa cidade. Sentimos muito as pessoas, os nossos amigos, pessoas que seguem o grupo há muito tempo que estavam curiosos com o disco, e esgotámos a sala. Hoje soubemos que estava totalmente esgotada. Tinhamos mais convidados e ainda bem que não foram porque não tinham espaço. E acabou por ser um concerto especial em termos de energia com o público. Estavamos emocionados a falar, emocionados a tocar. Foi uma coisa totalmente diferente.

Como é que foi a pesquisa e a escolha dos cânticos tradicionais? Foram para o campo?

JN – Haviam já alguns temas da tradição oral portuguesa que tinhamos pensado em trabalhar. Tanto eu como o Vasco e o Luis – o André, o baterista, ainda é novo neste meio da fusão tradicional, vem de outra escola – já estávamos ligados a isto há alguns anos. Eu já tinha temas que gostava de cantar, depois o Luís também também trouxe outras coisas que ouviu e o Vasco também. Depois foi só uma questão de pegar nisso e trabalhar. Mas onde é que fomos buscar? Não fomos para o campo fazer recolhas, porque essa não é a nossa vocação. Nós fazemos música essencialmente, e isso deixamos para quem da especialidade o faz. Há muita gente a fazer esse trabalho, mas também há muito trabalho já feito, muitas recolhas que já foram feitas, horas e horas de gravação, com muitos anos, que nunca foi trabalhada, nunca foi ouvida, nunca foi trazida cá para fora.

A tradição oral portuguesa tem coisas muito ricas ao nível das histórias dos amantes, do pai que tranca a filha na torre, mesmo do questionamento dos dogmas da Igreja.

A tradição está muito ligada à Igreja e à moral?

JN – Há muita coisa [relacionado com a Igreja] principalmente no Minho. Depois à medida que se vai descendo geograficamente isso vai diminuindo. Depois também temos outra música dos Açores que faz parte dos rituais do Espírito Santo. Mas é uma coisa tão profunda que vai para além da coisa católica. Apela aos valores de fé e de força das pessoas, uma coisa que vem de antes da Igreja católica. Depois a Igreja acabou por usar. Há muita coisa da tradição oral portuguesa ainda que vem de antes da Igreja católica existir.

VC – A música tradicional é a música que vem do povo, música do campo, música que as pessoas passam de geração em geração e nós somos um país essencialmente católico com séculos de igreja implementada. É então difícil fugir a esse tipo de temática.

Existem públicos verdadeiramente distintos nos palcos por onde passam?

VC – Acho que existem públicos verdadeiramente distintos dentro de cada país. O que é giro é isso. Lá no S. jorge, o público ia desde pessoas mais velhas, os nossos pais, amigos dos nosso pais, pessoas que não tinham nada a ver connosco mas dessa faixa etária, até pessoal jovem, pessoal ligado mais ao metal e pessoal mais ligado às danças tradicionais. O nosso público é muito eclético, tanto em termos de faixas etárias como em termos de movimentos musicais. E isso acontece também lá fora.

Como é que começaram a ser conhecidos lá fora?

VC – Primeiro começámos muito por festivais temáticos, músicas do mundo, em que o público não ia lá para nos ver a nós. Ia ver o festival, e por acaso nós estávamos lá, e em muitos sítios começámos a ganhar muitos fãs. Na Estónia, na Alemanha e no México, já temos vindo a consolidar esse público. Já temos esgotado salas mais pequenas de 400 pessoas que já vão só para ver um concerto nosso. Às vezes tocamos noutras salas cujo público é fiel à sala. E já nos aconteceu o público ser fiel a nós. É uma coisa que demora algum tempo a ganhar, mas que já sentimos isso acontecer na Alemanha, na Estónia, e na Polónia, porque são países em que já temos repetido actuações. Na Alemanha tocamos muito. Em Varsóvia foi a quarta vez. Já há pessoas que sabem que vamos tocar naquele sítio e vão lá ver.

Como é que é a realidade musical em Portugal?

VC – Não há muito uma política artística em Portugal. Em Portugal, e não é só em Portugal. Uma pessoa se quer ser músico, se quer aprender arte, tem de lutar muito.

JN – Mesmo contra o preconceito das pessoas.

VC – Às vezes até contra o proconceito dos próprios artistas que se comem uns aos outros.

JN – As pessoas ouvem rádio e cantarolam as músicas. A música está presente na vida das pessoas, e as pessoas associam momentos da sua vida à música. E isso é uma coisa inegável. Às vezes não se lembram que por trás daquilo que estão a ouvir há muito trabalho, muito investimento pessoal de todos os envolvidos. As pessoas esquecem-se que para ter aquela música na rádio é preciso alguém dedicar a sua vida. Os meus pais não levam muito a sério o facto de eu fazer música. Apesar de verem o S. Jorge cheio, é difícil fazê-los entender que isto é uma maneira de viver.

VC – Em relação às politicas, também nos cabe a nós mudar. Os governos e as pessoas que estão no poder não são mais do que um mero reflexo nosso. Portanto, se eles fazem aquilo dessa maneira, é porque nós assim o aceitamos.

E se as pessoas forem exigentes consigo e com os outros, o resto da excelência vem com o trabalho. Mas tem a ver com a dedicação com que a pessoa se põe, e o que eu sinto em relação às questões das políticas, é isso. Em vez de haver uma atitude de nos queixarmos da política, nós somos um papel importante. Se temos que ser rigorosos com o nosso trabalho, seja que trabalho for. Cada pessoa tem de fazer o que gosta e com brio. Isso é que vai fazer a mudança em todo o lado. Inclusivé na parte artística. É igual para todos.

Qual foi a postura dos Dazkarieh durante estes 10 anos?

VC – Isto que estamos a falar agora foi sempre a nossa postura. A banda sofreu algumas alterações – eu sou a única pessoa que está desde o início da banda. Eu lembro-me de umas palavras que disse. Estava a tocar com os fundadores, o Zé Oliveira e o Filipe Duarte. Estávamos num jardim a ensaiar, e disse: “eu agora quero fazer uma coisa. Isto agora é mesmo para fazer. Quero tocar, quero fazer concertos, quero andar para a frente com este projecto. Não é mais um projecto para morrer. Portanto, ou estão ou não estão”. E estiveram.

JN – E neste momento esta atitude é comum aos músicos da banda. Nós os quatro, o Luís e o André que não estão aqui, o nosso técnico de som Gonçalo Moniz, e o nosso agente, que é o Nuno Barros, em conjunto com a Hepta, este núcleo de 6 pessoas está todo com esta atitude. Muito pró-activos e com muita vontade de chegar lá. Seja onde for, nós estamos todos a trabalhar arduamente.

Como é trabalhar à margem das grandes editoras?

VC – Em termos artísticos sabemos muito bem o que queremos. Quando estamos a experimentar e ainda não temos a certeza onde queremos chegar, gostamos de estar livres. Ou seja, trabalhamos sem preconceitos e nunca pensamos em termos comerciais. Sempre fizemos as coisas sem ninguém a dizer o que é que deveríamos fazer. Quando se está com uma editora grande, eu não sei como é, porque nunca estive, mas…

JN – Conhecem-se histórias. Não queremos que a banda vá por aí. Não gostamos disto. Isto não vamos editar, etc. Nós não temos esses problemas. Nós criamos. O que nós queremos fazer é o que vai.

VC – E depois pensamos no vender o produto. E aí já estamos só a pensar em termos de mercado. Claro que isto é difícil. Isto implica um risco grande em termos monetários, implica uma grande dedicação sem remuneração directa desde o início e implica às vezes dificuldades em colocar os discos nas lojas. As editoras têm meios para conseguir pôr o disco logo a passar nas rádios, nas playlists, uma publicidade maior, promoção maior, jornalistas que pegam na música daquelas editoras, etc. Uma editora pequena ou uma edição de autor tem um mundo de dificuldades.

Uma coisa boa que aconteceu com o aparecimento da internet é que houve uma democratização da coisa. Se bem que as grandes editoras continuam sempre nos sítios principais, são eles que controlam os myspaces e os facebooks. As grandes editoras estão lá e a publicidade é posta lá.

JN – Mesmo o myspace agora já tem um sistema de publicidade a que é difícil de aceder.

VC – Uma pessoa em casa com uma guitarrinha e um trabalho de pouca qualidade consegue pôr online as músicas para as pessoas ouvirem. Assim bem como as grandes bandas de topo como U2 e companhia também têm lá o seu sitezinho no myspace.

Há aqui uma questão de igualdade.

VC – Sim, se bem que uma pessoa abre o myspace e aparecem logo os U2 com um novo álbum e com um banner gigante, e uma banda pequena não consegue isso tão facilmente.

Há uma tendência para fugir às grandes editoras?

JN – Eu não acho que estejam a fugir. Eu acho é que há muitas bandas que decidiram fazer por si e não estar à espera que as grandes editoras venham ter com elas. É um pouco o mudar de atitude de uma nova geração na qual nos incluimos e muita gente que está à nossa volta. Inclusivé muito amigos nossos que também têm bandas. Uma nova geração que está a pensar de outra forma. Lembro-me que aqui há uns anos ainda nem eu sonhava em fazer música conheci também bandas que estavam sempre a pensar em conseguir um contrato: temos que mandar para a editora X isto ou aquilo. E hoje em dia há muita gente que isso nem lhes passa pela cabeça. Criam, fazem e arranjam uma maneira de editar. Fazem uma associação para criar a estrutura. As pessoas estão a começar a ser mais pró-activas.

VC – Nós até queremos colaborar. Para este disco estivemos em contacto com algumas editoras. Algumas grandes outras não tão grandes e sentámos-nos à mesa. Só que nesta altura, dado o que está em jogo, o melhor é fazemos por nós. Nós próprios já temos uma estrutura criada ao longo de dez anos e já sabemos como fazer as coisas. E se for para dar um salto grande, se calhar vale a pena ter uma editora grande. Se estiver interessada em nós e se chegarmos a um consenso. Se for para continuar na mesma, mas com outros parceiros que se calhar não vão acrescentar nada, mais vale continuarmos pelo nosso caminho e amigos como sempre.

É fácil o acesso ao know-how por fora das grandes editoras? Há meios suficientes hoje em dia?

VC – Nós artisticamente nunca estamos satisfeitos. É a eterna questão do artista. Mas já conseguimos um bom resultado. Com o aparecimento de todas as coisas digitais, dá para conseguir um nível de qualidade já muito elevado. Os estúdios estão muito caros. E consegue-se com um material já de média gama ter um som bastante razoável, não tendo metade das despesas. Claro que não substitui o estúdio tradicional. Nós estamos satisfeitos com o resultado e conseguimos muito. Temos uma grande rede de contactos e amigos, como também referimos no concerto, que nos apoiaram e que nos emprestaram material.

E passo a passo estamos a fazer uma caminho que todas as grandes bandas fizeram. Queremos chegar ao grande público, mas de uma forma sólida. Queremos chegar com pessoas que gostam de nós e que acarinham o noso trabalho. E não chegar de repente como uma banda que aparece e depois desaparece. E as coisas levam um certo tempo e nós estamos a gostar de trilhar este caminho.

Já se pensa num próximo trabalho?

JN – Eu já tenho ideias!

VC – Eu também já algumas ideias, mas este disco está fresquíssimo. Acabámos de o gravar no fim de Janeiro. Muitas coisas foram compostas quase até ao limite. Ainda estávamos a gravar e ainda estávamos a compor. Foi um disco muito intenso de fazer. Desde Agosto que trabalhamos sete dias por semana, oito horas por dia. Foi tudo um processo muito intenso. Muita dedicação. Eu sinto neste momento que agora é para saborear o disco.

JN – Mas a nossa cabeça não pára de viajar.

VC – E há sempre novas coisas. Mesmo os nossos instrumentos, alguns são feitos para nós e ainda estão em modo protótipo. Já há coisas que precisamos de modificar para soarem melhor. Estamos sempre nisto, isto é a nossa vida. É o dia-a-dia. Portanto em termos criativos estamos sempre a criar, sempre activos, sempre com coisas para fazer, sem ser fazer já outro disco. Às vezes o que é difícil é mesmo desligar para descansar. Conseguir parar. Agora vamos aproveitar este disco pelo menos durante este ano.

Existe um limite para os instrumentos que se podem tocar?

VC – Acho que os instrumentos não têm limite. Os músicos é que têm limites. E o ser humano tem limites.

JN – Por vezes as limitações estão na cabeça das pessoas.

VC – Nós podemos ver um instrumento como o que já foi feito até à altura. E há instrumentos que já chegaram a um nível técnico de um virtuosismo que é mesmo difícil de ultrapassar. É mesmo uma questão quase atlética.

E depois há outra questão. Qualquer instrumento, é um instrumento de expressão. Há pessoas que não têm muita técnica mas que se expressam de uma forma maravilhosa, seja com que instrumento for, e passam a sua mensagem. No nosso caso, usamos sons e instrumentos acústicos. Os nossos instrumentos acústicos já não são iguais aos outros porque já os modificámos e já os passámos por pedais que são convencionais para outros instrumentos, como guitarras eléctricas e baixos eléctricos. Já os tocamos de uma forma não tradicional. Fazemos aquilo que serve a nossa forma de expressão. Em última instância o que interessa mesmo é a expressão. É passar a mensagem.

E porque não tocar utensílios de cozinha?

JN – Porque não? Nunca se sabe o que nos vai na cabeça dentro de dez ou vinte anos.

VC – Nós enquanto artistas e enquanto músicos fazemos aquilo que nos apetece. E a nossa música é a nossa expressão. E só faz sentido enquanto fizermos aquilo que sentirmos. E se o que sentirmos for tocar em cadeiras e utensílios de cozinha, então faz todo o sentido. Se não sentirmos isso, então não faz sentido fazer isso. Não sabemos para onde vamos. Agora vamos ver onde nos leva a estrada da vida.

E nós desejamos aos Dazkarieh uma rota de sucesso e de trabalho com a qualidade que nos habituamos até aqui.

Bem-hajam.



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