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DC Comics – The New 52

Envolvendo uma enorme operação de marketing, a DC Comics reiniciou no passado mês de Setembro toda a sua linha editorial desde o número um sob a insígnia “The new 52”. Mas será que parar um comboio em andamento é uma tarefa para o Superman?

A realidade do mercado editorial dos comics nas últimas três décadas tem sido pautada pela alienação sistemática do público generalista (leia-se não geek). Este fenómeno terá várias explicações, sendo a mais usualmente evocada a da concorrência de novos media permitida pela evolução tecnológica. Mas se quanto a este ponto a indústria tem tentado ajustar-se via vídeo-jogos e mega produções cinematográficas, por outro lado não tem conseguido capitalizar esta exposição para o público consumidor dos tradicionais comics impressos ou das suas contrapartes digitais.

Os comics deixaram praticamente de ser vendidos nos news stands para serem exclusivamente comercializados pelas lojas especializadas. As chamadas direct sales assumiram-se como o único escaparate para quem quisesse acompanhar as aventuras dos heróis das principais editoras como a DC ou Marvel. O sistema vigente funciona com base em reservas efectuadas nas referidas lojas com uma antecedência mínima de dois meses, permitindo assim às editoras anularem a margem de erro associada a tiragens excessivas de determinados títulos. O que parece um sistema perfeito para as editoras tem simultaneamente provocado a sua gradual perda de relevância dado não se assistir à regeneração do público, sendo o desfecho deste fenómeno mais ou menos previsível.

Paralelamente às tendências de mercado atrás referidas, as técnicas narrativas desenvolvidas nas últimas décadas tornaram-se naquilo a que o norte-americanos designam como decompressed storytelling, que mais não é do que prolongar a narrativa com introdução de detalhes que acabam por tornar a mesma impenetrável e desinteressante para o leitor casual. Este terá sido o principal factor que distingue os comics publicados até meados dos anos 80, que eram mais inclusivos se considerarmos que, independentemente da duração dos story arcs e de muitos deles terminarem em cliffhanger, possuíam uma simplicidade que permitia a identificação com os personagens, bem como a compreensão da estrutura narrativa onde estavam inseridos. O equilíbrio conseguido pelos argumentistas da altura entre a manutenção de uma história, acessível mas relevante no plano criativo, transformou muitas dessas sagas em clássicos até hoje referenciados, como por exemplo a abordagem de Frank Miller a Daredevil ou de John Byrne e Chris Claremont aos X-Men.

É neste contexto que surge o relançamento da DC com o subtítulo “The New 52”. A acção desenvolvida pela DC assenta em dois factores de inovação fundamentais: em primeiro lugar, o lançamento em simultâneo de toda a linha editorial no formato digital e impresso; e em segundo, na renumeração dos 52 títulos mensais que compõem a oferta da DC, independentemente de em muitos dos casos tratarem-se de títulos já existentes (caso de “Action Comics”, publicado desde Junho de 1938 terminando assim no nº 900).

O primeiro factor inovador procura tirar partido da popularidade de equipamentos como os tablets comercializados no mercado. A iniciativa tem vantagens evidentes, como por exemplo o facto de termos acesso imediato ao comic em qualquer ponto do globo no exacto momento da sua publicação no E.U.A.. A experiência de leitura é fluída mas, no entanto, condicionante, caso optemos pela visualização por imagem sequencial. Este posicionamento agressivo no digital poderá dar alguma vantagem competitiva à DC num futuro mais ou menos próximo. Para já, torna-se difícil avaliar o verdadeiro alcance desta medida, uma vez que o circo mediático à volta do relançamento editorial impulsionará as vendas para valores muito acima das tiragens normais, sendo que uma aferição mais fundamentada apenas será possível num espaço de tempo nunca inferior a um ano. Quanto ao tipo de “novo” leitor que se espera conquistar com este tipo de tecnologia, para já não se afigura realista. Não obstante a popularidade dos equipamentos acima referidos, não são ainda um gadget que os mais novos possuam de forma massificada (a alternativa de ler num desktop ou mesmo notebook é algo desadequada). Talvez num futuro próximo, com o ajustamento de preços que naturalmente ocorre, se figure como uma aposta válida na conquista de novos leitores.

Quanto à estratégia de remuneração dos 52 títulos que compõem a oferta da DC, não obstante aproveitar-se este momento para se reformularem algumas das origens, não tem um significado tão fundamentalista como alguns gostariam, subsistindo muitos pontos de contacto com toda a continuidade das últimas décadas. Quem sonhava com um reset irá verificar a existência de interligações com a cronologia anterior, sendo este ponto mais evidente em alguns títulos do que em outros.

A dificuldade que a DC demonstra num verdadeiro recomeço é ilustrada de forma literal num personagem enigmático que surge aleatoriamente em pano de fundo em todos os números um dos 52 títulos da DC, sob a forma de uma figura com capuz e manto. Tudo estaria bem neste “onde está o Wally?”, não fosse o facto de se tratar do personagem que no final da saga Flashpoint afirma ao herói Flash que o mundo foi desdobrado em três planos com o objectivo de enfraquecê-los perante uma ameaça eminente e que por isso deverão ser novamente reunidos para combatê-la. Surge assim o novo Universo DC , resultante da fusão das três linhas editoriais: DC , Vertigo e Wildstorm.

O primeiro destes 52 comics publicado (“Justice League”) inicia com a referência ao facto de estarmos a assistir a acontecimentos ocorridos há cinco anos, quando o fenómeno dos super-heróis era ainda novo para os comuns mortais. Para uma equipa editorial que diz pretender captar novos leitores, o facto das histórias dos diversos comics não estarem alinhadas temporalmente pode revelar-se uma premissa algo confusa.

No que se refere ao conteúdo propriamente dito, continuamos a verificar a mesma tendência de narrativas demasiado dispersas, que dificilmente vão cativar leitores que decidam começar a ler o livro a partir do terceiro ou quarto número.

Quanto aos títulos mais emblemáticos da editora, nomeadamente “Action Comics” e “Detective Comics”, temos duas propostas bastante vincadas no seu estilo. “Action Comics” apresenta-nos um Superman num período não determinado mas claramente anterior àquele mencionado na “Justice League”, dado ainda não envergar a armadura kryptonia que exibe nessa edição.

A visão de Grant Morrison de Superman como o herói socialista (muito próxima às raízes do personagem nos anos 30) é notória na atitude e frases, como aquela que dirige a um grupo de executivos sem escrúpulos: “Rats. Rats with money and rats with guns. I’m your worst nightmare.” Morrison é um dos bons exemplos de criadores que conseguem tirar partido de uma estratégia de marketing que de outra forma revelar-se-ia oca.

No caso de “Detective Comics”, o autor Tony Daniel, conhecido pela saga “Batman R.I.P.”, assina o argumento e arte de um dos comics mais gráficos e violentos do cavaleiro das trevas, podendo mesmo ser classificado de gore em determinados momentos.

Algumas das propostas mais interessante e surpreendentes surgem naturalmente nos personagens da b list mais livres dos fardos da popularidade, como é o caso de “Animal Man” por Jeff Lemire e Travel Foreman ou “Aquaman” por Geoff Johns e Ivan Reis.

Uma nota especial para os fãs de Jim Lee, incontornável para quem lia “X-Men” nos anos 90, e que se prefigurou como um dos arquitectos desta reformulação, nomeadamente no plano estético dos personagens. O mais emblemático destes restylings é sem dúvida o de Superman. Longe vão os tempos dos calções vermelhos e da licra, o novo Superman enverga agora uma armadura kryptoniana.

Será injusto classificarmos toda esta operação como um simples golpe publicitário sem qualquer valor em termos de conteúdo ou mesmo estético, mas a verdadeira revolução que a indústria necessita ficou mais uma vez adiada. Ficamos com a sensação de algum receio em abraçar um projecto que verdadeiramente rompesse com o passado, optando assim a DC comics pelas piscadelas de olho aos seus leitores tradicionais. Talvez para a próxima crise universal…



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