De Passagem
Parcerias cúmplices.
O Teatro do Bairro apresenta De Passagem, uma obra literária de teatro que, apesar de ter sido editada em 2019 data originalmente de 1985. Foi primeiramente escrita como uma opereta em cinco atos e escrita em inglês com o título Just Passing Through. Este é mais um espetáculo a acrescentar a uma parceria que, ao contrário do título, se tem mantido desde 2010 entre a escrita de Luísa Costa Gomes e a encenação de António Pires.
A parceria nasceu com o espetáculo O Príncipe de Hamburgo, de Heinrich Von Kleis, que estreou no CCB e onde a escritora partilhou a encenação com António Pires e ainda foi responsável pela tradução e dramaturgia. Entre tantos projetos juntos, alguns dos textos como este e o de estreia do Teatro do Bairro enquanto companhia – Vida de Artista – são da autoria da dramaturga.
Seguindo a jornada de bicicleta do jovem Roberto, interpretado por Francisco Vistas, este texto aborda não só a efemeridade do tempo implícita no título, como também questiona a relação entre várias dicotomias como o entusiasmo e o aborrecimento, a natureza e a cidade, o apego e o desapego, o dar e o receber, o hoje e o amanhã.
As duas últimas dicotomias mencionadas estão bastante presentes em duas curiosas personagens – Domingos e Augusto (Percy and Boyle no original) – que quase nos fazem duvidar da sua existência real na trama, tal é o absurdo e a estranheza dos seus diálogos. Entram numa espécie de competição de quem dá mais conceitos abstratos de modo a ficarem quites um com o outro; encontram na dádiva uma forma de prestígio e conforto para com os transeuntes ainda que nada lhes devam.
Aparecem-nos vestidos com uns fatos que, logo à partida, os apresentam como senhores de estatuto, porém com um certo toque de peculiaridade. São as testemunhas do que acontece com o protagonista depois de cruzar caminho com o inconformado António (João Barbosa). Apesar de secundárias, a parceria destas duas personas fictícias demonstram uma certa cumplicidade, bem transmitida através dos atores Marcelo Urgeghe e Ricardo Aibéo – considero mesmo que se tornam na essência poética da trama, proporcionando ao público os momentos mais cómicos e inusitados.
As restantes dicotomias encontram-se num primeiro momento do espetáculo, que é fulcral no entendimento do desenrolar da história. Na sua bucólica aventura em busca de paisagens de água para desenhar, Roberto depara-se com António, com quem trava uma conversa bizarra à qual desejaria fugir. Roberto, o jovem, é o entusiasta pela natureza ao contrário de António, mais velho, que vive aborrecido e indignado com a sua condição de homem da cidade a viver nas montanhas. Quanto ao apego e desapego entra em cena Maria Rita (Sandra Santos), uma mãe extremamente preocupada com o filho – o apego – e que também é filha de um pai entretanto desaparecido, mas com o qual não se mostra tão preocupada – desapego. Nela vemos a economia do amor humano; mais dedicada a uns e menos a outros, assim como uma espécie de representação dos ciclos da vida e das relações familiares.
Toda a trama desenrola-se num cenário paisagístico em harmonia com o desenho de luz, assim como de som, capaz de criar a ilusão de nevoeiro por entre as árvores pintadas. A cenografia parece criada com o objetivo de fazer o espectador acompanhar a expedição do protagonista. Não somente o percurso de bicicleta até ao topo da montanha mas também a evolução do seu caráter, que vai passando por várias fases de desmaterialização em virtude de um conhecimento para lá do óbvio.
Esta encenação é composta maioritariamente por quadros de diálogos bem tecidos demonstrando a beleza da língua portuguesa e justificando, uma vez mais, o sucesso da parceria entre António Pires e Luísa Costa Gomes.
O espetáculo encontra-se em cena no Teatro do Bairro até dia 4 de fevereiro às quartas e sextas pelas 21h30 e aos sábado e domingos pelas 18h00.
Depois de Lisboa, segue para o Fórum Municipal de Alcochete no dia 8 de Fevereiro, no Theatro Circo Braga nos dias 15 e 16 de Fevereiro e nos Recreios da Amadora no dia 25 de fevereiro.
FICHA TÉCNICA
Texto LUÍSA COSTA GOMES
Encenação ANTÓNIO PIRES
Elenco FRANCISCO VISTAS (O jovem viajante, ROBERTO, de bicicleta), JOÃO BARBOSA (O morituro, ANTÓNIO), MARCELLO URGEGHE (AUGUSTO, viajando a pé), RICARDO AIBÉO (DOMINGOS, viajando a pé) e SANDRA SANTOS (MARIA RITA, com seu marido, MARLÔN, em efígie)
Cenografia ALEXANDRE OLIVEIRA
Figurinos LUÍSA PACHECO
Desenho de Luz RUI SEABRA
Desenho de Som PAULO ABELHO
Caracterização IVAN COLETTI
Construção de Cenário FÁBIO PAULO
Costureira ROSÁRIO BALBI
Operação de Luz ALEXANDRE JERÓNIMO
Operação de Som ANTÓNIO OLIVEIRA
Direcção de cena JOÃO VELOSO
Assistente à direcção de cena AFONSO LUZ
Ilustração JOANA VILLAVERDE
Spot de vídeo TIAGO INUIT
Fotografia de cena JAIME FREITAS
Bilheteira SOFIA ESTRIGA
Direcção de produção IVAN COLETTI
Coordenação de produção FEDERICA FIASCA
Administração de produção ANA BORDALO
Comunicação MARIA JOÃO MOURA
Produtor ALEXANDRE OLIVEIRA
Produção AR DE FILMES / TEATRO DO BAIRRO
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