Devendra Banhart @ CCB (03.08.2013)

Devendra Banhart @ CCB (03.08.2013)

A mala ficou em casa

Em 1995, num dos mais entusiasmantes filmes de acção que o cinema já conheceu – “Heat”, de Michael Mann -, Neil McCauley – interpretado por Robert De Niro – dizia mais ou menos isto sobre a liberdade individual: tudo aquilo que nos é importante deve caber dentro de uma mala, para quando chegar a hora de partir não ser necessário pensar muito ou olhar para trás. Já este ano, Devendra Banhart, o hippie mais amado do planeta, decidiu também pegar nos seus objectos mais pessoais e atirá-los para dentro de uma “Mala” musical, oferecendo aquela que será, porventura, uma das mais inspiradas e inspiradoras rodelas sonoras de 2013 – e, arriscamos dizê-lo, o seu melhor disco até à data. Era por isso grande a expectativa instalada num CCB praticamente esgotado, no concerto que encerrava a digressão de Devendra pelo velho continente.

Coube a Rodrigo Amarante, em tempos guitarrista, baixista, vocalista e compositor de Los Hermanos, as honras de abertura. Aliás, também as de fecho, já que foi ele e os músicos que o acompanharam os companheiros da atribulada viagem musical de Devendra Banhart; mas já aí vamos.

Rodrigo Amarante começou e terminou sozinho mas, pelo meio, esteve sempre muito bem acompanhado, por músicos que trocavam de instrumento como crianças que querem experimentar todos os brinquedos que há na loja. Rodrigo oferece uma tonalidade vocal que não deixa adormecer ninguém, juntado ao português com o perfume fabricado do outro lado do oceano o francês ou o inglês, pedindo emprestada a solidão de Nick Drake, a pop uivante de Patrick Watson ou a crueza de um Cohen dos tempos das canções de amor e ódio.

Parecia que ao intervalo o jogo estava mais do que ganho mas, com a entrada em campo da estrela da companhia, Devendra Banhart, a defesa começou a meter água e, apenas por milagre, não se assistiu a uma goleada sofrida em apenas meio tempo.

Já muito se falou sobre a fobia de Devendra aos grande palcos ou com aspecto muito formal, mas ontem o problema não passou por aí. Enquanto performer e entertainer Devendra não defraudou, com os passos de dança, gritos tribais e outra série de gestos e rituais que são tidos como bem num hippie respeitável. O grande busílis foi que Devendra decidiu assumir o papel de crooner durante quase toda a actuação, trocando o canto pelo experimentalismo, usando e abusando de trejeitos vocais que tornaram quase irreconhecíveis temas como «Fur Hildegard von Bingen» ou «Your Fine Petting Duck», ambos candidatos a canção do ano.

Musicalmente o concerto foi irrepreensível, desde inventar uma pop que lembra os Strokes antes da sua cremação precoce, oferecer um tango para amantes apaixonados e já com duas doses de aguardente em cima – «Mi Negrita» -, semear a tristeza com uma guitarra uivante – «Bad Girl» – ou arrancar rumo ao deserto para uma noite de mescalina – com «Seahorse», um momento incrível que deixaria Jim Morrisson e as suas portas extremamente orgulhosos.

Quando deixado sozinho em palco, Devendra mostrou que não estava num dia bom – a expressão “vocalmente desinspirado” assentará que nem uma luva -, com duas versões pouco conseguidas de «Hatchet Wound» e «Won`t You Come Over», que fizeram despertar a vontade de ver regressados os músicos para que nem tudo se perdesse. O encore de um tema só, num concerto que teve pouco mais que uma hora e alguns trocados, soube a muito pouco para quem já leva na bagagem cinco discos de originais; mas pelos vistos, na sua vinda a Portugal, Devendra Banhart deixou ficar a mala em casa, ou perdeu-a entre aviões. Uma pena.

Fotografia de Marisa Cardoso



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