“Diário Rasgado” | Marco Mendes
A “Mundo Fantasma”, em parceria com a “Associação Turbina” e o colectivo “A Mula”, editaram em Maio aquele que promete vir a ser um dos melhores lançamentos editoriais do ano no que toca a banda desenhada
Este “Diário Rasgado” trata-se, como está explícito no título, dos apontamentos de vida do autor Marco Mendes onde a realidade e a ficção se misturam. Este é um projecto que tem vindo a ser revelado desde 2005 no blog do autor e que já conta também com algumas pranchas editadas em fanzines, nomeadamente no “Tomorrow the chinese will delivery the pandas” e, obviamente, nos fanzines do colectivo “A Mula”, entre outros. Digo obviamente no que toca ao colectivo “A Mula”, uma vez que este foi formado em 2004 pelo próprio autor em parceria com Miguel Carneiro.
Se estamos a falar de um diário de BD, faz todo o sentido que, além da narrativa, os próprios desenhos sejam um retrato da realidade do autor, ou seja, “Diário Rasgado” não é meramente a transposição de um diário escrito para o formato de BD mas, antes, um verdadeiro diário visual, e que durante os anos vai sofrendo transformações no estilo gráfico também, porque um autor experimenta e evolui ao longo do tempo. Se uma pessoa não é uma constante a nível pessoal porque o haveria de ser a nível artístico?
Esta componente de experimentação presente no livro é quanto a mim um dos pontos mais interessantes do mesmo. Começamos num determinado estilo, mais simples e directo, e quando damos por nós já estamos num “mundo” totalmente diferente onde o desenho é composto por várias camadas e onde, posteriormente, o diferente uso da cor vai ganhando cada vez mais relevo. Há também uma certa sujidade na obra; o autor não se preocupa com balões riscados, correcções no desenho ou mesmo traços que fogem da vinheta, e tudo isto acaba por contribuir para uma maior genuinidade da obra afastando-a de quaisquer artifícios. A vida real é assim. Tem tanto de limpa como de suja.
Conheci este trabalho, precisamente, na loja “Mundo Fantasma”, onde a obra foi apresentada e esteve em exposição. A primeira coisa que me chamou a atenção no trabalho de Marco Mendes foi a recordação de “American Splendour”, uma comparação inevitável para mim dentro das poucas obras que conheço deste género mais auto-biográfico. Tal como na obra de Harvey Peckar, há aqui também um forte retrato da realidade e das relações humanas, mas num estilo completamente distinto e próprio do autor. Aliás, se há coisa que “Diário Rasgado” é, ou assim me fez sentir, é que se trata de uma obra muito pessoal e sincera. Sendo verdadeiras ou não (e eu até acredito que a maioria são), estas histórias espelham o coração do autor.
E é assim que por entre conversas e (des)amores, por entre momentos mais descontraídos e bem humorados ou mais soturnos e de reflexão (são várias as vezes que o autor pára para simplesmente contemplar o espaço tentando captar-lhe um pouco da alma) vamos viajando lado a lado com o autor e que, tal como o amigo que está lá nos bons e nos maus momentos, nós, como leitores, estamos também.
Uma vez que o autor mantém o seu blog activo, não há nada como conhecer o seu trabalho pelos vossos próprios olhos e, se gostarem, o livro não é difícil de encontrar.
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