“DISCONNECT” – QUORUM BALLET
Estivemos presentes no mais recente trabalho da companhia de Daniel Cardoso com quem trocámos algumas ideias.
Pela positiva afirmo que o próximo público de Disconnect sairá da sala ou teatro onde se acomodar, totalmente rendido ao que acabou de ver e decerto excessivamente incomodado consigo mesmo por nitídamente perceber que “autorizaram” o seu eu e a sua vida a serem tão simples e limitados para o tanto que a essência de cada um exige. Numa outra perspectiva, também afirmo que, se irão arrepender de não ter visto, todos aqueles que ouvirem falar do espectáculo pelo “passa a palavra” de amigos, conhecidos ou familiares e que na verdade, não se esforçarem o suficiente para terem o privilégio de assistir a Disconnect. Claro que não será menos importante referir que estarão desculpados todos os que não têm condições de vida ou económicas para o efeito, uma vez que temos sempre de considerar o já tão conhecido cenário económico e cultural do nosso país. No entanto, ainda assim, acedam frequentemente ao site da Quorum Ballet – www.quorumballet.com – e respectivas redes sociais, porque além de ser uma Companhia que sempre remou contra todas as “marés-altas culturais”, também é uma “fábrica” onde se fazem os sonhos acontecer.
Tal como anteriormente evidenciado, o novo espectáculo da Quorum Ballet – Disconnect – foi exibido entre 15 e 17 de Abril no Cineteatro D.João V na Damaia, onde também se podia apreciar a Exposição de peças escultóricas criadas para Disconnect, da artista plástica Maria Monte e intitulada In Trurina Mentis Dubia.
Há muitos anos que acompanho o trabalho da Companhia Quorum Ballet e de alguns dos seus elementos, mais especificamente do Coreógrafo e Director Artístico Daniel Cardoso. Por circunstâncias que a vida nunca se preocupa em justificar, o meu especial gosto pela dança, fez com que ele tivesse que passar pelo meu trilho de vida. Logo na altura, a descrição que me fizeram como pessoa e como profissional fez com que os meus “radares artísticos” se focassem sobre o seu trabalho bem como sobre a Quorum Ballet. Inicialmente fazia observação de muito longe e completamente incógnita, depois fui-me aproximando lentamente até que, estando já muito próximo…surge esta honrosa oportunidade de ser convidada a ver Disconnect. Quis definir o espectáculo numa só palavra com o turbilhão de emoções que trazia a fervilhar na alma. Não consegui! Uma só palavra seria muito pouco para o muito experienciado! Surgiram muitas mas, na verdade, as mais insistentes foram: fenomenal, avassalador, fantástico…entre um enorme misto de sentimentos pessoais acordados naquele precioso espaço de tempo.
nós também somos os outros
Uma das primeiras perguntas que fiz ao Daniel foi: “como surge na tua cabeça Disconnect para criar este espectáculo?” Recebi uma resposta simples mas incisiva, referindo a inspiração nas relações quotidianas das pessoas, quer sejam elas de amizade, amor ou um simples relacionamento esporádico ou ocasional que aconteça seja lá porque motivo for. Neste caso, achei curioso como ele me conseguiu definir realmente e, agora em muito poucas palavras, a trajectória existencial por que todos nós passamos quer seja a nossa vida muito longa ou nem por isso. Lá está, um bailarino com o seu carisma e qualidade, quase não precisa de palavras porque se expressa de forma exaustiva e directa através da dança e das coreografias que lhe passam na cabeça como se se tratasse de uma película cinematográfica já filmada mas que só ele consegue ver. Embora seja a música sempre a sua principal fonte de inspiração, de qualquer forma, em mais uma ou duas frases referiu que, a verdade do ser humano, das relações e das várias gerações é que a vida se define por um círculo – os acontecimentos e experiências de cada um de nós podem ser muito diferentes mas que, o percurso e o movimento da vida é sempre circular. O facto é que para se conseguir viver em sociedade, todos nós temos de usar uma espécie de “máscara genérica” que consideramos aceitável “mostrar aos outros” e que por vezes também nos serve de escudo protector. Bem como, também nos é necessária uma “máscara específica”, uma vez que, sem quase nos apercebermos na maioria das vezes, “nós também somos os outros”.
Foi tão enriquecedor estar ali na frente daquele palco e receber toda a energia e emoção que todos os fantásticos bailarinos tinham para nos dar que não consegui evitar em tirar algumas notas no meio do escuro e em “caligrafia hieroglífica” para mais tarde recordar e tentar nunca me esquecer de mim mesma por trás das minhas máscaras sociais. Não me importo de as partilhar convosco e espero com isso, conseguir incentivar-vos a ir ver a Quorum Ballet actuar e neste caso específico, para que não percam os próximos “Disconnect”:
“Sim! Somos autómatos! Iguais! Sim, por vezes um intermitente ininterrupto; agarramos e amamos pessoas/máscaras que já deixaram de ter conteúdo, já está vazio de essência e nem demos por isso; é necessário varrer o lixo, seja lá o que ele for; temos e inventamos barreiras apenas criadas por nós – intransponíveis ou não; também nós somos capazes de ser tudo e fazer tudo; também somos cópias/imitações, ameaças indefesas (“dueto” de duas bailarinas – lindo); por vezes é preciso que alguém nos tire a máscara…ela desgasta/sufoca; vida = combate de muitos rounds; é preciso descalçar os preconceitos e correr sem parar até cansar; cada um faz o que quer dentro ou fora do ritmo da vida; os intervenientes mudam e nem damos conta; a qualidade artística de todos é tão grande que apenas seis bailarinos parecem uma multidão de vinte; e agora? Qual de nós és tu ou eu?”
A Quorum Ballet está agora a programar este espectáculo dentro e fora de Portugal, sendo já uma delas confirmada em Portimão no “Teatro Tempo” a 5 de Novembro. Fora este, a Companhia tem muitos espectáculos confirmados para o ano inteiro mas com outros trabalhos em repertório. Tal como aqui já foi referido Daniel Cardoso é o Director Artístico e Coreógrafo, sendo também um dos bailarinos. Os restantes elementos do grupo e que fizeram parte de Disconnect são: Elson Ferreira; Ester Gonçalves, Filipe Narciso, Inês Godinho, Kim Potthoff e Mathilde Gilhet.
A minha base de inspiração é sempre a música, depois surge o movimento (…) e tudo o que vem, passa a existir
Daniel Cardoso tem um percurso de vida de uma dedicação extrema à dança e de uma luta, persistência e objectivos alcançados ainda maiores. Estudou e formou-se na Escola de Dança do Conservatório Nacional, tendo posteriormente acrescentado ao seu currículo a experiência em diversos pontos do globo. Após a sua passagem de alguns meses por Nova Iorque, trabalhou lá cinco anos; dois meses no Brasil e quatro anos na Dinamarca, antes de voltar para Portugal. É nesta altura que decide dar início e corpo físico ao seu sonho de formar a sua própria companhia de ballet. Nasce a Quorum Ballet no ano 2005 e desde essa altura a esta parte não mais parou de construir e coreografar muitos e excelentes espectáculos, tendo como base a dança comtemporânea.
Obviamente levava comigo algumas perguntas simples e curiosidades a serem esclarecidas: “como inicias a concepção/visualização dos movimentos e da coreografia para conseguires contar a história?” – “A minha base de inspiração é sempre a música, depois surge o movimento…é espontâneo, genuíno…nem é para agradar, surge e tudo o que vem, passa a existir. Sinto o palco, o espaço…e depois, o resultado e o que fica, é assim porque tem de ser! É mesmo porque tem de ser assim!”
Outra das curiosidades e questões formuladas foi: “em que países já passou a Companhia com espectáculos e essencialmente o Correr o Fado? A resposta veio realmente com uma quantidade e qualidade estrondosas – “525 espectáculos; 63 internacionalizações; 16 Países visitados; 53 cidades em Portugal; cerca de 79761 público; 49 criações”. Números destes só se conseguem realmente com muito esforço, empenho, dedicação e amor à Arte.
Além do amor à dança vem também o prazer de divulgar o nosso País como um “ninho” de onde o mundo pode ver nascer e crescer muita qualidade e muitos valores a nível das artes. Com histórias de vida e arte como esta, podemos continuar a acreditar de que é possível estarmos “conectados” aos nossos sonhos e criar o nosso próprio mundo de valorização pessoal, ainda que pelo meio tenhamos que aprender a co-habitar com todas as máscaras e escudos protectores que a sociedade nos impõe.
E agora? – pergunto de novo – Qual de nós és tu ou eu?
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