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D.I.Y.

A velha máxima anglo-saxónica “Do It Yourself” é rainha para uma imensa minoria de não-conformistas portugueses. Há que tentar perceber o porquê de tanta casmurrice...

Em Portugal existe uma imensa minoria de não-conformistas que se recusa a cair no marasmo do dia-a-dia e do trabalho das nove às seis. Abdicando de coisas tidas como vitais para a maioria de nós, insistem em remar contra a maré em nome de, chamemos-lhes, as suas paixões (para não cair no eterno vazio das palavras “vocação” ou “arte”). A velha máxima anglo-saxónica “Do It Yourself” é rainha e dá-lhes força quando tudo o resto parece falhar; quando os apoios não existem, quando o dinheiro é escasso, quando os meios (tecnológicos ou não) são nulos… quando relações amorosas, familiares ou amizades tendem a desaparecer.

A RDB quis perceber porque não se acomodam estes revolucionários e foi também ela atrás da sua paixão – a de dar a conhecer o que de melhor é feito por portugueses na dita “cultura alternativa”.

Assumimos desde já alguma falta de isenção. Afinal, ao fim de dois anos fora da “cena”, agastados com as dificuldades e todo o trabalho em torno do projecto, massacrados pelos familiares e amigos que dizem que não sabem o “que é feito de nós”, das namoradas que todos os dias tentam perceber porque perdem o seu tempo connosco e – busílis da questão para muitos – declaradamente ao nível de uma Islândia no que toca a recursos financeiros, o destaque maior desta “primeira” edição não poderia ser dedicado a outro tema. A própria galeria fotográfica do artigo é um exemplo de D.I.Y. – “forçámos” uma amiga a ser modelo por um dia, pedimos a outro amigo fotógrafo que perdesse uma noite connosco e arranjasse um estúdio fotográfico, et voilá, temos fotos. Mas chega de falar do nosso umbigo – até porque podem perceber este trajecto no nosso Diário de Bordo. Vamos conhecer alguns destes revolucionários.

Cristina Miguel – Designer de Moda

Com 26 anos, natural do Porto e residente actual em Nápoles, Itália, Cristina iniciou o seu percurso académico superior na ESAD, no curso de Design de Equipamento. “Era a minha primeira escolha, mas após dois anos e pouca identificação decidi mudar-me para o CITEX onde tirei o curso de Design de Moda, a minha paixão de criança”.

Em 2006 fica em segundo lugar do mais importante concurso para jovens estilistas chamado Programa Aliança, o que lhe deu oportunidade de desenvolver duas colecções e apresentá-las no Portugal Fashion na categoria de “Jovens Criadores”.

Motivada pelo reconhecimento público e o valor que o prémio pessoalmente significava, desenvolve a primeira colecção intitulada “Murder Ballads”, inspirada num assassinato. “Era uma colecção muito pessoal e experimental a nível técnico pois foi praticamente toda feita à mão e com recurso a várias técnicas para um look orgânico, dark e rebuscado. Com um grande envolvimento emocional e técnico, esta colecção debutou o meu trabalho ao público”.

É depois convidada para participar no ITKIB em Istambul, “uma feira de moda onde expus o meu trabalho num stand e fiz alguns contactos, inclusive para algumas revistas internacionais”.

“As minhas principais dificuldades foram a acessibilidade e o preço muitas vezes alto a matérias-primas e falta de meios para pôr em prática muitas ideias que temos durante o processo criativo e que acabam por não se realizar, porque o mercado nacional não oferece os meios, o que é muitas vezes frustrante e obriga-nos a pensar noutras soluções”.

Ainda assim insiste em concretizar as suas ideias, pondo em prática o que tinha aprendido no curso. “Muitas vezes abdiquei da vida social e pessoal pois o processo criativo acarreta também uma constante obsessão até ao dia em que é finalizado”.

Quanto a recompensas… “algum reconhecimento público e convites para trabalhos mas não foi o retorno esperado. Portugal, apesar do potencial, dá os primeiros passos na indústria e as pessoas em geral não têm uma cultura de Moda. Acho que esse processo será lento mas com alguns resultados daqui a uns anos”.

Actualmente trabalha como Designer de Acessórios numa marca italiana sedeada em Nápoles. “Estar em Itália, um dos países de Moda mais importantes, oferece-me a oportunidade de trabalhar noutros níveis, conhecer outras maneiras de estar e enriquecer a minha experiência. Voltar para Portugal é uma opção viável pois é a minha cultura mas quero voltar com algo para ensinar. Vejo o futuro com bons olhos…”

Photonz – Produção/DJ

Para Marco Rodrigues e Miguel Evaristo, Photonz não tem uma motivação. “Surgiu de algo que se fez espontaneamente, só pelo gozo e pela “thrill”, e isso explica os problemas em encontrar o nosso lugar na “scene””. O problema continua mas vai fazendo sentido não estar engavetado num estilo musical ou qualquer outro grupo que sobrevalorize as suas regras e tiques artísticos. “Há muito gozo para ter nessa zona de ninguém (e pouco dinheiro…) e pelo caminho encontram-se pessoas que também não foram engavetadas”.

De lado, ficam os egos e oferece-se o trabalho a quem ouve, aprendendo muita coisa que passa ao lado da maioria. “Nunca tivemos que insistir porque nunca houve uma grande e única desilusão. Nunca parámos e tentámos sempre proteger a nossa música das  frustrações. Houve muitos momentos notáveis dos quais absorvemos muita vontade de fazer o que bem nos apetecesse, sempre com respeito pelas pessoas, sobretudo as que não conhecem os discos, não escrevem em blogs e não são dj’s”.

Abdicaram de tempo, audição e dinheiro, “mas só por gente que merece e por projectos sem filtros medrosos. Para os outros somos orgulhosamente caros e indisponíveis”. Abdicaram também de centenas de faixas esboçadas, para que algo aconteça algures no processo “e acreditem que são horas incontáveis para o lixo”. Mas é este processo esgotante que os lembra que as faixas editadas não surgem de nenhuma capacidade musical com que tenham nascido – “não somos mutantes radioactivos musicais”. Mas tiveram importantes recompensas neste percurso: “editámos vários 12″ e alguns lançamentos digitais e dificilmente fogem da memória as palavras de apreço vindas de pessoas que idolatrámos durante anos, sendo esta a compensação mais intoxicante”.

António Aleixo – Cinema

Ingressou em cinema por ser, acima de tudo, um apaixonado por estórias e por querer contá-las através das imagens, pois acredita profundamente no cinema narrativo. “Quando saí da escola não me sentia confiante para produzir e realizar os meus próprios argumentos. Precisava de matutar e amadurecer os meus conceitos, precisava de ver mais e trabalhar mais de perto com quem já o faz há algum tempo”. Começa então a trabalhar como técnico de pós-produção, ganhando experiência, a nível técnico e estilístico.

Entretanto, a um nível amador, pega numa miniDV de uma tia. “Ainda não me sentia confiante para pedir ajuda a ninguém pelo que era tudo ao estilo de The man with the movie camera”. A coisa corre bem e começa a ganhar confiança. “Claro que daqui a dizer a plenos pulmões que sou realizador ainda serão uns anitos, mas espero que passem depressa”. Há cerca de um ano abandona a estabilidade de um emprego para se aventurar numa carreira como argumentista, realizador, produtor e montador freelancer. Cria ainda a sua própria label, a Low Cost Filmes, através da qual tem produzido os seus trabalhos.

Ganha motivação nos projectos que hão-de vir, já que há sempre algo que podia ter corrido melhor, algum erro que podia ter sido evitado. “É aí que “o próximo” é sempre mais emocionante, é a oportunidade de fazermos melhor”. Além disso, “é gratificante sabermos que proporcionámos um bom momento aos espectadores, que lhes demos algo sobre o qual podem pensar e discutir”.

Persiste neste caminho, porque diz não saber fazer outra coisa. “Sinto que encontrei a actividade da qual não me irei cansar, muito devido ao facto de os temas abordados serem sempre diferentes, ainda que as metodologias se repitam…” Se não for cinema será vendedor de qualquer coisa só para pagar a renda. Acredita que se formos bons profissionais e perseverantes, algo irá acontecer. “O meu maior obstáculo sou eu mesmo e a minha dificuldade em acreditar em mim próprio”.

Quando questionado acerca do que abdicou, diz que prefere falar do que não abdicou. “Prefiro pensar que não abdiquei de fazer o que gosto e sei fazer, mesmo que isso me prive de comprar certas coisas ou de ter alguma estabilidade económica, são opções.  Atingi ainda um elevado espírito crítico que me permite ser cada vez mais exigente comigo mesmo e penso serem estas as minhas principais armas… Entretanto, fiz vários contactos válidos dentro da minha área, que me permitem alargar os meus horizontes e com os quais aprendi bastante”.

Neste momento, a sua maior recompensa é poder fazer algo que gosta e em que acredita. O futuro dirá por quanto tempo e com que género de retorno.

Joana Bastos – Artes Plásticas

Começou a sua “luta” pela razão mais feliz: diziam-lhe que tinha jeito para a coisa. “De jeito precisam os artesãos”. Motivada por querer sempre procurar respostas, insiste porque raramente as encontra.

As dificuldades foram muitas e diz que abdicou “apenas” de uma vida cómoda, estável e chata – “não ter dinheiro de família, heranças ou pais que podem; intelectualizar uma prática com pretensões, em tempos, espontâneas e/ou automáticas; ter recebido, sobre o mesmo objecto, opiniões críticas opostas e, ainda imatura (eu), ter tido que me posicionar e defender incertezas; ir para Londres, e, sem dominar inglês, falá-lo; sem contactos, fazê-los; sem dinheiro, sobreviver; sem trabalho, arranjá-lo; sem atelier, produzir; sem exposições, agendá-las”.

Pelo caminho diz ter atingido mais abertura e des(conhecimento) e passou de “uma cooperação (egos em negociação) para uma colaboração (egos em entreajuda); entusiasmos partilhados; e, em modo pretérito imperfeito, crescimento”.

Paulo Almeida – Design de moda

Paulo Almeida sempre se interessou pelo Design de Moda e sabia que seria a área que mais o deixaria realizado, apesar dos contratempos. “São uma constante no trabalho de um designer de moda. Reunir meios, pessoas, esforço e tempo permanentemente pode não ser fácil”. No entanto, cada meta atingida proporciona a força e a vontade para dar o passo a seguir e com isso ver o seu trabalho a evoluir e fortalecer-se.

Importantíssimo é o apoio das pessoas mais próximas. “Abdica-se da nossa presença e é importante que quem nos rodeia seja compreensivo. Mas é melhor sempre prevalecer o equilíbrio entre o que se abdica e o que se recebe e não o espírito de sacrificio, talvez seja essa a grande solução. A verdade é que acredito que na área é dificil construir um percurso sustentável sem trabalho árduo”.

Rematando, Paulo diz-nos que tem conquistado coisas que em tempos lhe pareciam inatingíveis e idílicas. “Posso portanto concluir que com muita dedicação se constrói um futuro promissor”.

Rui Vieira – Design

Sempre gostou de conhecer o que se passa lá fora e estar a par das tendências, diferentes visões, conceitos e técnicas. “Para isso tinha que sair de Portugal para outros eventos que disponibilizavam esse tipo de oportunidade”. Mas a experiência é compensadora. “Saímos de lá completamente prontos para abordar qualquer projecto”.

Certo dia, começou a ponderar a hipótese de criar um evento em Portugal, “que fosse realmente inspirador e marcante, algo de fantástico até para as escolas e faculdades, que permitisse aos alunos beberem muita inspiração e conhecimento sem terem de se deslocar a outro país”. Assim, depois de em 2007 abordar Hector Ayuso, fundador e director do OFFF, traz a Portugal um evento que junta todas as disciplinas do design e tecnologia, de forma descontraída e sem elitismos.

As dificuldades começaram precisamente nesse ponto, já que “trazer cerca de 100 speakers de topo, de todos os cantos do mundo não é fácil nem barato. A maior dificuldade foi convencer  potenciais sponsors que nem sempre têm que investir em eventos massificados”. Adicionalmente, foi realizado quase sem apoios institucionais, já que o obtido pela Câmara Municipal de Lisboa foi “devolvido” sob a forma de licenças e vistorias.

Mas a máxima é insistir. “Apesar das dificuldades, temos que arriscar. Acredito que é algo que vai fazer bem ao nosso mercado, às agências, ateliers e principalmente às escolas e às marcas”.

Entre o trabalho diário e a casmurrice de um projecto pessoal, como se conjugam as coisas? “Exige disciplina, tenho a minha família, amigos, o meu trabalho e durante o dia tenho que me concentrar nos projectos. Tive uma grande ajuda da Fullsix, pois permitiram que me deslocasse a reuniões durante o horário laboral e que usasse os contactos dos seus clientes”.

Realça um momento específico em toda esta odisseia – “o maior retorno foi ter uma sala com 2800 pessoas a ver e ouvir a melhor agência do Mundo, a Fallon” – mas também o facto de poder contribuir para algo que faz evoluir a comunidade de design em Portugal.

David Santos – Música

David Santos tinha apenas o gosto pela música e o interesse em tentar chegar às pessoas através dela. Sob o pseudónimo Noiserv, acabou por dar vida ao projecto quando, em 2005, “depois de uma conversa com o Tiago Sousa, mentor da Merzbau, se decidiu editar um EP”. A partir daí uma série de concertos permitiram chegar à maturidade necessária para um disco. “Nesta segunda etapa, muitas foram as dificuldades encontradas, as quais, tendo sempre em mente o objectivo de construir algo, foram sendo ultrapassadas uma por uma”.

Afirma que gravar um disco hoje em dia é algo ao alcance de qualquer um. “É necessário no entanto perder muitas horas e aí talvez abdicar do prazer de estar a fazer outras coisas… mas se realmente estamos a fazer o que nos dá prazer não se pode usar a palavra abdicar…”

Ao fim de três anos, David tem o seu disco pronto e o retorno “por parte de quem o ouve e vê, tem sido bastante encorajador e motivador para um próximo passo…”



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