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DJ Harvey

O verdadeiro disco punk. Harvey, DJ ecléctico e boémio refugiado no Havai onde tenta construir um dos melhores sound system do mundo.

Por muito que se insista na dicotomia Disco vs Punk, mais cedo ou mais tarde chega-se à conclusão que, a muita gente, essa suposta “guerra” não faz sentido nenhum, pois consideram que há mais a unir os dois estilos do que a separá-los. Harvey Bassett, mais conhecido como DJ Harvey, é uma dessas pessoas.

Tendo começado, no final dos anos 70, como baterista numa banda Punk (os Ersazt), cedo se começou a interessar pela cena Hip-Hop. Esse interesse surgiu durante uma viagem sua a Nova Iorque, onde ficou fascinado com a habilidade dos DJs de Hip-Hop na mistura dos Breaks (para quem não sabe, os Breaks são partes de bateria, provenientes sobretudo de discos de Funk, Disco e até Rock, que os DJs de Hip-Hop usavam nos seus sets, estendendo-as usando duas cópias do mesmo disco, para prolongar o efeito dançante que tais Breaks causavam a quem os ouvia). Tendo achado que o Djing era um prolongamento da sua actividade como baterista, logo decidiu comprar um par de Technics.

Começou a praticar, e cedo começou a dar nas vistas, tendo um forte impulso da sua crew Tonka Hi-Fi. Desde logo se revelou como um DJ bastante eclético, ficando bastante conhecidas as suas noites onde misturava Disco, Funk, Rock, Hip-Hop, Electro, e, posteriormente, House. Com o passar dos tempos foi conhecendo mais profundamente a história e os protagonistas da cena Disco, pela qual estava cada vez mais apaixonado. No início dos anos 90, foi o responsável por uma das noites mais míticas de Londres, as noites “Moist” no Gardening Club.

Se os seus habitualmente ecléticos e loucos DJ sets seriam suficientes por si só para deixarem essas noites na memória de quem lá esteve, o facto de ter trazido nomes como François Kevorkian, Tony Humphries, Kenny Carpenter e Larry Levan pela primeira vez a Inglaterra ajudaram a mitificá-las ainda mais. No caso de Larry Levan, terá sido das poucas vezes que terá actuado em solo europeu, antes do seu desaparecimento. Foi também Harvey quem inaugurou, em 1996, as já famosas compilações Late Night Sessions da Ministry Of Sound (clube onde foi convidado para ser residente, em meados dos anos 90), e cuja selecção continua hoje a soar bastante actual.

Foi também, mais ou menos por esta altura que nomes como Idjut Boys, Faze Action, Street Corner Symphony, Crispin J. Glover ou Ashley Beedle e editoras como a Nuphonic, a Noid ou a Matrix começaram a destacar-se, sobretudo através da mão de Harvey. Muitos destes nomes partilhavam (e decerto ainda hoje continuam a partilhar) com Harvey muitas das suas influências, sobretudo as mais viradas para o Disco-Sound e a música negra em geral, e o mais normal seria que Harvey apostasse fortemente neles e que se juntasse também a eles, criando assim um novo movimento à volta do ressurgimento do Disco-Sound e do que estava à volta, fosse em termos de produções novas (e Harvey chegou até a fazer parte de um projecto que eram os Persuasion), fosse em termos de re-edits de temas antigos, que até não tinham necessariamente de ser Disco-Sound, algo que se consegue descortinar ouvindo alguns dos re-edits que fez na sua editora, a Black Cock, e que, apesar de até há uns tempos serem difíceis de arranjar, estão a voltar a ser reeditados.

E sabe-se que editou muitas coisas sob pseudónimo para editoras como a Nuphonic ou a Mo` Wax. Aliás, Harvey sempre sentiu uma forte afinidade com o espírito Balearic, e, como tal, não é indiferente a sonoridades mais lentas, com um forte feeling cósmico até (e basta ouvir as mais recentes remisturas dele, como as que fez a «Music In My Mind» de Lindstrom ou a «All My Friends» dos LCD Soundsystem para sentir isso…). E desde que se mudou (parece que definitivamente) para o Sol da Califórnia, essa paixão por tudo o que é Balearic e Cosmic se exarcebou ainda mais.

Reencontrou por lá um dos seus antigos amigos do tempo da Tonka Hi-Fi, Thomas Bullock (uma das metades dos Rub N Tug), na altura ligado à Wicked Crew, uma famosa promotora de festas, e logo começaram a conjurar novos projectos, tal como Map Of Africa, onde veio ao de cima a vertente mais rockeira e psicadélica dos dois (e onde Harvey canta e toca bateria). Foi também na Califórnia que Harvey, juntamente com a marca de roupa Sarcastic (da qual Harvey é grande adepto, sobretudo por estar ligada ao lifestyle do Surf e do Skate) iniciou as noites Sarcastic Disco, onde Harvey continua a explorar o seu forte ecletismo musical.

Pelo que se pode ler no site, percebe-se que a maioria das festas têm uma certa áurea de mistério e secretismo, sendo o local delas revelado praticamente em vésperas das mesmas, embora algumas até sejam no Thirty-nine Hotel, em Honolulu, Havai, do qual Harvey é co-proprietário, e, para além de Hotel, é também um misto de galeria de arte e bar nocturno. Reza a lenda que Harvey não sai dos Estados Unidos da América devido ao medo de poder perder o visto, e a verdade é que na Europa já ninguém ouve um set dele há bastantes anos.

Em Portugal, e após várias visitas durante os anos 90, ainda chegou a vir ao Lux no início da década, para mais um set onde misturou de forma hábil House, Techno, Disco e Rock, mas desde aí… nada. E, numa altura em que voltaram a aparecer nomes que se interessam pelo legado do Disco-Sound (seja na cena mais “tradicional”, seja na cena mais “cósmica”, seja na cena mais Italo, seja na vertente mais Balearic), como Lindstrom, Prins Thomas, Todd Terje, Social Disco Club, Slight Delay, Ilija Rudman, Fabrizio Mamarella, Escort, Mock & Toof, etc, e onde os Re-Edits voltam a estar na ordem do dia, é sempre bom saber que houve alguém que sempre esteve atento a este fenómeno, e que sempre serviu de influência e puxou por quem verdadeiramente acreditava nisto nos seus DJ sets, sem qualquer espécie de receios ou complexos, e que esse alguém é Harvey.

Esperemos que Harvey resolva os supostos problemas com os vistos (e até corre por aí um boato que estão prestes a resolver-se), e que brevemente nos volte a visitar para que possamos usufruir mais uma vez da sua sabedoria e da frescura que sempre transmitiu nos seus DJ sets.



Existem 3 comentários

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  1. Kaspar

    Nice one, bem pesquisado! Parabéns.

    É, conheci-o em Seattle (até tenho umas fotos no myspace com ele). Tenho a dizer que o pessoal pensa demasiado nele.

    Para corrigir algumas coisas, o Harvey até veio a Portugal provávelmente mais vezes que a qualquer outro país na Europa (não só no Lux), e a primeira vez que o ouvi foi no Frágil, era um miudo, devia ter 12 anos, em 1994, praí, no pico da primeira vaga febril em torno do homem.

    Depois, há uma grande conotação do Harvey com o Disco (bom, é um termo que não acho ideal… remete a um universo um pouco anacrónico que não me parece ser tão necessário de categorizar); e tal não é propositado. Não se trata de uma pessoa que se preocupe muito em distinguir estilos, tanto assim que ele próprio na sua produção – e por mais do que uma vez – previu estilos (lembro-me de algumas remixes da Greyhound que mostravam muitas influências pós-industriais, quase a antever o electro-clash com a classe que se esperava dele; e de uma em particular para Street Corner Symphony que absolutamente abria o caminho ao que seria o padrão rítmico mais comum no broken beat).

    Quando se fala no Harvey, fala-se, em primeiro lugar, de um tipo que é doido por música. E não quer bem saber de que estilo esta é. Uma vez perguntou-me se eu sabia qual o nome do album do Rão Kyao em que ele na capa está a tocar uma flauta sob um fundo preto, porque gostava imenso de um tema arrítmico… Ou seja, o gajo percebe disto a potes, e tem uma colecção absurda… e é dj, ou seja, como qualquer um, sabe que as pessoas dançam intuitivamente algo que seja rítmicamente simples e simétrico. Por outro lado, um baterista tem um swing completamente diferente de uma caixa de ritmos, e as duas coisas podem completar-se.

    Enfim, se ele passa discos que entram no universo do que chamamos "disco" ou "house", é porque, além de gostar deles, eles fazem dançar. Se houve algo que aprendi a falar com ele, foi que esta categorização tão grande só segmenta a compreensão total do fenómeno.

    É um surfista que toca discos, toca bateria, canta e fuma muita ervinha… Um tipo que é todo emoção e piadas, que vive para ouvir música e curtir festas, toda a obra que realizou gira em torno destas premissas.

    Finalmente, ele não tem medo de perder o visto… ele deixou-o expirar! há anos. Ouvi dizer que isso já está resolvido. A ver vamos.


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