Doc’s do Queer Lisboa
Um apanhado dos melhores documentários que foram exibidos na 18ª edição do Festival.
Castanha (Davi Pretto) – Castanha é uma personagem no meio de tristezas e problemas. Aborda temas sérias, mas sempre com uma leveza muito própria de quem sabe, e quer, viver a vida. O filme apresenta um ritmo perfeito que se aproveita da complexidade do protagonista. O realizador sabe da arte de observar e com delicadeza desenvolve cenas profundas com actores não profissionais. Além disso, ele dirige um trabalho que, claramente, sabe como extrair o máximo de pequenos espaços. O problema surge com a ausência de um drama abrangente e nada conclusivo, muito por causa da indefinição de géneros. A meio o filme estagna, mas mais cedo ou mais tarde consegue fazer com que tudo o que parecia não fazer sentido faça.
Fuoristrada (Elisa Amoruso) – Pino cresceu num orfanato. Teve inúmeras mulheres e tem uma filha, com quem não fala. Adoro motores, é mecânico e campeão de rally. Há alguns anos, decidiu que queria vestir-se de mulher. Fez uma operação ao peito e baptizou-se de Beatrice. A realizadora italiana Elisa Amoruso escuta e grava tudo aquilo que acontece perante os seus olhos, e mais tarde perante os nossos, sem nunca tentar forçar ou manipular a história. A relação entre a realizadora e o seu protagonista, que se baseia em cortesia e respeito, faz com que o filme se fique pela rama. O objecto final encontra-se privado de um grau de emoção e de uma presumida objectividade.
I Fantasmi di San Berillo (Edoardo Morabito) – San Berillo de Catania. Um quarteiro que serve de receptáculo ao lixo e ao mijo, onde tudo é humilde e pobre, onde tudo se encontra em rota de colapso. Ao longo dos anos essa zona da cidade tornou-se no gueto sobrevivente, por onde vagueiam fantasmas e figuras decrépitas de um passado longínquo. San Berillo é a arqueologia de uma Itália inexistente. Uma Itália miserável, mas viva, com orgulho alheiro face aos valores de respeitabilidade burguesa. Este é o pano de fundo para uma obra deliberadamente desequilibrada, em constante mudança entres os diferentes níveis, enquanto incluís cenas de filmes pornográfico da época. Tudo a preto e branco. Edoardo Morabito inspira-se claramente na obra de Pietro Marcello, La bocca del lupo. Limita-se a se inspirar e nada mais. O filme é acima de tudo um olhar por filtrar, repleto de curiosidade perante a autenticidade da realidade, aquela que sobrevive longe dos holofotes da comunicação social.
Julia (J. Jackie Baier) – A história deste filme, por vezes ligeiramente frustrante, por vezes desesperadamente comovente, foca-se na realizadora transexual, que partilhou a sua vida, trabalho e experiência com Julia, o seu objecto de estudo e sua amiga. A ternura entre ambas é palpável e transcende o grande ecrã, levando o público a experienciar uma explosão de sinceras emoções. A fotografia de Dieter Vervuurt e de Th. Schneider é intimista, a banda sonora de Christopher Franke e Princessin Hans assustadoramente evoca o trabalho de Wong Kar-wai, mas o verdadeiro ponto alto do filme é a exposição do ‘outro’, explorando as suas diferenças, para que possam ser celebradas. A realizadora desenvolve uma obre desprovida de pathos, um filme que deveria ser visto por todos.
Profezia. L’Africa di Pasolini (Enrico Menduno e Gianni Borgna) – Depois de Accattone, Pier Paolo Pasolini decide voltar a sua atenção para África e o seu lado genuinamente camponês de força revolucionária. As suas expectativas rapidamente acabam em decepções, sendo o continente africano um reservatório de contradições irreconciliáveis que acabariam em motins, ditacturas e massacres destinado a serem repetidos. O filme da dupla de realizadores italianos explora a relação que o mestre do cinema italiano desenvolveu com África, um continente a preto e branco, num colonialismo pulverizado de maneira tribal por velhas formas.
São Paulo em Hi-Fi (Lufe Steffen) – Por entre depoimentos, fotos e vídeos antigos o realizador criou um registro clássico intercalado por uma estrutura que obedece a uma cronologia linear. Travestis, escritores, jornalistas, empresários, entre outros, falam abertamente sobre os aspectos da vida homossexual do seu tempo, expondo a militância do sexo. Todas estas pessoas são heróis da resistência, criadores de um universo paralelo, que muitas vezes surgem como invisíveis aos olhos da sociedade. O material acima referido dialogam entre si, produzindo um discurso e estabelecendo um uma ponte de ligação entre o real e o imaginário. É na articulação de entre social e individual e público e privado que se encontra o valor máximo do filme.
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