EDP Vilar de Mouros 2019 | Dia 3 (24.08.2019)
Fecha-se o cartaz da edição de 2019 deste festival lendário com grandes bandas, bons sons que não desiludem e com o entusiasmo de um público que promete voltar nos anos seguintes.
Sol forte, calor reconfortante, brisa refrescante, algum pó indesejado, mas que ainda assim não desmotiva e que não destrói o clima de felicidade que se sente na terra de Vilar de Mouros. É o último dia, a última noite, unem-se os “festivaleiros” que celebraram a semana inteira no campismo e dentro do recinto às pessoas que vêm com eles comemorar o melhor da música por um bocado, por uma noite inesquecível.
Os concertos iniciam-se um pouco mais cedo, em comparação aos dois dias anteriores, alimentando a ânsia de quem deseja aproveitar desde cedo o final do festival até se dar o amanhecer do dia seguinte. Abre-se o palco secundário pelas 19h15 com os portugueses Jarojupe, que recarregaram as baterias das pessoas que vieram celebrar esta última noite, mas não a última edição do festival. Com a sua origem em 1981, a banda que recebe as iniciais de cada nome dos irmãos Parente (Jaime, Rosa, Juca e Pedro), apresenta-se com uma formação renovada e para apresentar o recente longa-duração “Crimson”, de 2018.
Enchem-se os copos, alimentam-se as barrigas, aproveita-se o pôr de sol e a boa companhia, e segue-se a animação no segundo palco do festival com Gang of Four. 20h15 e depois de 43 anos de existência e de terem apenas o guitarrista Andy Gill como único elemento original do grupo britânico, regressaram com o novo álbum “Happy Now” deste ano, já com uma carreira longa, plena de elogios e marcos, tendo influenciado bandas como Franz Ferdinand ou The Rapture.
21h20 marca o relógio e dá-se a épica abertura do palco principal com mais som português, que este ano não esteve muito presente no cartaz, mostrando que quem tem sangue lusitano tem talento nas veias. Linda Martini chegam ao festival à boleia do seu álbum homónimo, editado no ano passado, o quinto longa-duração do grupo composto por André Henriques, Cláudia Guerreiro, Pedro Geraldes e Hélio Morais, um dos mais “essenciais” dos últimos anos do ‘rock’ português. Cantam e encantam, tocam os seus instrumentos e enfeitiçam o público nas suas melodias vigorosas e determinadas, poderosas e valentes, provando que o que é português é garantidamente bom (tome-se bom como um eufemismo).
O palco secundário fecha-se nesta edição de forma esplêndida com Fischer-Z, que cumpriram a missão de dar um espetáculo fenomenal de despedida desta parte do recinto. Sendo o projeto mais importante do poeta, cantor e compositor John Watts, provou-se que o caminho que começaram a traçar há 43 anos continua firme.
A noite ainda é uma criança e chega a hora de subir ao palco principal uma das bandas mais esperadas do cartaz da edição deste ano. 23h30 e dá-se a estreia de Prophets of Rage em Portugal, o “supergrupo” formado em 2016 que lançou o seu primeiro registo de originais no ano seguinte.
Maus presidentes levam à criação de boa música.
Disse Tom Morello e que serve de clara justificação à junção em palco de três membros dos Rage Against the Machine (o próprio Morello, o baixista Tim Commerford e o baterista Brad Wilk), dois membros dos Public Enemy (o rapper Chuck D e DJ Lord) e um Cypress Hill (o rapper B-Real). Vivos pela revolução, a origem do grupo está na eleição de Donald Trump, figura que parece simbolizar tudo aquilo contra o qual têm lutado ao longo das suas vidas e carreiras: uma América que proclama a liberdade, mas que a restringe. Não é de forma inocente que na base de muito do seu espetáculo ao vivo estejam as canções dos Rage Against the Machine, que foram provavelmente a banda rock mais politicamente engajada dos últimos 30 anos, conjunto para o qual não existiam limites à revolução e à provocação. Há que continuar o legado da luta e continuar o trabalho de 30 anos a agir pelo que é o mais acertado para todos.
Por um lado, um concerto dos Prophets of Rage é um concerto dos Rage Against the Machine, em que a energia investidas nas canções é a mesma, a mensagem igual. Substitui-se um grande MC, Zack de la Rocha, por dois gigantes, Chuck D e B-Real, também com grande atitude revolucionária e fortes posições políticas. Surge a arma, sem violência ou injustiças, alicerçada da voz, do ritmo, da batida.
Os fãs dos Rage Against The Machine, que os conheceram na adolescência, puderam assistir aos temas que os marcaram fortemente durante essa época. Na impossibilidade de puderem ouvir a dita banda, resgatam-se as canções do passado para poder construir um futuro melhor, através de uma mensagem revolucionária que nunca se apaga até ser feita justiça. Erguem os seus punhos em conjunto com os seus seguidores que a eles assistem, e entoam-se canções como a que lhes dá nome: «Prophets of Rage», dos Public Enemy, que causou a loucura no público, que se entregou aos saltos, ao movimento espontâneo, por entre banhos de cerveja num clima de puro êxtase.
Palavras e mensagens diretas, a revolução honesta é feita disso. A dada altura do concerto, Tom Morello vira a sua guitarra e é possível ver um sinal de proibição a enfeitar uma cruz suástica, ali colado. A união é precisa, desde sempre e para sempre, para não se deixar o mal vencer.
A técnica de Morello, que faz da guitarra o que bem deseja, continua impressionante. Commerford dominou o baixo e alcançou o título de rei do “groove”, Wilk mostrou uma pujança invejável lado a lado com DJ Lord, e o vozeirão de Chuck D continua temível, lado a lado com o flow mais anasalado de B-Real. Oferecem-nos também uma viagem pelo medley do hip-hop, quando fazem uma pausa no ativismo para recordar temas como «Insane in the Brain», dos Cypress Hill, e «Jump Around», dos House of Pain, que gerou um momento de espontâneo entusiasmo e excitação no público.
É feita também uma homenagem sentida a Chris Cornell, que tocou com estes três Rage Against the Machine nos Audioslave, escolhendo interpretar a canção «Cochise», que não teve vocalista físico, mas que esteve presente em espírito e nas mentes dos fãs que se encontravam no público e que entoaram a letra.
Segue-se «Bullet in the Head», com Morello a arrasar as cordas da sua guitarra com os dentes, «Bulls on Parade» e «Killing in the Name», com um toque ligeiro de «Fight the Power» ao início. Despedem-se com o slogan “Façam Portugal Enraivecer Novamente”, que se exibiu em palco. Por fim, ‘Bombtrack’ levou ao rubro um público que estava conquistado já desde o início.
Para encerrar o palco principal nesta última noite da edição de 2019 do festival, surgem Gogol Bordello pouco depois da 01h15 prontos para arrancar com a festa finalíssima. A banda norte-americana transformou o recinto num enorme bailarico, em que a dança, animação e uma energia extremamente contagiante se fizeram sentir. Recorrendo a um punk rock de influência cigana plena de ritmos e sons do ska, da polka, da folk, e a temas como «Not a Crime», «Immigrant Punk» e «Wanderlust King», o vocalista Eugene Hütz conduziu o espetáculo como o verdadeiro rei da festa.
Terminada mais uma edição, sobrava uma “after party” para embailar os corpos na festa que é a vida.
O EDP Vilar de Mouros regressa em 2020, e já há datas: 27, 28 e 29 de agosto.
Texto por José Graça e fotografia por Inês Graça.
Podem encontrar aqui a reportagem do primeiro e segundo dia.
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