“Elas sou Eu” @ Teatro Estúdio Mário Viegas
Um homem, quatro mulheres, gargalhadas sem fim.
Diz o povo que por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher. Mas no caso de Eduardo Gaspar esse ditado parece alterar-se um pouco, pelo menos quadruplicar-se, já que em “Elas sou Eu (o que a gente não faz para pagar a renda)” o actor brasileiro dá vida e alma a quatro mulheres de peso.
Na peça encenada por Hugo Sovelas e estreada no Teatro Estúdio Mário Viegas a 9 de Setembro, a comédia ganha forma feminina e diverte o público do princípio ao fim do espectáculo. Numa sátira dos dramas e angústias típicas das mulheres contemporâneas, Eduardo Gaspar oferece à plateia momentos de boa disposição, não deixando de apontar o dedo a alguns elementos menos positivos da vivência nos dias de hoje, apelando deste modo à reflexão. A crítica social é um dos pontos fortes desta peça, que percorre vários assuntos ditos “polémicos” de uma forma leve e divertida, numa ideia de “a rir se dizem as verdades”.
Lucy Neide, Berenice, Yolanda e Bondade são quatro mulheres que à partida nada teriam em comum. Mas, por incrível que pareça, elas têm objectivos bem definidos: serem bem sucedidas a nível emocional, social ou profissional. É esta busca pelo sucesso, cada uma à sua maneira, que Eduardo Gaspar traz nestas várias mulheres que interpreta. Cada uma delas com uma personalidade vincada, sem quaisquer papas na língua e prontas para deixar o espectador mais recatado de boca aberta.
Lucy Neide é a primeira mulher a subir ao palco. Uma subida literal. Apresenta-se como assistente do actor Eduardo Gaspar, mas na prática é uma “boa amiga” que quer ficar com o seu lugar no palco. Avisando todo o público que podem ir embora porque Eduardo Gaspar não vai aparecer em palco, acaba por entrar em cena e contar toda a sua vida à plateia. A empregada doméstica que se quer tornar actriz acaba por contar que está ali para substituir o actor brasileiro porque o tinha aconselhado a não ir para palco fazer de mulher, uma figura “bastante triste” para um homem. A partir daí o público entra na sua loucura saudável e solta as mais descontroladas e alegres gargalhadas à medida que vai conhecendo a sua história.
O desempenho do actor nesta personagem é brilhante. Com uma naturalidade em palco poucas vezes conseguida em produções do género, não deixa de aproveitar qualquer risada menos fora do contexto que possa surgir. A incitação à participação do público é constante, levando a plateia a ser conquistada por esta mulher que, para além de ser famosa, quer reconquistar o seu antigo amor, uma grande cantor da música romântica brasileira (de seu nome, Roberto Carlos).
Depois desta simpática aspirante a actriz surge Berenice, a baiana. A mulher começa por apresentar-se a si e à sua vida conjugal, destinada a falhar. Numa tentativa (falhada, diga-se) de salvar o seu casamento pelo incremento da sua vida sexual, o marido de Berenice mostra pela primeira vez um filme pornográfico à esposa. A mulher põe o marido fora de casa e acaba por se viciar nas maravilhas da videocassete pornográfica. E é devido também ao leitor de videocassete que Berenice acaba por ver a sua vida ganhar um novo “ânimo” quando lhe entra pela porta Edmundo, um cobrador de dívidas que lhe vinha buscar o leitor a casa porque o marido não o tinha pago. A partir daí, a baiana descobre todo um novo mundo com o bem constituído nativo de Benguela.
Eduardo Gaspar continua a ser exemplar na sua interpretação em Berenice. O público continua a abster-se de que é um homem a dar corpo e alma à personagem e vê de facto uma mulher em cima do palco. A vida sexual renascida desta baiana solta risos bastante sonoros na sala do Teatro Estúdio Mário Viegas. A diversão continua e o público mal pode esperar para saber que personalidade terá a próxima mulher a entrar em palco.
A alta sociedade é a próxima a marcar presença em cena, através de Yolanda. A mulher que se divide no amor pela filha Maria Cleide e pela repulsa da filha Maria Cláudia e que tem ainda tempo para cultivar a relação com o seu marido (ou com aquilo que dele resta, melhor dizendo) é o reflexo de um mundo de aparências, superficialidades e futilidades.
A vida de Yolanda é uma odisseia de divertidos conflitos a que ela procura dar resposta. A mulher vive ainda um drama com a sua vizinha, uma emigrante portuguesa que procura imitá-la em todos os seus passos. O público deixa-se envolver pelo glamour pouco brilhante que possui esta lady e diverte-se ao mesmo tempo.
Os tiques nervosos e as manias de Yolanda são interpretados por Eduardo Gaspar também de uma forma irrepreensível. Um retrato bastante caricaturado de uma classe que pelo seu carácter hiperbolicamente “diferente” conduz a plateia a desejar nunca viver os mini-dramas que a alta sociedade, de que Yolanda é membro com lugar fixo, experiencia.
Por fim, chega a misteriosa irmã Bondade, religiosa não por vocação mas pelo desígnio do próprio nome. Ao que consta, nunca foi vista enclausurada em nenhum convento. Dela sabe-se apenas que guarda um segredo que está tão bem escondido como o seu verdadeiro objectivo de vida. Um segredo que o público quererá com ela descobrir.
O remédio para curar toda a má disposição é a forma como esta peça pode ser encarada. Durante cerca de duas horas o público é conduzido nas vivências únicas e divertidas destas quatro mulheres e com elas solta gargalhadas que de outra forma ficariam retidas. Uma dose de alegria em peça de teatro.
A peça estará todas as sextas e sábados, até 8 de Outubro, em exibição pelas 22 horas no Teatro Estúdio Mário Viegas.
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